quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Ricardo Confessori busca o equilíbrio entre o moderno e o tradicional em nova fase

 Uma das traduções mais frequentes de termos usados por Lemmy Kilminster (1945-2015), mítico líder e baixista e vocalista e tudo do Motorhead, era uma palavra antiquada em português: frescura. 

Tido como um roqueiro raiz, Lemmy costumava escantear o politicamente correto e preconizava comportamentos associados à pureza do rock, o que envolvia doses de machismo, virilidade e nenhuma lamúria, entre outras coisas. 

A grosso modo, dá para dizer que Lemmy e seu grupo trafegavam em um "corredor" conhecido como "true", ou o verdadeiro espírito roqueiro, seja lá o que isso queira dizer. 

Já faz algum tempo que o baterista brasileiro Ricardo Confessori (ex-Angra e Shaman) é associado a posturas que lembram, ainda que não totalmente, ás de Lemmy em razão de algumas polêmicas, principalmente depois que o shaman acabou pela terceira vez em janeiro de 2023 supostamente por "comportamentos incompatíveis" do músico em relação a alguns fãs, com diálogos que envolveriam preconceitos variados.

Ainda que não fuja dessas polêmicas, Confessori prioriza a retomada da banda que leva o seu nome e um certo "resgate" o chamado power metal nacional, que ensaia recuperar terreno e seus melhores dias em trabalhos recentes de boa qualidade como os novos trabalhos de Edu Falaschi, Angra e Noturnall.

Foi assim também em "Rescue", de 2022, o último álbum do Shaman, que teve a participação de Confessori. O baterista reafirma o seu amor pelo power metal e investe em um pesado e direto no projeto que leva o seu nome. As novas canções são bem elaboradas e arranjadas, com letras densas, mas em "frescuras", podemos dizer.

Reconhecido como um dos grandes instrumentistas do estilo e admirado internacionalmente por ter trabalhado com Angra e Shaman, Ricardo Confessori um compositor talentoso e u líder de banda com capacidade para identificar e reunir ótimos músicos. 

Quando entrou no Angra, logo depois do lançamento do primeiro álbum, "Angels Cry", de 1992, imediatamente foi considerado um prodígio da bateria, em um impacto semelhante ao que ocorreu quando um quase adolescente Eloy Casagrande entrou no Sepultura, em 2010, no lugar no ótimo Jean Dolabella.

Em conversa serena com o Combate Rock, Confessori falou mais de música do que de comportamento, louvando os bons resultados obtidos até agora com so dois interessantes e pesados singles que lançou com a sua banda, "Dar Passenger" e "Where the Eagles Fly":


1 - Os dois primeiros singles mostram um direcionamento mais pesado e mais power metal do que o que o Shaman fez nas segunda e terceira formações. Era essa a intenção, soar mais rápido e pesado?

Ricardo Confessori: Exatamente. Normalmente, o baterista, quando compõe, o faz mais para a banda. as baterias estão evidentes ans duas gravações, mas elas não são predominantes, não o show. a música como um todo é o que importa. Um bom exemplo é Phil Collins [Genesis e carreira solo]. Os detalhes acabam se concentrando mais nos arranjos, no caso da bateria.  

Depois de algum tempo, o power metal ressurge na Europa e na América Latina. Esse subgênero foi muito forte nos nos 2000 e era o preferido dos jovens que curtiam metal. É possível repetir essa condição 20 anos depois? A garotada ainda tem interesse por esse tipo de som? Angra, Viper e Edu Falaschi estão investindo nesta direção.

O power metal é  meu estilo, para mim é o subgênero mais completo. Tem velocidade, virtuosismo e agressividade, geralmente é bem construído e bem arranjado. O músico precisa ter habilidade, além da óbvia inspiração. Vai ter sempre o seu espaço, não vejo esse subestilo morrendo.

Bruno Sutter fez um trabalho estupendo em "Dark Passanger". Existe a possibilidade de ele cantar outras músicas com a banda Confessori?

