quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Rock in Rio, 40 anos: um marco civilizatório fundamental de uma nação

 Marcelo Moreira

Ser tricampeão do mundo e então o país do futebol não bastava. Era necessário ser o centro do mundo por ao menos duas semanas. E coube a um publicitário visionário a tarefa de fazer o planeta olhar para o Rio de Janeiro em uma época em que éramos um dos fins do mundo;

O Rock in Rio significou muito mais do que um grande festival de música e a colocação do Brasil no mapa do entretenimento. Era a entrada definitiva do país no mundo civilizado, coroando um período que coincidia como fim da nefasta e assassina ditadura militar e abria os horizontes. Finalmente o Brasil tinha algum futuro.

Era uma aposta arriscada. O rock era capenga no país por causa de suas manifestações culturais fortíssimas. Samba, MPB e ritmos nordestinos populares não davam brecha para aquele ritmo rápido e barulhento, que afrontava a classe média. O punk rock, que chegara com algum atraso, não ajudava, assim como aqueles esquisitos que curtiam um som muito pesado, o tal do heavy metal.

Como fazer um festival internacional de rock, ainda um gênero pouco difundido por aqui, e convencer estrelas a se deslocarem ara o fim do mundo? E como reverter a fama ruim, verdadeira ou não, por causa de supostos roubos e confiscos de equipamentos?

O publicitário Roberto Medina decidiu arriscar, e acabou por criar um dos maiores eventos de entretenimento do mundo, gerido por um conglomerado comercial dos mais poderosos que existem fora dos Estados Unidos e da Europa. Mais do que entretenimento, o Rock in Rio, aos 40 anos, é um fenômeno cultural e econômico.

Por ser longe da civilização, tocar no Brasil era proibitivo para promotores de shows e artistas de todos os calibres. Era muito caro viajar para cá er não havia certeza de público para justificar a bilheteria.


 

As passagens com sucesso de Alice Cooper (1974), Santana (1972), Genesis (1977), The Police (1980), Queen (1981), Kiss e Van Halen (1983) não foram suficientes para criar um circuito de shows na América do Sul.

As desconfianças eram muito grandes – houve gente que tentou trazer os Rolling Stones e o Led Zeppelin em 1975, mas esse pessoal desistiu rápido quando souberam do preço do cachê pedido...

Só que Medina era muito próximo ao meio artístico do Rio de Janeiro e tinha boas conexões no mundo financeiro.

Conversando com gente como Nelson Motta e Ezequiel Neves (jornalista e agitador cultural que foi uma espécie de empresário de Barão Vermelho e Cazuza), recebeu antes que todo mundo que o Brasil estava mudando rápido.

A ditadura estava apodrecida e acabando e uma nova trilha sonora estava na moda, o pop rock, que estourara em 1982 coma Blitz e toda uma série de artistas de qualidade em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Mais do que isso: era um som que cativava a juventude, para cima, positivo, diferente e que. Finalmente, mostrava o jovem como um consumidor de fato, e não mais um potencial comprador.

Com 20 anos de atraso, o mercado finalmente percebeu que molecada de classe média, em primeiro lugar, tinha poder de compra e ditava tendências.

Era um segmento ávido por novidades e por coisas que pudessem chamar de suas, longe dos gostos impostos pelos pais e adultos e bem longe do que era produzido na década anterior, sempre como ranço de uma ditadura militar pairando, censurando e reprimindo/oprimindo.


 

Naquele momento, o nascente rock dos anos 80 engolia a MPB fossilizada e chutava o sepultado rock setentista que vivia pendurado em Raul Seixas, Mutantes e algum resquício de rock progressivo meio alienado e fora da ordem.

Medina sacou o que estava acontecendo e sabia que mudanças importantes alterariam o curso da história – mudanças drásticas movidas a a guitarras, mas não só. Ele não tinha muita ideia do que estava promovendo, mas estabeleceria, a partir de 2985,novos rumos e parâmetros para o entretenimento nacional, em todos os sentidos e estamentos.

Esperto, teve a humildade de recorrer a uma curadoria para elencar as estrelas internacionais, em um mix de rock clássico, rock progressivo, rock pesado, soft rock, estrelas em ascensão do rock nacional e nomes fundamentais da música brasileira de arena, casos de Elba Ramalho e Ivan Lins.

Com forte campanha de marketing e propaganda maciça, teve o mérito de transformar nomes como Queen, Iron Maiden, AC/DC. Ozzy Osbourne, Yes, Scorpions, Whitesnake, James Taylor e Al Jarreau tão íntimos dos brasileiros quanto Rita Lee e Raul Seixas, deixados e lado na primeira edição.

O evento foi um sucesso de público e de mídia, colocando o Rio coo cento do mundo do entretenimento e provando que o Brasil tinha plenas condições de organizar grandes eventos. Apesar disso, foi m pesadelo logístico e deu prejuízo, tanto que só voltou a ocorrer em 1991, no estádio do Maracanã.

Críticos contumazes do Rock in Rio rejeitam a afirmação de que foi um marco civilizatório e que catapultou, finalmente, o Brasil para o mundo moderno, ajudando a deixar as trevas da ditadura militar e o passado que os assombrava. Esse pessoal obtuso briga com a realidade e faz questão de se mostrar cego às obviedades.

Vítima de seu próprio gigantismo, o Rock in Rio e sua administração também cometem seus pecados. Não tiveram puder em deliberadamente descaracterizar o evento, colocando a música em segundo plano e privilegiando o “parque de diversões”.

Inaugurou ainda a prática nefasta de desvalorizar os artistas brasileiros, pagando muito menos a eles do que aos estrangeiros e submetendo-os a condições de estrutura ruins e a horários desfavoráveis. Até hoje é assim, em uma atitude de “viralatismo” revoltante.

Por fim, a busca pela maximização dos lucros faz com que a holding que administra tudo não dê a devida importância na contratação de terceiros e parceiros, a julgar por várias acusações de trabalho análogo à escravidão que costumam pipocar.

Nos 40 anos do Rock in Rio, não dá para dissociar o evento da própria evolução social e econômica do Brasil. Sua criação e existência e criação são tão marcantes que se tornaram fatos importantes para se entender a história do país nos últimos 50 ou 60 anos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário