sexta-feira, 10 de novembro de 2023
O incansável China Lee chega aos 40 anos de carreira no metal nacional
China Lee é uma pessoa que não costuma deixar nada sem resposta ou explicação. Afável, mas contundente, faz questão de deixar seu recado, mas sempre de forma cordial.
Ganha muito mais fãs e amigos do que perde em tempos de polarização política exacerbada – não teve medo de expor nos últimos tempos ao apoiar candidatos conservadores em eleições recentes.
Entretanto, o China Lee que nós nos acostumamos a ver como vocalista do Salário Mínimo e do Extravaganza, além de produtor incansável de shows do rock nacional, surpreendeu a todos quando informou nas redes sociais que estava preparando o seu adeus dos palcos e do rock em si.
Foi em 2019, em um período bem difícil para a cultura e as artes, que foram eleitas alvos preferidos de políticos e eleitores de extrema-direita animados com a eleição de Jair Bolsonaro (PL) como presidente. Mal sabíamos nós que ainda encararíamos uma pandemia mortal de covid-19...
China Lee ensaiou um afastamento do cenário, desgostoso com a falta de apoio ao rock nacional e com as dificuldades inerentes a um gênero musical que perdeu espaço neste século. "As coisas continuam muito difíceis quase 40 anos depois. Não é só uma questão da alardeada falta de união, e uma questão de comprometido, ou da falta dele, Estou decepcionado", disse o cantor em entrevista ao Combate Rock à época.
Ele não encerrou a carreira, embora tenha diminuído o ritmo, e comemorou no começo de novembro os 40 anos de carreira musical, relembrando nas redes sociais a data em que subiu pela primeira vez um palco.
Cantor versátil, de voz poderosa com "tonalidades" graves, logo virou referência no incipiente rock pesado dos anos 80 no Brasil. Soterrado pelo pop rock e pela punk, o heavy metal era coisa para iniciados, já que quase ninguém sabia quem era Stress, banda pioneira do Par´, Dorsal Atlântica, que fazia metal extremo em 1984 no Rio de Janeiro, e mais uma ou duas bandas consideradas "blasfemas e do demônio".
Com o Salário Mínimo, assumiu o papel e pioneirismo do rock mais pesado e nunca largou a bandeira, ainda que faltasse o reconhecimento merecido.
Olhando em retrospectiva, China Lee foi uma figura necessária ao rock pesado nacional, e continua sendo por conta de sua lucidez e seu comprometimento. Até hoje é possível ler zombarias por conta do discurso à la Manowar contra os "falsos apoiadores fãs que nada fazem para apoiar os artistas nacionais.
China Lee acredita que o meio deveria ser mais unido e criar uma cena de verdade em vez de apenas reclamar e estimular rivalidades estéreis e inúteis. Basicamente, foi isso que o exauriu lá em 2019, quando anunciou que pretendia iniciar uma espécie de "longa despedida" da vida artística.
Ao celebrar seus 40 anos de música, não deu a menor indicação de que pretende se aposentar. Mostrou-se mais otimista e esperançoso, ainda que não tenha revelado seus próximos planos profissionais - ou mesmo, quem sabe, uma eventual aposentadoria (que esteja bem longe).
A repercussão foi grande e deu um susto no músico, e ele tratou de detalhar os seus planos daqui para frente. "Ser pioneiro também cansa", diz o cantore brincando em entrevista ao Combate Rock. Muito articulado e consciente da qualidade de seu trabalho, afirma que sua jornada que hoje chega a 37 anos nos palcos vai chegar ao fim por conta da idade e de certo desencanto com o cenário artístico e musical da atualidade.
Quatro anos atrás, China desfilava melancolia e desânimo. Sempre bem humorado, ele surpreendeu ao comentar sua tristeza, em entrevista ao Combate Rock, por um mercado musical tão degradado e, aparentemente, sem futuro - situação u ficou pior durante a pandemia de covid-19.
"Estou triste também, não vejo perspectivas de melhora. O público sumiu dos shows de heavy metal muito por conta da crise econômica, mas também porque perderam o gosto pela coisa", analisou.
Ele continuou: "Temos de ser profissionais e manter as apresentações com um mínimo de qualidade, mas fica complicado quando a média de público não ultrapassa 100 pessoas quando produzimos shows de bandas nacionais de rock pesado. O público escasseia e vejo poucas bandas se desdobrando para mudar esse cenário. É legal quando Shaman, Edu Falaschi e Angra conseguem lotar casas de porte médio, mas infelizmente esses eventos são exceção."
As dificuldades são as mesas de sempre em 2023, mas é reconfortante ver o quanto China Lee é respeitado por músicos e fãs de rock nacional mais pesado. Ao ser parabenizado, foi saudado como uma das vozes mais importantes de sua categoria e alguém cujas opiniões ainda são ouvidas e requisitadas.
Os planos, obviamente, mudaram com a pandemia, os tempos são outros, mas ele não abandonou a ideia de lançar, algum dia, uma coletânea do Salário Mínimo e editar dois DVDs com parte de sua trajetória.
"Tenho imenso orgulho do que fiz em minha carreira, inclusive dos erros e dos problemas por que passei", disse de forma sincera e serena. "Quem sabe ao não chego aos 40 anos de palco para enfim descansar?"
Os 40 anos chegaram rápido e de forma tão avassaladora que, aparentemente, a ideia de aposentaria parece estar arquivada. Em temos de Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, que destinam verbas públicas para resgatar artistas e instituições destroçadas pela pandemia, é primordial aproveitar a experiência de quem nunca se cansou de lutar pelo rock e pelo metal.
É um privilégio ainda poder contar com o pensamento de China Lee para recuperar algum prestígio e relevância para o degradado e depredado rock nacional.
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