terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

O rock delas está cada vez mais forte - e elas também mandam no prog metal



A música pesada apostou nas vozes femininas na década passada para abocanhar uma parcela expressiva da fatia de mercado do rock pesado. Houve o revigoramento do Nightwish, a ascensão da Epica, a explosão de Evanescence e Halestorm e a consolidação de Battle Beast, Beyond the Black e Jinjer.

Em uma área mais underground, algumas bandas se beneficiaram do movimento e aproveitaram a pandemia e covid-19 para reformular seus repertórios e caírem de cabeça no experimentalismo e na busca de novas tendências, como é o caso de Oceans of Slumber, Brutus e The Great Discord.

– Em uma guinada perigosa, a boa banda de metal moderno Oceans of Slumber, dos Estados Unidos, abraçou o doom e o gothic metal em seu novo disco, “Starlight and Ash”. Ficou bom, mas vai causar estranheza nos antigos fãs, especialmente por uma música que virou um excelente clipe, “The hangman Tree”.

A banda já chama a atenção por ter como vocalista Cammie Beverly-Gilbert, uma negra com uma voz poderosa e uma interpretação primorosa de temas pesados e densos, conferindo dramaticidade e desespero a uma séria de boas canções. É provavelmente a única cantora negra de metal da atualidade e em muitos anos.

“The Hangman Tree” é uma excelente balada dramática com um tema que remete á escravidão e ao racismo, o que mostra que o símbolo da forca ainda está presente no imaginário da população negra americana descendente de escravos. As guitarras etéreas e climáticas dão o tom em toda a música.

“Just a Day”, que rivaliza com a balada, é pesadíssima, com seu som á la Black Sabbath. O clima é desolador e perigoso, com os vocais desesperados de Gilbert. Ela é precedida de um belo tema instrumental somente ao piano, cravando uma “estaca” melancólica no peito do ouvinte.

É uma audição difícil, e o sexteto texano não alivia, desfilado canções tão lúgubres e pesadas que podem ser “cortadas” em pedaços no ar. As guitarras estão com afinações baixas, acentuando o ambiente doom e apavorante.

O tema tradicional americano “House of the Rising Sun”, mundialmente famoso com The Animals e Nina Simone, ganha uma versão tocante, acústica, com piano e quarteto de cordas e uma interpretação sublime da cantora, destoando do climão geral do disco.

Outras boas surpresas neste CD bem variado e diferente são a pop “The Shipbuilders Son”, outra balada arrasadora, “The Waters Rising”, que alinhava todas as características da banda, e “Hearts of Stone”, que solidifica a impressão de que Oceans of Slumber tem bastante coisa a dizer. Os trabalhos de guitarra de Alexander Lucian e Jessie Santos são elogiáveis.

The Great Discord é uma banda sueca de metal diversificado também com uma vocalista poderosa. Fia Kempe empresta uma grande credibilidade ao som modernoso e pesado cheio de arranjos do quinteto. E a moça ainda toca clavinete.

Ora abordando o metal tradicional, ora mergulhando em arranjos que levam o som para o metal industrial, o grupo explora caminhos inusitados, como na abertura do disco “Deam Morte”, “Arrival”, um tema que passeia por ambientes eletrônicos, com toques pesados e quase extremos.

“Gula” vem a seguir e também mostra boas qualidades, embora sem o mesmo peso, mas acentuando o clima gótico. A canção e muito boa, mas tem muita informação, como múltiplas guitarras e pianos espalhados ao longo da canção.

“Blood and Envy” se aproxima mais do doom metal, mas há partes mais aceleradas que exigem uma concentração total da cantora, que parece um pouco deslocada diante o experimentalismo da faixa.

Dá para dizer o mesmo da já citada “Gula” e de “Recalcitrance”, um tema com vozes processadas e guitarras muito pesadas, que exploram vasto campo harmônico.

“Dies Irae” e “Wildfire” reforçam o tom experimental quase quase inclassificável de The Great Discord, com suas guitarras estrondosas com afinações baixas, o que confere um clima desafiador.

Com boa vontade dá para dizer que é um metal alternativo extremo, com ideias interessantes e algumas tentativas de inovação, principalmente quando se aproxima do metal industrial. Nem sempre a banda acerto neste álbum, mas é bom ver que tem gente buscando inovar e experimentar sem medo.

– Da Bélgica vem um trio que tenta recuperar o pop gótico dos anos 80 dentro do metal. Para isso, Brutus abusa do timbre vocal da cantora e baterista Stephanie Mannaerts, que transita em uma área vocal que remete a Evanescence, Cocteau Twins e Siouxsie and the Banshees, com resultados irregulares, mas não ruins.

“Where Have Are Done” é um baladão clássico do metal gótico e mostra a cantora à vontade, em boa interpretação naquele que talvez seja o ponto alto do álbum recém-lançado “Unison Life”. Não está errado quem identifica ecos de Cranberries nesta música e na intensa “Liar”, que é urgente e a moça não abusa tanto dos gritos.

“Victoria” já é um mergulho nos anos 80 com tempero noventista, já que há uma mistura de Cranberries, 10.000 Maniacs e até mesmo Everything But te Girl. As referências são muitas, o que deixa a canção pouco original, mas certamente agradará aos órfãos de Dolores O’Riordan, a falecida cantora de Cranberries.

“Dust” é mais interessante, com fraseados de guitarra pós-punks que certamente caberiam em um disco do ótimo Husker Dü, seminal banda americana de pós-punk e hardcore dos anos 80 e que tinha os dois pés fincados no pop em muitas de suas músicas.

Brutus pretende seguir essa sina, ainda que falte um pouco mais de lapidação nas canções. “Unison Life” é um álbum que é diferente do que ouve hoje em dia, e um alento para quem procura alguma coisa com bastante referência e fuja dos padrões altamente produzidos e anódinos de muitas bandas de rock atuais. E a moça é um talento cantando e tocando bateria, como se pode ver abaixo no vídeo da música “War”, de 2020.

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