terça-feira, 14 de novembro de 2023

Metal nacional tipo exportação: Nervosa e Crypta

Quando alguém se casa, ao menos nos ritos da sociedade do undo ocidental, não pensa em separação ou divórcio a curto prazo, até porque não faz sentido. Na maioria dos grupos musicais - exceto os chamados projetos ou bandas montadas artificialmente -, a premissa é a mesma. a saída de membros originais costuma ser traumática e nem sempre digerível.

A muleta uito usada - "os fãs agora ganham duas bandas ótimas", como no caso Sepultura e Soulfly -, não passa disso, uma muleta, u um mero consolo diante da tretas e ressentimentos que implodem conjuntos que alcançaram sucesso e reconhecimento.

Por mais que as coisas melhorem e os ambientes fiquem desanuviados, não deixa de ser frustrante quando uma grande banda de rock sofre uma cisão no seu auge e jogue toneladas de incertezas sobre o que virá.

 As consequências foram graves e impactantes para o Sepultura, que demorou muito tempo para se reerguer, e para o Soulfly, de Max Cavalera, que saiu do zero, demorou para se firmar e, ainda assim, em patamares longe do que o Sepultura atingiu.

A implosão do trio Nervosa assumiu ares tão dramáticos quanto a crise do Sepultura, ao menos no cenário roqueiro brasileiro. 

As saídas de Fernanda Lira (vocal e baixo) e Luana Dametto (bateria) em meados de 2020, em plena pandemia de covid-19, quase encerrou trajetória da banda no seu então auge, com reconhecimento internacional e futuro muito promissor. 

Rapidamente a guitarrista Prika Amaral recompôs a formação com musicistas europeias e muito rápido gravou um álbum, mas a pressa cobrou o preço, e a formação se desfez por vários motivos. Já era um quarteto e Prika assumiu os vocais também e recrutou outras meninas na Europa para novo recomeço.

Fernanda e Luana transformaram o projeto paralelo de death metal Crypta em ocupação principal, também como quarteto, e deu certo muito rápido, por mais que a baixista e vocalista nunca negasse a dor grande de ter tomado a decisão de sair da Nervosa no melhor momento da banda.

É o típico caso de rompimento em que, caso raro, todo mundo ganhou, principalmente os fãs. Mas a que preço? Aqui os riscos compensaram, mas será que não havia caminho menos turbulento para lidar com os problemas de sempre nos relacionamento.

Entre estragos e recomeços, Nervosa e Crypta se tornaram duas bandas poderosas do cenário internacional, estando no mesmo patamar, em termos de prestigio, que bandas como Sepultura, Angra e Krisiun. 

Com o histórico recheado de passionalidade e de muita intensidade, a rivalidade entre as duas bandas compostas por mulheres fossem envolvidas em polêmicas e rivalidades, por mais que as musicistas de ambas sempre tentem se afastar de tais questões.

A Nervosa, mergulhando no thrash metal, e a Crypta, voltada para o death metal, trilharam caminhos paralelos desde 2020 e, por decisões administrativas, embora não deliberadamente com essa intenção, fizeram seus lançamentos recentes com muita proximidade. E a disputa está empatada, se é que podemos estabelecer esse padrão.

Entre o final de 2020 e início de 2021, as duas bandas colocaram nas lojas seus trabalhos pós-pandeia. "Perpetual Chaos" era o quarto disco da Nervosa e "Echoes From the Past", que saiu menos de dois meses depois, a estreia da Crypta. 

Surpreenderam pela qualidade e pela violência sonora, e o álbum da Crypta, feito com grande pressão, mas com menos pressa, apresentou uma sonoridade mais madura e redonda. Os dois estiveram nas listas de melhores do ano, mas "Echoes From the Past" se mostrou ligeiramente superior.

Em 2023, as coincidências voltaram e as duas bandas lançaram álbuns com menos de dois meses de distância, com álbuns ainda melhores. "Jailbrak", da Nervosa, com nova formação e Prika Amaral nos vocais, saiu depois e conseguiu superar o excelente "Shades of Sorrow", da Crypta.

Guitarras poderosas e outras perspectivas

Ninguém gosta de cair, pois geralmente machuca. Só que a gravidade dos machucados, às vezes, definem as trajetórias de qualquer um. 

Olhar para trás parece ser um exercício cada vez mais necessário no mundo artístico, principalmente depois da pandemia de covid-19 e das rápidas mudanças de comportamento e negócios no mundo da música. 

