segunda-feira, 27 de novembro de 2023

A fluente e dolorosa viagem autobiográfica de Geddy Lee, do Rush

 O Rush era uma banda em busca de um cainho quando lançou o primeiro álbum, "Rush", em 1974,uma pérola bruta de hard rock na cola do Led Zeppelin. O som era vigoroso e a guitarra de Alex Lifeson era estrondosa, mas faltava alguma coisa, algo que diferenciasse o trio da concorrência.

Quando baterista John Rutsey, apenas correto, deixou claro que sua saúde frágil não aguentaria as pesadas turnês pelos Estados Unidos, tinha chegado a hora de ir atrás daquele rapaz bigodudo e quietão, esquisitão, mas que tinha uma bateria linda e que tocava bem.

Neil Peart precisou ser convencido, mas sua entrada na banda tinha uma condição: escrever letras que Rutsey tentava e não conseguia - assim coo o resto da banda. Desabrochava ali, naquele fim de 1974, um letrista fabuloso e um escritor admirado no país natal do Rush, o Canadá.

Dono de um texto um conciso, leve e bem-humorado, às vezes intrigante, Peart, que morreu em 2020, era o literato da turma, mas nunca escreveu, de fato, uma autobiografia de acordo com o gênero, e menos ainda uma história de Rush - muitos fatos estão espalhados nos vários livros que escreveu obre viagens e sobre suas perdas pessoais.

Coube a Geddy Lee, o vocalista, baixista e tecladista, esclarecer vários pontos da trahetória da banda e mesmo de sua própria vida, coisas que quase ninguém sabia - como a sua luta contra os episódios de racismo e preconceito que sofreu na infância no civilizado Canadá.

"Geddy Lee, A Autobiografia", ganhou uma edição em português pela editora gaúcha Belas Letras, responsável por colocar nas lojas brasileiras todos os livros de Neil Peart, alem de outras obras relativas a bandas e artistas de rock.

Sem rebuscamento ou arroubos literários, é um livro direto e reto, que preza pela exatidão da informação. Aos 70 anos, o músico passa a limpo a sua história e os principais fatos da trajetória do Rush - e com bastante detalhes, algo que nenhum jornalista ou biógrafo teve acesso.

Filho de família judia da Croácia que escapou dos horrores do holocausto perpetrado pelos nazistas na II Guerra Mundial, o pequeno Gershon soube logo cedo o que era ser alvo de racismo e preconceito, algo que ninguém imaginava que teria um impacto tão grande em sua vida.

A adaptação do nome para um mais anglicista Gary Lee causou um incômodo que moldou a sua vida: a avó, matriarca da família Weinrib, pouco falava de inglês e Gary (guéri) virou Geddy (guédi), apelido de família que ele levou para a vida profissional.

Se ele não tem um texto mais apurado como o de Neil Peart, Lee tem cadência e sabe contar histórias saborosas, mesmo aquelas que são mais complicadas ou não tão interessantes. 

Além dos detalhes desconhecidos, o autor dá uma visão sobre a trajetória de uma das maiores banda de todos os tempos que se notabilizou pelo apuo técnico, pelas canções maravilhosas e por restringir a vida pública dos três integrantes aos palcos e estúdios. Ele até brinca com o fato de que a falta de polêmicas pode ter sido uma "âncora" para um eventual megaestrelato - como se eles não tivessem sido gigantes.

O texto flui bem mesmo nos momentos dolorosos, em que conviveu com Peart, já doente por conta de um câncer no cérebro, e na difícil discussão sobre o fim da banda ao final da turnê de 2015, quando o baterista apresentava diversos outros problemas físicos para suportar longas turnês;

Com muita delicadeza, ele aborda a terrível época em que Peart perdeu a filha de 19 anos, Selena, em um acidente de carro, e meses depois a mulher, Jackie, consumida pela depressão e um câncer, tudo isso entre 1997 e 1998. 

Era um momento crucial para o Rush, em que ninguém sabia - muito menos ele - se o baterista um dia voltaria a tocar com o Rush. Peart narra esse período no ótimo livro "A Estrada da Cura" co edição brasileira ela Belas Letras. Ele voltaria a tocar, a se casar e a ter outra filha, que hoje e adolescente.

O livro não tem a força e o estilo de textos mais elaborados como os das autobiografias de Eric Clapton, Phil Collins e Ron Wood (Rolling Stones),  mas é importante por conta do conteúdo valioso que contém narrado de for sucinta e simples, o que garante uma prazerosa viagem ao mundo do Rush.

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