segunda-feira, 24 de outubro de 2022

O mundo das trevas também sequestrou o rock clássico

O hardcore é antifascista e engajado, enquanto o classic rock aposta cada vez mais no conservadorismo fossilizado, preguiçoso e reacionário. 

Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, em que civilização e barbárie disputam acirradamente os votos dos brasileiros, a diferencia de posturas entre subgêneros do rock ficou evidente no último final de semana
 
Enquanto as bandas pesadas e modernas exalavam progressismo em um evento político e musical no bairro de Pinheiros, em São Paulo, bradando contra o fascismo e a favor da democracia, o classic rock exaltava as camisas amarelas as tendências antidemocráticas em eventos espalhados pela Grande São Paulo.

Nunca as diferenças estiveram tão evidentes. A banda mineira Black Pantera ganha cada vez mais proeminência com discurso ativista antirracista e antifascista em uma semana marcada por casos arrepiantes de racismo em São Paulo e em Porto Alegre.

Do outro lado, os já tradicionais encontros de "motociclistas" e de microcervejarias reúnem o que há da mais reacionário na sociedade e na música, sempre com a presença de bandas covers (que fazem versões de músicas famosas) de bandas clássicas com a proibição expressa de qualquer manifestação política. 

O Black Pantera mandou colocar fogo nos racistas e destroçar o fascismo que nos assombra om a existência nefasta do bolsonarismo, enquanto que outras bandas na mesma zona oeste de São Paulo literalmente destroçaram o mundo podre da extrema-direita nacional.

Já em uma festa da cerveja em Santo André, no ABC, bandas covers obedientemente faziam seu trabalho para embalar a tarde ensolarada de domino de uma classe média abastada predominantemente bolsonarista, que entoava hinos do Led Zeppelin vestindo a camisa amarela e ostentando adesivos e/ou adereços que remetiam ao candidato que depredou o meio ambiente, atrasou deliberadamente a compra de vacinas e zombou dos mortos da covid.
 
Essa galera do classic rock também deu as caras em ao menos dois shows promovidos por clubes de motociclistas na Grande São Paulo, cujos associados possuem motos que custam, no mínimo, R$ 120 mil.

Entre uma música de Deep Purple e Allman Brothers, um xingamento da plateia contra Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, ambos do PT e que estão no segundo turno. Execravam qualquer ideia remotamente associada à esquerda, com grande ojeriza aos pobres e a qualquer coisa que resvalasse em apoio a direitos humanos.

A coisa ficou mais complicada quando apareceu a notícia de que o ex-deputado Roberto Jefferson resistia à prisão atirando em policiais federais. Foi o suficiente para que surgissem manifestações antidemocráticas com ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e gritos pela redução da maioridade penal - com alvo específico na população pore, negra e favelada.

Em outro lugar, em outra reunião com predomínio de motoqueiros ricos de meia-idade, gordos e com carteira cheia, entre uma música dos Rolling Stones e outra do Queen, as bravatas contra a esquerda e o "comunismo" surgiram depois que alguns mais alcoolizados foram provocados. E democracia esteve bem longe de todos os pensamentos. Houve mesmo quem a relativizasse e explicitasse sua preferência por uma ditadura "violenta que exterminasse todo esquerdista sociopata". Foi o auge da exaltação do glorioso pensamento "deus, pátria e família".

Fica cada vez mais chato e desagradável repisar o tema de como o rock, em sua história, sempre foi libertário, aguerrido, engajado e com atitude - e como isso se perdeu logo no começo, aqui no Brasil, por ser uma coisa sempre associada à classe média.

No entanto, quando se observa no que se tornou o típico roqueiro preguiçoso que chafurda no classic rock, percebemos a profundidade do abismo em que caímos.

O mesmo roqueiro conservador e reacionário que despreza pagodeiros e sertanejos adquire hábitos e costumes tão perniciosos quanto, já que compartilha as mesmas ideias antidemocráticas, fascistas e antiprogressistas. 

Faz as mesmas apologias aos lixos propagados pelo bolsonarismo, regurgitando e vomitando fake news diversas, apoiando toda e qualquer manifestação contra o STF, contra a liberdade de expressão dos outros, contra a classe artística, contra os jornalistas, contra o conhecimento e contra a ciência.

Os roqueiros clássicos se tornaram os terraplanistas do rock. Acreditam em papai noel, em duendes e em fantasmas, especialmente em fantasmas comunistas. Seja por má fé, por desfaçatez ou mera burrice, acreditam piamente que Lula vai endossar uma imensa reforma urbana com invasões de domicílios - como se tivesse feito isso nos oito anos em que foi presidente.

Esse comportamento de verme se espalhou de tal forma entre os apreciadores mais velho de rock no Brasil que tem ressonância em outras paradas sinistras envoltas sob um manto escuro de burrice e preconceitos. 

Desconfie sempre do ser arrogante e autossuficiente que adora arrotar que não existe nada de bom no rock a partir do final dos anos 70 - tanto no Brasil e como no exterior. É o mesmo verme que consegue enxergar pontos positivos na época da ditadura militar - que não vivenciou ou era muito criança para perceber qualquer coisa.

E, por falta de um, foram vários os que destilaram lixos verbais dessa natureza em um dos encontros de motoqueiros na Grande São Paulo citados. 

Seres desprezíveis de pouco mais de 40 anos, ricos e presunçosos em ima de suas Harley-Davidson, defecavam pela boca que o regime militar de 1964-1985 colocou ordem no país e que dava mais segurança aos "cidadãos de bem".

"A ditadura matou pouco", vomitou outro, um médico sentado em uma Triumph caríssima e que vestia uma camisa da seleção brasileira por baixo de  colete de um lamentável motoclube paulista.

Ambientes podres com esse se proliferaram nas regiões metropolitanas de grandes cidades brasileiras. Ecoando as origens sociais de "roqueiros" mais velhos, se tornaram extremamente conservadores e avessos a qualquer modernidade, em todos os sentidos. Cooptados pela extrema-direita que se move pela ignorância, elegeram a burrice como bandeira de toda uma vida, manchando de vez o gênero musical e, por tabela, seus apreciadores.

Não que fosse algo surpreendente, já que tal movimento é observado desde 2013, quando os estapafúrdios movimentos de protesto contra o nada de julho e julho daquele ano abriram os portões do inferno e deram espaço para seres do pântano e desprezíveis de todos os tipos. 

A ignorância tomou cont do país e os ignorantes tomaram gosto pela coisa e se tornaram orgulhosos de manifestar a própria ignorância. E o segmento do rock clássico foi tragado em quase a sua totalidade por esse movimento obscurantista.

Da mesma forma que a imagem do retrocesso e doa ignorância colou em quem usa a camisa da seleção brasileira e a bandeira do país, o rock clássico, em alguns ambientes, identifica esse mesmo tipo de pessoa. Não deixa de ser uma imensa derrota da civilização quando constatamos essa terrível realidade.

Já não é exceção a situação em que olhamos com preconceito o cidadão que aparece no carro ou nos fones de ouvido apreciado "Smoke in the Water" (Deep Purple) ou "Paranoid" (Black Sabbath) ou "Black Dog " (Led Zeppelin)... "Lá vai um ser desprezível", vem ás vezes em nossa mente, da mesma maneira que observamos, hoje, alguém envergar com orgulho a camisa amarela da seleção.

Parecia ser impossível, mas a praga bolsonarista fascista de extrema-direita sequestrou também, em vários ambientes, o rock clássico, como fez com a bandeira brasileira e a camisa amarela. Talvez não haja crime maior contra a música cometido por essa gente medieval.

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