segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Van Halen no Brasil: quando os mestres desbravaram a ‘selva’ há 40 anos

Nada poderia ser mais impacte do que os mirabolantes e grandiosos shows de Alice Cooper e Queen no Brasil, ou o de Frank Sinatra espeta em um estádio do Maracanã com mais de 150 mil pessoas. Mas aí o rock pesado descobriu o Brasil e Van Halen e Kiss nos mostraram que a er dos "maiores espetáculos da Terra" estava só começando. Sem os dois megaespetáculos de 1983 não haveria Rock in Rio...

A América do Sul ainda era uma terra devastada pela violência e ignorância das ditaduras militares e quando Santana, Alice Cooper, Genesis e The Police se dignaram a trazer civilidade e rock'n'roll por essas bandas nos anos 70. Mas ainda era muito pouco. 

Os shows do Queen pelo continente em 1981, em especial os de São Paulo e Rio de Janeiro, pareciam abrir as portas dos grandes shows de rock para um público carente de supereventos, mas ainda demoraria dois anos para que o mundo do show business conseguisse enxergar as boas possibilidades no Hemisfério Sul

E coube ao Van Halen desbravar definitivamente as terras do Sul para que o rock internacional invadisse o Brasil. No tórrido janeiro de 1983, o quarteto era a principal banda do rock mundial e causou furor quando de seu anúncio da turnê sul-americana, que passou também por Porto Alegre, Buenos Aires, Montevidéu e Caracas.

Em 2008, a extinta revista Poeira Zine reconstituiu os passos da banda pelo Brasil e a loucura que acometeu os roqueiros paulistanos com a passagem pela cidade.

Como sempre, as filas davam voltas por todo o complexo, mas, por motivos ainda não esclarecidos, as três noites paulistanas não lotaram completamente, assim como em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. No entanto, o público superou facilmente os 30 mil pagantes na trinca de shows.

De acordo com o relato da Poeira Zine e também das reportagens publicadas nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, o Van Halen arrasou em apresentações vulcânicas e explosivas, por mais que as questões técnicas não tenham sido as melhores. Era difícil reconhecer as músicas além dos refrões e os próprios músicos sofriam com o retorno para saber quem estava tocando o quê.

Situação muito parecida com o que ocorreu seis anos depois nas lendárias primeiras apresentações do Motorhead no país. As dificuldades foram tão grandes no Ginásio do Ibirapuera que um dos shows foi interrompido no comecinho e remarcado para dois dias depois.

Se o Van Halen tinha tocado muito alto, o Motorhead, como um quarteto, ultrapassou qualquer limite de volume, o real motivo pelo estouro dos amplificadores à disposição em São Paulo. 

O ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, testemunhou uma das maiores aparições do grupo californiano, que curiosamente jamais voltaria ao Brasil, ao contrário de seu primeiro vocalista, David Lee Roth, que se tornaria atração frequente de festivais na América do Sul em carreira solo.

Foi o Van Halen que abriu as "portas do inferno" para que o rock internacional finalmente tomasse conta de nossas praias, nossos estádios, nossas rádios. Ao som de "Janie's Crying" e "Running with the Devil", o Van Halen estabeleceu o Brasil e a América do Sul como rota obrigatória para qualquer atração de rock minimamente relevante. 

Desbravando a selva

Foi o tipo de show muito parecido com aquele jogo na rua Javari no qual Pelé marcou o seu gol mais bonito: com capacidade para 7 mil pessoas, a quantidade de gente que diz que esteve naquele local, naquele dia, ultrapassa 100 mil – da mesma forma que a final da Copa de 1950, no Maracanã, teria sido vista por 1,5 milhão de pessoas, se contarmos todos que dizem que estavam no estádio que tinha capacidade para 200 mil…

E assim a lenda persiste em relação ao maravilhoso show do Van Halen no péssimo ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, em 1983. Péssimo porque a acústica era inexistente – não fora projetado para receber espetáculos.

Quantos estiveram lá, de fato? Cinco mil, dez mil? E cada roqueiro cinquentão paulistano conta uma história boa desse show, como se estivesse a poucos metros do palco, vibrando com os solos de Eddie Van Halen, com a alucinante apresentação da Patrulha do Espaço, na abertura, sem se incomodar com a precariedade das instalações.

Ninguém se incomodou com a falta de conforto. Diante da total ausência de shows internacionais de peso, como o Queen, de 1981, o roqueiro brasileiro fez de tudo para invadir o ginásio e saborear um pouco daquilo que era corriqueiro no primeiro mundo.

Surpreendentemente, o Van Halen fez nove shows no Brasil, três em cada capital, naquele janeiro de 1983. Passou também por Caracas (Venezuela) e Buenos Aires (Argentina) na turnê “Hide Your Sheep”, depois do lançamento do quinto disco, “Diver Down”.