Sou suspeito para falar sobre o Bruno, vimos trabalhando juntos há um bom tempo. Quando fiz shows tocando músicas do Angra e do Shaman eu sempre o convidada para antar na minha banda solo. Ele tem muitas características que me agradam, como a versatilidade. Ele encarou essa música como um projeto ele, mas bem distante do que ele faz com o Massacration ou no trabalho como o Detonator [personagem que Sutter encarna como vocalista da banda Massacration ou em shows solo]. Ele se dedicou muito, escreveu a letra e ficou muito bom. Espero voltar a trabalhar com ele, embora o projeto tenha a intenção de variar o vocalistas. Também espero voltar a tocar como Dan Vasc [vocalista na música "Where the Eagles Fly"].

"Where the Eagles Fly" tem uma pegada mais vintage, quase na linha do Iron Maiden, enquanto que "Dark Passenger" tem uma produção com sonoridade mais moderna, principalmente nos timbres de bateria. Que tipo de som você imagina para as próximas músicas e eventual álbum?

"Where the Eagles Fly" é uma música que tem uma melodia bonita e uma estrutura be definida, bem de acordo com o estilo do Dan Vasc de cantar. "Dark passenger' tem um outra pegada, é um pouco mais elaborada, tem breakthrough, tem três solos, e se adequa ás características do Bruno. Há influência de Dream Theater, que o Bruno admira. Procuramos fazer canções diferentes, agregando elementos variados que se adaptem aos cantores.

Estamos em uma época de "audiência ansiosa", em que a tolerância para degustar qualquer tipo de obra de arte diminuiu. As duas músicas do Confessori têm riquezas de detalhes raras no power metal atual e podem passar despercebidas atualmente. Há alguma fórmula para driblar esse tipo de obstáculo?

É um desafio ampliar a audiência nos dias de hoje e é uma recompensa quando a riqueza detalhes é percebida. Significa que as pessoas curtiram a música. Um recurso que precisa ser bem utilizado é o videoclipe, que sempre atrai um público diferente, que prefere aliar música e imagem. isso ainda e válido, eu percebo isso no meu público. E um desafio constante.

Não bastasse a audiência ansiosa, há ainda uma certa desvalorização da música, que ficou de graça e muito fácil de ser acessada. Como artista, como é possível enfrentar essa situação sabendo que os custos normais para se produzir música continuam e custando mais?

A monetização do nosso trabalho agora ocorre de uma maneira diferente. Vem pelas plataformas de streaming, pela quantidade de visualizações em outras plataformas. É necessário um investimento especifico para garantir um retorno bom, A maior parte da renda do músico sai das apresentações ao vivo, shows, workshops, e eu faço muitos, e também muitos eventos. Reinvisto parte dessa verba na divulgação virtual e digital. Muitos artistas brasileiros também trabalham com dinheiro que vem das leis de incentivo fiscal, sendo que alguns vivem disso, já que não conseguem se manter ou então querem aumentar seu faturamento dessa forma.

Com o fim do Shaman no começo de 2023, cada membro da última formação enveredou por um caminho distinto do que ouvimos em "Rescue". Hugo Mariutti lançou um álbum de britpop, Luís Mariutti lançou um disco experimental e progressivo, Alírio Netto deve lançar em breve algo mais hard rock. Essas diferenças, vamos chamar assim, já eram evidentes na fase final da banda? O som que você faz hoje nada tem a ver com o que estava sendo feito.

Não tenho acompanhado o que os outros caras do Shaman têm feito. As minhas músicas atuais são bem similares ao que a banda estava fazendo nos últimos anos e no mais recente álbum, "Rescue". O meu estilo de tocar sempre foi esse, desde os meus tempos no Angra. Minha área sempre foi o power metal.
 Não pretendo mudar.

"Rescue" acabou sendo uma obra necessária no rock brasileiro por conta da pandemia e dos efeitos da morte de Andre Matos. Saiu bem antes dos álbuns de Falaschi, Noturnall, Angra e Viper, só para citar alguns. Com o fim do Shaman, não fica um sentimento de que ele precisava ser melhor e mais trabalhado? É um CD excelente.

