Uma freira que foi prostituta no passado é o maior perigo a uma organização criminosa superpoderosa que trabalha para o governo. É por ela que o principal assassino da organização está apaixonado. Sem ele, que é acionado remotamente por uma espécie de controle da mente, os planos e a própria existência da quadrilha está ameaçada.
Sister Mary, a freira que coloca em risco todo um império de crime, foi encarnada pela cantora americana Pamela Moore na ópera-metal "Operation Mindcrime", do Queensryche, e se tornou a peça central da obra, lançada em 1988.
Trinta e cinco anos depois, que dá voz a Sister Mary nos palcos é a brasileira Marilia Zangrandi, cantora carioca que faz parte da banda solo de Geoff Tate, ex-vocalista do Queensryche e o principal mentor de "Operation Mindcrime".
Antes de se envolver com os trabalhos com Geoff Tate, qual foi o seu envolvimento com o rock e o heavy metal?
Eu ouço rock desde sempre e até tentei ter algumas bandas na adolescência. Mas quando surgiu o convite para cantar com Geoff, eu tinha começado a preparar vocalmente cantores de rock, como o Rod Rossi e o Ricardo Cruz.
Como surgiu a sua parceria com Tate?
Foi bem curioso como aconteceu. Mexendo no Instagram, eu vi o Bruno Sá passando um trecho de “The Mission”, a gente já se conhecia há algum tempo e já tinha sido divulgado que Geoff ia trazer o Operation Mindcrime com ele nos teclados. E eu comentei o quanto gostava daquela música e Bruno me perguntou o quanto eu gostava do álbum e tudo, e se eu toparia cantar a parte da Sister Mary, e eu disse que sim, claro. Ele disse então que ia sugerir a minha participação. Demorou um tempo, ninguém falou mais nada, até que um dia eu recebo mensagem do Bruno já me passando as datas. Eu tava dirigindo, e quando vi que tinha uma mensagem dele, tive que parar o carro, e demorei um pouco para conseguir sair de lá depois que desligamos...
Ao começar a trabalhar com o cantor americano, você tinha conhecimento do trabalho dele com a banda Queensryche?
Eu vi o Queensryche ao vivo em 1997 no Rio de Janeiro. OMC é um dos álbuns que mais ouvi na vida, várias vezes eu passei “ouvir Geoff Tate” como dever de casa aos meus alunos.
"Operation Mindcrime" é uma das melhores obras já criadas e lançadas no heavy metal. Que tipo de adaptação você precisou fazer em sua interpretação das canções da obra e em outras músicas do repertório de Tate?
Até este convite, eu vinha me dedicando ao repertório erudito há muitos anos, mas não era o tipo de oportunidade que eu ia deixar passar. Então precisei encontrar a minha maneira de fazer a Sister Mary e, sobretudo, entender como cantar com microfone. Parece bobo, mas não é. E quando nós estávamos ensaiando no Greenhouse Studios, antes dos shows, eu cheguei a pedir ao pessoal de lá que se tivessem alguma orientação para o uso do microfone, que me dissessem; eles riram, acharam que eu tava fazendo piada. (Risos) Mas eu cheguei a fazer o mesmo pedido ao Geoff, e ele, muito generoso, deu visão dele, e é o que sigo até hoje.
Você chegou a ouvir o que a cantora americana Pamela Moore gravou e cantou antes de se envolver com o repertório de Geoff Tate?
Sim, Moore tem um trabalho solo e autoral muito bom, eu gosto muito da sonoridade dela, acho uma ótima referência de vocal feminino no rock. Eu aproveito e convido as pessoas a escutarem seus álbuns!
A personagem "Sister Mary" tem uma carga dramática enorme e uma importância crucial dentro da história que se desenrola e, "Operation Mindcrime". Você sentiu a necessidade de alguma preparação específica para viver a personagem?
Sister Mary sofreu muito e morre no final, é só mais uma mulher na ópera. (Risos) Mas quando eu comecei a me preparar para cantá-la, eu me inspirei muito no que a Pamela Moore fez no original. "Operation Mindcrime" é um álbum muito celebrado e conhecido, e sentia que eu estava assumindo um lugar dentro de uma tradição. Em 2017, quando cantei ela pela primeira vez, a obra tinha 30 anos já, eu não queria reinventar a roda, queria entregar às pessoas algo que coubesse no que esperavam dela, então quis trazer muito do que Moore fez, mesmo que nossas vozes sejam bastante diferentes. Hoje, depois de cantá-la tantas vezes, eu começo a me dar algumas liberdades.
