sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Revisionismo perigoso pretende minimizar influência de Yoko Ono no fim dos Beatles

 Quantos casos você conhece de um profissional , homem ou mulher, que levou diariamente seu cônjuge ao lugar de trabalho não sendo o proprietário da empresa? No caso absurdo de você conhecer um caso assim, os demais funcionários gostaram da "decisão de tal profissional?

No aniversário de 90 anos de artista plástica japonesa e ocasionalmente musicista Yoko Ono, acentuou-se a tendência revisionista de análise de seu trabalho e comportamento ao longo de quase sete décadas de atuação. 

As análises dos últimos são anos são bem-vindas para esclarecer vários pontos, em especial a acusação de ter "acabado" com os Beatles em 1970 por conta de seu casamento com o guitarrista e vocalista John Lennon.

O onda revisionista pretende "absolvê-la" da acusação, em uma situação patética e constrangedora para jornalistas e críticos de música. Até o baixista e vocalista Paul McCartney, parceiro de Lennon na maioria da composições, já o fez, tornando a discussão inútil e sem sentido.

Entretanto, o que nem McCartney conseguiu foi isentá-la de alguma responsabilidade ou de algum envolvimento no clima pesado de desmoronamento da maior banda de rock de rodas.

Não só as centenas de livros como os documentários - "Get Back", de Peter Jackson, e "Let It Be", de Michael Lindsey-Hogg - mostram que a implosão dos Beatles era inevitável, com muitas brigas internas e ressentimentos, que resultaram em afastamentos temporários do guitarrista George Harrison e do baterista Ringo Starr. Não houve interferência externa direta na separação.

O que houve foi uma mudança importante na dinâmica interna de relações entre os quatro músicos, coisa que ocorria no tempo das gravações do álbum "Revolver", no começo de 1966, e se acentuou quando Lennon conheceu Yoko Ono naquele mesmo ano 

Apaixonado, Lennon descobriu que havia um mundo imenso além dos Beatles. E a deterioração da amizade com McCartney, olhando em perspectiva, parecia inexorável. Os Beatles dariam várias demonstrações depois disso que não eram uma unidade.

A situação piora quando observamos que Yoko era uma profissional bem-sucedida, uma artista plástica reconhecida en inovadora, de personalidade forte e marcante, com opiniões sobre quase todo e tendo um discurso bastante relevante e empoderado - tudo isso cativou Lennon. 

O impacto direto na personalidade e no trabalho criativo do namorado - e depois marido - beatle foi avassalador. Lennon sempre admitiu isso como fator positivo e McCartney percebeu, não negou e se resignou.

O que nem todas os livros sobre os Beatles e biografias contam é o lado mais complicado da convivência cotidiana com a artista japonesa. Sete anos mais velha do Lennon, ela nunca tinha prestado muito a atenção nos Beatles como fenômeno pop antes de conhecê-lo. 

Apaixonados, os dois rapidamente caíram nas garras do mundo das celebridades. E então Yoko entendeu a dimensão do tamanho gigantesco que era ser um beatle, e o beatle mais polêmico e ativista. Por anos John Lennon foi o músico mais importante o mundo. Sua vida mudou de tal forma que o impacto foi brutal.

No convívio do dia a dia, Yoko era possessiva e ciumenta ao extremo, e não raro demonstrava insegurança na relação com o marido ultrafamoso. Precisava monitorá-lo e saber de tudo o que acontecia no dia de trabalho ou em casa.

Nunca se esforçou para que o marido tivesse uma relação boa com o filho Julian, do primeiro casamento, de que se afastou progressivamente. Ela mesmo ficou muito tempo sem ver a filha Kyoko, que morava com o pai, nos Estados Unidos.

Por personalidade e temperamento, Yoko Ono era centralizadora, algo que admitiu em algumas entrevistas - e que resultou em uma gestão muito bem-sucedida das finanças da família desde os anos 60, tornando-a multimilionária.

A paixão pela esposa deixou Lennon meio aparvalhado e, de certa forma, passivo, como descreveu em livro o ex-engenheiro dos Beatles Geoff Emmerick. 

A submissão chegou a tal ponto que Lennon exigiu que uma cama de casal fosse colocada no estúdio de Abbey Road para o conforto do casal.

E então chegamos à interferência de Yoko Ono no trabalho criativo e do cotidiano dos Beatles. Ela queria estar grudada no marido o tempo todo e forçou a barra para ter acesso ao "ambiente de trabalho" dele. 

Resignado, não se sabe de em algum momento Lennon resistiu, mas relatos de quem trabalhou com a banda na época dão conta de que, se houve alguma resistência, foi mínima, a julgar pela satisfação dele com a situação e com os resmungos dos companheiros aquela situação.

Houve uma reclamação um dia - possivelmente e George - não com a presença dela no estúdio mas com uma eventual "sugestão". Lennon teria se irritado e, em uma das vezes, indo embora. 

As "sugestões" eram muito raras, mas a onipresença de Yoko no estúdio e nas reuniões administrativas. São vários os livros que mostram o incômodo dos músicos com a presença da mulher de John. A simples presença dela já era uma mudança capital na dinâmica de trabalho.

Os companheiros de John tinham certeza de que o poder dela sobre ele era muito grande. Se ela pouco se manifestava no estúdio, certamente falava muito sobre tudo da banda em casa ou a sós e m qualquer lugar. 

Ou seja, ignorar alguma interferência de Yoko Ono no fim dos Beatles não é sensato e esbarra na mais pura ingenuidade, para dizer o mínimo. Pode não ter sido decisiva, como a literatura e a filmografia mostram, mas houve uma contribuição dela para o fim da banda - resta estabelecer o tamanho dessa contribuição. A minha mera impressão é a de que foi grande.

Muitos anos após o fim, Paul McCartney foi generoso e magnânimo ao  dizer que demorou a perceber o quanto John e Yoko se amavam, e que conseguia enxergar as coisas de outro mundo - e que, por fim entendia a felicidade de John ao lado de Yoko e que ficava feliz com essa felicidade do ex-companheiro.

Com a chegada dos 90 anos de Yoko, o revisionismo a respeito de sua carreira artística ganhou fôlego, embora já seja quase que consenso que, como artista plástica, ela foi importante no século passado mesmo depois que casou com Lennon. Críticos consideram sua obra inovadora, instigante e inteligente, apesar de complexa.

Como musicista, a situação é um pouco diferente. Tinha uma respeitada formação musical, mas enveredou or um experimentalismo que não chamou muito a atenção. Transitando entre o erudito e o pop, abusava dos silêncios e tinha dificuldade de fazer com que seus conceitos fossem apreendidos.

Nem mesmo quando os gritos primais apareciam ela conseguia alguma condescendência, apesar da admiração do marido, que a incentivava a cantar e compor.

 Nas gravações que fez ao lado de Lennon, em lados B de singles ou, por exemplo, em quase um lado inteiro do disco ao vivo solo gravado em Toronto, no Canadá, em 1969, os resultados não foram bons.

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