Dos três superlotados shows paulistanos, o melhor foi o segundo, de acordo com quem presenciou. Mais adaptado ao calor de janeiro e ao funcionamento dos equipamentos, o quarteto voou no palco, em uma apresentação sem incidentes e quase nenhum problema no som.

A TV Bandeirantes filmou um dos espetáculos e, pelas imagens que vemos, dá para ter alguma noção da aventura que foi assistir ao Van Halen no imenso e desconfortável ginásio do Ibirapuera. Durante anos as fitas piratas com imagens dos shows foram disputadas a tapas na Galeria do Rock.

Ao lado dos icônicos shows de Alice Cooper, no Anhembi, em São Paulo, em 1974, e do Queen, no estádio do Morumbi, em 1981 – para não falar de Kiss, no mesmo estádio, em 1983 -, as performances do Van Halen em sua única passagem pelo Brasil pode ser consideradas as mais históricas dentre as apresentações internacionais. Há quem as equipare, em importância, ao Rock in Rio 1985.

Ausência inexplicável

Exagero ou não, essa turnê adquiriu tamanha importância e a aura de lenda porque o Van Halen não retornou mais. Só veríamos Rolling Stones em 1995, The Who em 2017 e U2 em 1998, que voltaram. O Van Halen, só uma vezinha.

Durante anos, em entrevistas para jornalistas brasileiros, Sammy Hagar e Eddie trocavam farpas e acusações sobre os motivos de não tocarem no Brasil ou América do Sul. “Eddie não gosta de viajar, não gosta de ficar muito tempo na estrada. Por isso toamos muito nos Estados Unidos e pouco na Europa e quase nunca no resto do mundo”, declarou o cantor certa vez à revista Roadie Crew.

Para a Rock Brigade, por sua vez, Eddie culpou Hagar por não gostar de viajar o mundo. “Ele preferia ficar perto de casa e também do clube noturno dele, no México.”

David Lee Roth, por sua vez, saiu da banda em 1985 e visitou diversas vezes o Brasil, em shows nostálgicos e gigantes em festivais.

Seu apreço pelo país é tão grande que aprendeu um pouco de português com uma namorada brasileira que morava em Los Angeles. Fala ainda melhor espanhol, mas sempre evitou essa “batata quente” de responder os motivos de a banda só ter tocado uma vez na América do Sul.

Havia uma expectativa de matar um pouquinho do gosto de ver algo de Van Halen no Brasil neste ano, quando Sammy Hagar anunciou shows com sua banda, The Circle, com o amigo baixista Michael Anthony. A pandemia de covid-19, no entanto, adiou por tempo indeterminado a visita do “red rocker”.

Restaram apenas as lembranças daqueles míticos shows históricos de janeiro de 1983, quando cerca de 300 mil pessoas estiveram no Ibirapuera, a julgar pelos relatos exagerados e mentirosos de centenas de milhares de roqueiros brasileiros cinquentões e sessentões. Que seja, faz parte da lenda.

“Tudo que se via em alguns videoclipes e nas escassas imagens foi o que aconteceu no show: David Lee Roth pulando alto, cintos de couro, calças agarradas, Eddie Van Halen escorregando e chutando amplificadores, Michael Anthony endiabrado e Alex Van Halen no comando de uma bateria de quatro bumbos; fora a fumaça, muito fogo e gelo seco”, relata texto do site Rocksp.

Os afortunados tiveram a chance de ver a banda no auge, antes de os teclados soterrarem a guitarra de Eddie em “1984”, no ano seguinte. O repertório era fantástico, como podemos ver na lista de músicas abaixo. Felizes o que viram mestre Eddie Van Halen de pertinho, nas grades do Ibirapuera.

Com pequenas variações de show a show, este foi o repertório básico da turnê sul-americana:


1. Romeo Delight
2. Unchained
3. Drum Solo
4. The Full Bug
5. Runnin’ With the Devil
6. Jamie’s Cryin’
7. Little Guitars
8. Bass Solo
9. Beer Drinkers & Hell Raisers (ZZ Top cover)
10. Little Dreamer
11. Mean Street
12. Dance the Night Away
13. Somebody Get Me a Doctor
14. I’m So Glad (Cream cover)
15. Cathedral
16. Secrets
17. Everybody Wants Some!!
18. Ice Cream Man (John Brim cover)
19. Heartbreak Hotel (Elvis Presley cover)
20. Intruder
21. Oh, Pretty Woman (Roy Orbison cover)
22. Guitar Solo
23. Ain’t Talkin’ ‘bout Love
24. Bottoms Up!
BIS:
25. You Really Got Me (The Kinks cover)
26. Happy Trails (Roy Rogers cover).

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