Olhando para trás, a guitarrista brasileira Prika Amaral pode sorrir e verificar que as quedas forjaram o seu futuro, que se transformou e um trabalho maravilhoso como "Jailbreak", o mais recente de sua banda, a Nervosa, criada em 2010 em São Paulo e hoje baseada na Grécia.

"Não poderia estar mais feliz com as músicas que gravei e com a nova fase.", disse a musicista em rápida conversa com este jornalista em uma recente celebração da banda Torture Squad em São Bernardo do Campo (ABC paulista). "Há uma caminho instigante a ser percorrido e estou curtindo o momento."

"Jailbreak" é um álbum memorável. Violento, ríspido, mas com guitarras lancinantes e pesadíssimas, capazes de cortar aço com a potência com que foram despejadas em uma produção que as ressaltou. é um veículo de destruição em massa e marcante por contar com um instrumental poucas vezes tão impactante. É um dos melhores álbuns de metal extremo gravados nos últimos anos.

Com um trio formado só por mulheres, a Nervosa chamou a atenção desde o começo no Brasil por conta da qualidade de seu heavy metal trabalhado, cheio de influências e vigoroso. 

Mesmo com a rotatividade de bateristas, a dupla Prika Amaral (guitarra) e Fernanda Lira (baixo e vocais) oferecia um olhar diferente e demolidor de som extremo, com temas que iam além da destruição generalizada preconizada pelas bandas do gênero.

Foram mais de dez anos em ascensão contínua, que deu visibilidade internacional ao trio, que se estabilizou com a baterista gaúcha Luana Dametto. 

No entanto, a pandemia exacerbou as diferenças pessoais e musicais entre as integrantes, sendo que pesou muito a questão do direcionamento musical: ficar no thrash metal ou enveredar para o death metal mais podre e cru?

Recomeço

Fernanda e Luana anunciaram que estavam saindo em medos de 2020 para criar outra potência feminina brasileira, o quarteto Crypta, mas orientado para  death meta com dois álbuns nas costas.

Em dois meses, com a ajuda da gravadora, Prika reformou a Nervosa, que virou um quarteto internacional - Diva Satânica nos vocais (Espanha), Eleni Nota na bateria (Grécia) e Mia Wallace no baixo (Itália). Não demorou muito e "Perpetual Chaos" foi lançado em dezembro de 2020.

O álbum era muito bom e prenunciava os bons ventos que viriam, mas a agenda pesada de shows a inexperiência das novas integrantes e o lançamento meio precipitado do quarto álbum cobraram o seu preço. Eleni e Mia, com problemas de saúde e familiares, não puderam seguir em frente, e Diva, insatisfeita com a administração centralizadora de Prika, optou por sair.

Escaldada e com mais tempo para analisar e refletir, fez nova reformulação com musicistas mis acostumadas com a dureza do mercado do metal e com o trabalho mais intenso. 

O entrosamento foi rápido e Helena Kotina (guitarra), Hel Pyre (baixo), duas musicistas gregas, e Michaela Naydenova (bateria), da Bulgária, deram vida a "Jailbreak", agora com Prika assumindo também os vocais. "A identidade da banda, a partir de agora, nunca mais vai mudar neste quesito", declarou ela ao canal de YuTube brasileiro Heavy Talk.

Foi uma decisão tomada no final de 2022, quando Diva já tinha saído e as gravações do novo disco estavam a odo vapor. Com o auxílio de Mayara Puertas, vocalista do Torture Squad, Prika aprendeu rápido e mostrou uma evolução impressionante.

Pela inexperiência cantando, a líder da Nervosa mostrou pouca versatilidade e um vocal ainda hesitante em alguns momentos - nada mais natural diante de tão pouco tempo. Como o álbum é excelente, essa passou a ser uma questão menor nas análises de "Jailbreak".

Os trabalhos de guitarra são brilhantes, pesados e com timbres gordos, gigantes, que preenchem todos os ambientes, além de solos precisos e cortantes. A abertura com "Endless Ambition", ´uma pancada na cabeça, remetendo aos melhores momentos de Exodus e Death Angel, por mais que, no geral, o som seja mais europeu, digamos assim.

"Suffocare" e "Ungrateful" vêm logo em seguida e não dá espaço para respiro. São toneladas e tonelada s de riffs violentos e insanos que estremecem tudo. É muita agressividade, como se Prika precisasse despejar todo os demônios de uma só vez.

Se fosse necessário destacar uma só paulada, seria "Elements of Sin", uma aula de thrash metal que incorpora diversos elementos do extremo do espectro musical, mesclando influências brasileiras, americanas e escandinavas. É a melhor canção entre as 13 de "Jailbreak", que não tem uma música "boazinha". São todas ótimas.

Mas a parte mais violenta mesmo é a trinca "Jailbreak", Sacrifice" e Behind the Wall", as três com suas tempestades de riffs e uma "parede sonora" impactante.

"Jailbreak" é um álbum muito bem produzido, gravado e mixado, beirando a perfeição em termos de agressividade e violência. O entrosamento entre Prika e Helena é repsonsável, em grande parte, pela alta qualidade de um trabalho visceral e estupendo.

Polêmicas movidas a um peso devastador

Uma polêmica costuma ser abafada por outra polêmica. ou por uma sequência de músicas boas. a banda brasileira de death metal Crypta optou pela segunda questão e e se deu muito bem. 

"Shades of Sorrow", o segundo disco da banda, foi lançado em uma sexta-feira e soterrou os memes e xingamentos á baixista  vocalista Fernanda Lira por conta de ela ter pedido ajuda financeira online para ajudar na mudança de residência - entrara na nova casa, em São Paulo, "sem nada".

Polêmica absurda e estéril, mas que mobilizou as redes antissociais em críticas movidas a ódio e uma sequência absurda de machismo e misoginia. 

A repercussão foi tamanha - o que mostra que a moça se tornou uma figura grande na música - que ela teve de pedir desculpas (pelo quê?) e anunciar que doaria o valor recebido para uma entidade assistencial.

Enquanto alguns tolos continuam a esticar o assunto, "Shades of Sorrow" apareceu para arrebentar om as paredes e explodir tímpanos. É um disco furioso, repleto de angústia e violência, mas nada de ódio. A ideia era explodir a violência sonora, mas sem selecionar alvos específicos.

Com as coisas mais assentadas e com tempo maior para compor e gravar, a Crypta mostrou competência inspiração para elaborar dez temas de boa qualidade e três vinhetas/intros que dão um tom mas conceitual a parte do álbum.

Os três singles lançados retiraram um pouco da "surpresa", adiantando como seria a obra, mas aumentou a ansiedade pela trabalho. 

"Lord of Ruins", por exemplo, a primeira amostra, surpreendeu pela violência, uma música mais bem elaborada e com arranjos de guitarra que mostram o entrosamento de Jessica di Falchi e Tainá Bergamaschi.

"Trail of Traitors" não trouxe grandes novidades. É uma composição reta e direta, com um refrão poderoso e riffs de guitarra interessantes. 

"The Other Side o Anger", no entanto, é outros história: violentíssima e recheada de riffs cativantes, mostrou o melhor vocal de Fernanda Lira desde os tempos de Nervosa, conseguindo a proeza de passar desespero e dor em toda a canção, que explode em riffs devastadores de guitarra.

Para o restante do álbum, fica a surpresa mais legal do CD, o incrível trabalho de percussão de Luana Dametto, explorando ate então áreas pouco visitadas dentro o death metal. Em pelo menos quatro introduções ela abusou da inovação e criatividade com passagens tribais e com elementos de de múia brasileira.

Precisa e com agilidade impressionante, ela cresceu em músicas como "Dark clouds", com marretadas certeiras e um jogo de tambores que mostram uma musicista muito acima da média, com o baixo de Fernanda em uma linha mais solta e "independente", misturando riffs e explorando outras possibilidades, da mesma forma como fez em "Poisonous Apathy" .

"Lullabye for the Forsaken" traz a percussão mais agressiva e diferente do disco, quase thrash metal e com boss sacadas, com ecos de Sepultura e Krisiun. "Agents fo Chaos" é puro groove, na linha de Iggor Cavalera e Ely Casagrande, enquanto o baixo apresenta um colorido diferente e instigante. É a melhor do disco, ao lado de "The Other Side of Anger"

"Stronghold" também é um destaque, ainda que soe mais "tradicional", com um riff de abertura vintage, bem anos 80, e um fenomenal trabalho de guitarras, além de interlúdios progressivos que soam asustadores.

"Echoes of the Soul", o disco de estreia, trazia uma banda em ascensão, mas ansiosa e necessitada de se apresentar ao público. "Shades of Sorrow" é o trabalho de consolidação, mas de excelente qualidade. A polêmica aqui vai ser escolher a melhor canção e a nota conceitual: é ótimo ou excelente?

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