sexta-feira, 28 de outubro de 2022

'Never Mind the Bollocks', dos Sex Pistols, completa 45 anos de ultraje e demolição

* Com informações do site Roque Reverso

Uma piada que tinha tudo para dar errado, mas que deu certo e marcou uma geração, além de se tornar o símbolo da última verdadeira revolução na música pop (o grunge não conta, já que nem movimento era, nas palavras de seus protagonistas).

Os Sex Pistols foram superestimados e costumam ser lembrados, muitas vezes, mais pelo seu comportamento ultrajante (e calculado) do que pelas próprias músicas - apenas duas delas são memoráveis. Entretanto, são a marca de uma era e, queiramos ou não foram fundamentais para o rock.

Seu único disco, "Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols", foi lançado há 45 anos e fez bastante barulho - sucesso, nem tanto. 

O ultraje era a principal arma da banda montada no escritório de uma loja de roupas por um empresário picareta, mas muito, muito esperto. Em meio a um rock inodoro, incolor e cooptado pela sistema, recheado de pomposidade e autoindulgência, a resposta era barulho e mais barulho, e um ultraje atrás do outro, como mijar na rua e cuspir nas pessoas. Deu certo.

Sex Pistols não foram pioneiros em nada, mas reuniram em quatro indivíduos toscos e que não sabiam tocar os ingredientes para chocar e estremecer o mundo do entretimento. A Inglaterra vivia uma eterna crise econômica e política na segunda metade dos anos 70, com desemprego em alta entre os jovens e nenhuma perspectiva de futuro. "No future for you", gritava o vocalist podre Johnny Rotten.

Enquanto estética sonora, o punk de verdade surgiu em Nova York em 1974 basicamente a partir da crueza e ingenuidade dos Ramones - seguidos depois por Television, Patti Smith e muitos outros artistas importantes do underground da cidade.

Já havia um movimento garageiro em Londres em 1975, sem conexão com os Estados Unidos, mas agregando o estilo "Do It Yoursef" (faça você mesmo), onde o importante não era a qualidade, mas a mensagem de protesto de uma juventude desenganada e sem esperança. 

A passagem dos Ramones pela Inglaterra, em 1976, foi o despertar de uma era  abriu as portas do inferno para que milhares de jovens raivosos tomassem de assalto pubs nojentos e locais abandonados para tocar e implantar o caos.

Entre esses jovens estava o guitarrista e vocalista da banda de bar 101ers, Joe Strummer, filho de diplomata e de classe média abastada, mas com alto teor ideológico contra uma sociedade injusta e desigual.
 
Os 101ers morrem e dão lugar a The Clash, que lidera a invasão com Buzzcocks, The Damned, Siouxsie and the Banshees e muitas outras. Foi em meio a esse turbilhão revolucionário que Malcolm McLaren, o empresário picareta, teve a ideia de montar do nada uma banda com jovens desajustados e se "apropriar" da estética punk. A estratégia despojada, mal sabia ele, iria moldar o movimento musical e cultural ais relevante dos últimos 50 anos.

Os detratores costumam dizer que Sex Pistols foi criada artificialmente e que sua música era tosca, ruim, mal tocada e com cara de "fake", produzida deliberadamente para ser ultrajante - o que feriria de morte qualquer tentativa de lhe atribuir um caráter "revolucionário", "contestador" e de "ruptura".

Não estão de todo errados, até porque a banda era uma aração mesmo, reconhecida pelo próprio McLaren, só que a iniciativa saiu do controle e cresceu demais, a ponto de se autodestruir - durou pouco mais de 18 meses e acabou em meio a uma turnê pelos Estados Unidos.

A banda se autoconsumiu dentro de suas limitações, se sua ascensão meteórica e da completa incompatibilidade musical entre os quatro músicos - o baixista Sid Vicious, por exemplo, que substituiu Glen Matlock, mal sabia tocar.

Apesar de tudo isso, "Never Mind the Bollocks" funcionou porque tinha uma urgência e soube entender o que o momento cultural pedia. Apenas duas das canções eram realmente boas - "God Save the Queen" e "Anarchy in the UK", mas que foram o suficiente para catapultar a banda, ue ao vivo era caótica e barulhenta, mas bem ruinzinha.

Para coroar a "tempestade perfeita", foram a primeira banda a fazer um ataque virulento e demolidor contra a sociedade britânica e a monarquia, então uma instituição sagrada que nem mesmo os "arruaceiros e rebeldes" rolling Stones ousaram fazer.