O trabalho com Tate, de alguma forma, proporcionou oportunidades dentro do rock e no exterior?
Sim, tanto rendendo convites para cantar quanto pessoas que me confiaram suas vozes.
A demanda por musicais no Brasil cresceu muito a partir de 2015, mas o espaço para obras baseadas no rock ainda é escasso, o que obriga profissionais que se dedicam a essa área a buscar oportunidades no exterior. Você compartilha dessa visão, ou seja, percebe dificuldades para cantores e cantoras líricas com potencial e versatilidade dentro do mercado brasileiro?
Eu acho difícil te responder de forma satisfatória, porque o Brasil por si só é um país muito grande, com várias realidades coexistindo, então qualquer resposta minha vai ser incompleta diante da diversidade das situações e realidade. E isso também é algo que é preciso entender, o Brasil é um país em que as oportunidades não são igualmente distribuídas, e o que acontece em um lado do país é muito fácil de passar despercebido na outra ponta. E o nosso hábito antigo de valorizar demais o que vem de fora não ajuda. Mas eu vejo coisas positivas acontecendo, muito graças à internet. Hoje a gente têm mais meios de encontrar o nosso público e se conectar com as pessoas, em expor nosso trabalho, e nisso também as pessoas conseguem se articular em eventos maiores, seja para compartilhar música ou conhecimento.
Você já teve a oportunidade de trabalhar com algum artista brasileiro de rock ou heavy metal? Tem vontade de trabalhar com artistas. nacionais?
Sim! Eu já gravei participações para algumas bandas, como ManUnkind e Medjay, e mais recentemente para a Human Fortress, a convite do querido Gus Monsanto [cantor brasileiro, ex-integrante da franesa Adagio]. E até mesmo fora do rock, com a minha parceria com o Fernando Moura, lendário, que já rendeu alguns bons frutos. Eu sempre tenho vontade de fazer música, e no caminho formar amizades para sempre poder voltar às parcerias que funcionaram e fazer mais e melhor. E o Brasil tem tanta gente boa e competente, com uma cena que vem crescendo cada vez mais. E isso é maravilhoso de ver, a gente fazendo um rock com a nossa cara. Trabalhar dentro deste cenário é sempre um privilégio.
Existem planos de trabalho em estúdio em alguma obra inédita de Geoff Tate, seja com a banda Operation Mindcrime ou com o projeto Sweet Oblivion, te tem a participação dele?
Não que eu saiba, mas eu ia adorar que o Geoff tivesse uma resposta diferente da minha!!!!
Em sua atuação além do rock, quais são as inspirações artísticas?
Eu preciso tomar cuidado para esta lista não ficar absurdamente longa! Eu sou muito ecléctica no que gosto, tanto na música quando nas artes em geral, e sinto que tudo que eu faço traz minhas referências, direta ou indiretamente. Eu cresci ouvindo as grandes vozes do jazz por causa do meu pai, e quando eu era criança eu brincava com essas sonoridades, como da Billie Holliday e Alberta Hunter, e sinto que tudo começou lá. Foi na adolescência que eu quis cantar mais. Na verdade, eu sentia que minha voz me pedia mais, então não foi uma decisão direta minha, era mais eu querendo atende-la. Eu estava viciada em rock clássico, descobrindo Led Zeppelin, Deep Purple, e também coisas mais progressivas como o próprio Queensryche, Dream Theater, Angra e Rush, que é minha banda favorita. Eu sou apaixonada por Hendrix e terminei ouvindo Steve Vai, que é outro ídolo para mim. Mas eu também penso que o que “me deu” a minha voz, com tudo que faço com ela, foi o canto erudito e a ópera, porque foi onde eu aprendi a usar minha voz e entendê-la como instrumento. Maria Callas é uma das grandes inspirações para mim, tanto que tenho a foto dela na sala de casa junto do piano, ao lado do Jimi Hendrix. Pode parecer bobo, mas pensar que eles se encontram na sala da minha casa me alegra. Acho que o legado dos dois na música é gigantesco.
MARCELO MOREIRA
Jornalista
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