"Rescue" teve a ua chance, foi lançado logo após as medidas de restrição implantadas por causa da pandemia de covid-19 começarem a ser abrandadas. As pessoas ainda estavam com receio de sair de casa e ir a shows e isso foi um obstáculo para que houvesse um melhor desenvolvimento. Talvez pudesse ser melhor trabalhado, com mais shows e divulgação, mas creio que, na verdade, o ciclo dele estava no fim. Deve uma duração normal de um ciclo de um CD, um ano, ou u ano e meio de turnê e shows.

Por mais você seja criticado por supostamente ter sido o pivô das três separações do Shaman, o fato é que a obra da banda tem imenso valor, a ponto de estar sendo resgatada constantemente, e agora em dois projetos com músicas da banda, Finally Home e Shamangra. Como você posiciona as canções das três fases da banda no rock pesado nacional? Você tem intenção de, algum dia, resgatar algumas canções da banda com a Confessori?

Eu me identifico mais com as duas primeiras fases, com o Andre Matos e depois com o vocalista Thiago Bianchi. Acredito que houve bom entrosamento e há ótimas canções nos quatro álbuns que fizemos entre 2000 e 2010. Na terceira fase, a mais recente, principalmente depois qu o Andre Matos morreu, as coisas form mais difíceis, principalmente por causa da pandemia, da distância por or conta das agendas dos integrantes. Não tenho motivos para não tocar músicas do Angra e do Shaman, toquei nelas e há material muito bom que pode ser recuperado em hows com minha banda.
 
Qual a sua opinião sobre Finally Home e Shamangra? Luís Mariutti teve de rebater algumas alfinetadas de que haveria certo oportunismo em reunir os ex-membros  das duas bandas, mesmo que seja em uma festa.

O Finally Home é uma boa ideia, os caras me ligaram e me avisaram das intenções, queriam saber o que eu achava sobre tocar as músicas que escolheram, e conversamos numa boa. são músicas que eles ajudaram a compor e tocaram por muito tempo. É uma iniciativa be interessante, dou meu apoio. Sobre o Shamangra eu confesso que achei meio esquisito esse nome, parece um pouco oportunista, mas, como o empreendimento tem um caráter de festa, e deve ocorrer só uma vez, então dá para relevar,

Quais os próximos planos da Confessori? Haverá álbum e turnê? Já tem ideia de quem será o vocalista?

Não tenho a intenção de fazer um álbum físico. Quando à banda Confessori lançar cinco ou seis singles é possível que seja aglutinado em um álbum digital. As pessoas ouvem música hoje de form diferente, não existe mais aparelho para tocar mídia física, e o mesmo ocorre com os DVDs. Acaba servindo só para colecionadores, ou para aqueles que gostam de ter autógrafos. Pretendo agendar shows para 2024 e desenferrujar os braços e a bateria, provavelmente com um vocalista fixo ao vivo, mas trabalhando cm outros em novas composições e gravações.

Entre cancelamentos e acusações de ser preconceituoso, você continua sendo respeitado musicalmente até mesmo por desafetos, coisa não ocorre com outros nomes importantes d rock e da música brasileira. No seu caso, dá para conviver artisticamente com esse clima, ou acredita que isso pode, de alguma forma, afetar a percepção de seu trabalho no futuro?

Você é cancelado na medida e que cancela outros ou tenta "lacrar". Nunca quis cancelar ninguém e nunca fui de "lacrar". O cancelamento é mais difícil pra quem finge ou fingiu ser o que não é ou nunca foi. Não é o meu caso. As pessoas que me seguem, gostam do meu trabalho e pensam como eu me apoiam e continuam em apoiando. É para eles que eu crio e toco. Para a minoria que se incomoda com o que eu faço e falo, é só não m seguir mais. Tentar me cancelar é perda de tempo, meu foco é outro.

Livros e documentários recentes sobre Andre Matos e Angra estão disponíveis no mercado, mas suas posições e opiniões são escassas nessas obras. Você pensa em escrever a sua autobiografia para dar as versões de sua história com Angra, Shaman e outras passagens de sua trajetória?  

Só participei de um livro, com depoimento, que foi a biografia do Andre Matos em português. Não quis me envolver com outros projetos. Nunca pensei em escrever a minha autobiografia e não tenho projeto nesse sentido.

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