"God Save the Queen" é profana, comete vários sacrilégios e enfia fundo o dedo na ferida de uma sociedade doente, em crise e pronta para explodir, Só por isso o quarteto já merecia estar na história - coragem e despojamento para atrair a ira de toda uma nação, ainda que sua origem seja artificial e a música, no geral, bem fraca.
 
"Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols" chegou ao mercado em 28 de outubro de 1977. Não foi o marco zero da música punk, mas pode ser considerado como a catalisadora de um movimento e responsável por popularizá-lo de uma maneira assustadora para aquele momento.

Malcolm McLaren afirmou em várias entrevistas que teve a ideia de "criar uma banda" quando passou por Nova York e tentou gerenciar a carreira dos aloprados do New York Dolls (que era uma banda punk genuína). 

Com a experiência de ter feito ações fracassadas com a banda norte-americana, ele não repetiu os erros e foi direto ao ponto com os Pistols, trazendo uma imagem forte e agressiva, daquelas capazes de provocar o amor e o ódio. Não que ele tivesse muito trabalho para isso, pois os integrantes da banda já tinham uma personalidade bem forte e capaz de gerar aquilo que McLaren desejava.

Inicialmente formada por Johnny Rotten (vocais), Steve Jones (guitarra), Paul Cookand (bateria) e Glen Matlock (baixo), o Sex Pistols virou gerador e alvo de violência, colocando Londres em polvorosa com suas letras extremamente agressivas para a época com um som minimalista para a ocasião. 

Em tempos nos quais o rock tinha em alta o lado progressivo e que bandas clássicas, com o Led Zeppelin, mostravam certo cansaço criativo, os famosos três acordes do punk rock chegaram como um contraponto para os exageros das músicas intermináveis da época, algumas com mais de 10 minutos.

Na parte das letras, um conteúdo que deixava até os menos conservadores de cabelo em pé. Antes mesmo do álbum ser lançado, quatro singles serviram como "carta de apresentação": "Anarchy in the U.K.", de 26 de novembro de 1976; "God Save the Queen", 27 de maio de 1977; "Pretty Vacant", em 1º de julho de 1977; e "Holidays in the Sun", de 14 de outubro de 1977. 

Se, em 1976, os Sex Pistols já haviam chegado metendo o pé na porta com "Anarchy in the U.K.", em 1977, mexeram com a realeza britânica e seu símbolo máximo: a Rainha Elizabeth II. Naquele ano, em pleno período de comemoração do Jubileu de Prata da ascensão da rainha ao trono, a banda trouxe "God Save the Queen".

"Deus salve a rainha/Ela não é um ser humano/Não há futuro/Nos sonhos da Inglaterra" marca a segunda estrofe da música e foi só uma parte da canção que chegou a gerar confusão no Reino Unido. 

A postura agressiva da banda, que também era vista no visual dos membros, gerou movimentos igualmente agressivos contrários, a ponto de os componentes dos Sex Pistols virarem alvo de violência física onde passavam por parte de grupos radicais conservadores. Do outro lado, eles formavam fãs pela postura ousada.

Do lado empresarial, algumas gravadoras fecharam as portas para eles e, quando o disco foi lançado, alguns lojistas também evitaram a exposição do álbum com o intuito de evitar confusão com os conservadores. 

O termo "bollocks", na gíria inglesa, pode significar "bobagem", mas também "testículos", o que impedia que o disco aparecesse nas lojas. 

Os punks mais dedicados costumam falar que tudo aquilo não passava de um grande marketing idealizado por Malcolm McLaren. O fato é que, do seu modo, os Sex Pistols provocaram algo no cenário musical e no comportamento das pessoas.

Pouco antes do álbum ser lançado, Sid Vicious entrou no lugar do baixista Glen Matlock. No disco, contudo, ele participa efetivamente apenas em uma faixa {"Bodies") e as demais, de 1977, foram tocadas pelo guitarrista Steve Jones. 

Da mesma forma meteórica que invadiu o cenário musical, o Sex Pistols desapareceu. Logo no início de 1978, depois de uma conturbada turnê pelos Estados Unidos, Johnny Rotten (agora John Lydon) deixou a banda e anunciou a interrupção dos trabalhos do grupo. Em fevereiro 1979, Sid Vicious morreu de overdose. O álbum faz parte da seleta lista do livro "1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer", de Robert Dimery.

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