terça-feira, 18 de outubro de 2022

Novas caras da música: Nano Orquestra, Mini Orquestra de Macondo, Os Brutus, Fla Mingo, Acacia Crown...

Uma boa safra de artistas brasileiros surge neste final de ano em uma frente de revitalização da cultura, ainda que os tempos continuem sombrios e as condições econômicas, cada vez piores. A dedicação de muitos desses artistas é comovente e empurra a cultura e o entretenimento para patamares bem diferentes.

O rock fica cada vez mais mesclado e diluído em meio a novas ideias, enveredando por sonoridades inusitadas e projetos bastante distintos. Como diria um velho camarada ( mais camarada do que velho!). é uma espécie de novilíngua dentro do universo pop nacional. Abaixo, alguns destaques:

- A Nano Orquestra, que tem suas origens em São Paulo, apresenta dois novos singles e vem com uma proposta diferente, mas próxima de uma MPB com queda para a bossa nova, tudo envolto em uma moldura folk, que chega próximo ao trabalho solo de Tim Bernardes, guitarrista e vocalista de O Terno. Há quem diga que a banda flerta com o rock rural, mas está bem distante dessa classificação. "Rebuliço" é uma canção bastante interessante, com ótima letra e belos arranjos de violão e flauta. Eletrificada, ficaria excelente como um folk rock que não teria paralelos no Brasil. "Flor do Deserto" é ainda mais cadenciada, evidenciando a boa qualidade da letra com um instrumental minimalista. São músicas bem diferentes do que estamos acostumados a ouvir no mundo underground da atualidade. Longe de qualquer engajamento e ativismo, busca um som mais "vintage", emulando uma época em que o mundo era mais simples, ainda que mais perigoso. parece que essa tendência de vasculhar a bossa nova mais raiz, com arranjos de MPB mais sofisticada, está ganhando terreno. O guitarrista de blues Filippe Dias, em seu mais recente álbum, "Dias", encerrou o trabalho com três canções excelentes que passeiam por essa área. A banda é liderada pelos guitarristas e violonistas Victor Mendes e Di Grecco.

- Na mesma linha caminha outro projeto singular e interessante, a Mini Orquestra de Macondo, que tem na praça o EP "A Terra É Redonda Como Uma Laranja". Mistura de folk rock com MPB classuda e intelectualizada, também investe em letras mais elaboradas, embora não tão herméticas quanto às da Nano Orquestra. Com larga utilização de violino e bons arranjos de violão e guitarra acústica, flerta bastante com o jazz, como na ótima canção "Latifúndio", a melhor do EP. As linhas melódicas são suaves e quase etéreas, criando um clima retrô que parece ser moda entre jovens músicos que redescobrem as belezas da MPB mais antiga, quando não o mais rasgado forró regado a muito frevo. São músicas mais intimistas, que passam longe da verve mais ácida e urgente, mesmo que seja um soft rock. Ainda que tenha um clima de suavidade, "Latifúndio" em uma carga dramática que a torna bastante interessante. "Coração Cordel" mergulha na seara da música regional, em especial a nordestina, com bons resultados. "Instantes Paralelos" e "Tudo Se Desfaz" abraçam uma MPB mais tradicional, de cunho acústico e com algum regionalismo, mas sem as boas ideias das duas canções já citadas. Ainda que tenha um certo clima de "música de faculdade de humanas", a Mini Orquestra de Macondo tem um caminho bem vasto e interessante ara trilhar. O quinteto é de São Paulo e é formado por Juliando Mends (guitarra, violão e voz), Brenda Umbelino (baixo e voz), Gylez (viola), luMa (guitarra) e Pedrita Ribeiro (bateria).

- Os Brutus voltam com tudo ao mercado com um CD bem bacana, "Primitivo e Civilizado", lançado pelo selo Baratos Afins. É preciso bastante coragem para investir em surf rock em pleno 2022, mas qualquer dificuldade parece ter sido tirada de letra, pois os músicos certamente se divertiram bastante compondo e gravando - é o que transmitem todas as canções, que são instrumentais. Curioso e divertido, o álbum é salpicado de trechos que emulam transmissões de rádio dos anos 50 e 60 com mensagens ecológicas. É difícil destacar alguma canção dentre um conjunto de dez músicas bem legais. "Dispersão" e "Vampira Russa" têm um pouco mais de peso, caindo bastante no rock mais visceral", enquanto que "Fica Tranquilo" e "Rainha da Piscina" pisam um pouco mais no freio, com solos geniais de guitarra. "Homem Gigante" e "Volante" já são mais tradicionais, com pegadas que remetem diretamente a Ventures e Shadows, nomes importantíssimos do rock instrumental dos nos 50 e 60. A banda é formada por Doug Pererê (guitarra), Fantasma Marciano (baixo) e Tubarão Martelo (bateia).

- Também abusando de uma estética retrô, o cantor paulista Fla Mingo é outra "cria" do selo Baratos Afins, capitaneado por Luiz Calanca, aquele das coletâneas "SP Metal I e II" e responsável pelos lançamentos iniciais do Golpe de Estado. Sujo e despojado, o som é uma mistura setentista de David Bowie fase Berlim, Iggy Pop e o underground inglês de Manchester da década seguinte. O EP "Esquina" tem sete músicas com produção bastante crua e simples na tentativa de reforçar o foco na voz e nas composições. Quase hard em alguns momentos, quase punk em outros, Fla Mingo canta rasgado e forte sobre uma base de guitarras ferozes em "Descontrole" e "Tanto Faz', revelado uma urbanidade urgente e cosmopolita. "Los Amigos" tem parentesco com algumas das melhores canções da banda Cachorro Grande, enquanto que "Fácil Demais" bebe no rock brasileiro dos anos 80. É um trabalho de um artista inquieto e em busca de uma linguagem própria, tentando trilhar por uma certa marginalidade que soa fora de moda hoje em dia. Entretanto, é um começo.

- Black metal é um subgênero traiçoeiro da música pesada. Bem feito e bem gravado, costuma render música interessante, ainda que não digerível ao primeiro momento. Quando se erra a mão, a massa sonora impede qualquer análise mais aprofundada. Com isso em mente, a banda Acacia Crown caprichou na gravação e nos detalhes de produção em "The Last Acacia", um álbum da gravadora Heavy Metal Rocks que surpreende pela força do repertório e pelo instrumental quase impecável. É música bem pesada, extrema, mas de aspecto atmosférico, denso e incômodo - como tem de ser o metal extremo, em todos os sentidos, As sete canções autorais e mais um single antigo agregado dão a entender que se trata de algo conceitual, mas é só impressão, pois cada composição tem sua personalidade própria. "Behind the Silence" e "Guilty Dream" se destacam pelo peso e também pelos belos arranjos de guitarra e elos vocais be captados e trabalhados. "Black Wind" e "Valley of Lies" também merecem uma audição mais atenta, onde as guitarras novamente são o destaque.       

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