São cinco anos sem saber quem matou a ex-vereadora carioca Marielle Franco seu motorista, e constatando que os casos de feminicídios e agressões sistemáticas contra mulheres crescem a cada mês. Sempre há o que celebrar no mês das mulheres, mas até que ponto?
Quando achávamos que estávamos progredindo ao menos nas cenas roqueiras e metal, alguns casos de machismo e misoginia nos fazem conter os ânimos e o otimismo.
Os casos recentes em nosso meio não nos autorizam a dizer que a situação é perigosa para as meninas que frequenta os shows, mas demonstram que são várias as circunstâncias desagradáveis e desconfortáveis para elas.
Os casos mais chatos envolvem jovens jornalistas que prestaram serviço para o portal Wikimetal, um dos mais importantes do cenário musical brasileiro, e que motivaram editoriais assinados pelos responsáveis em repúdio aos atos de machismo.
No primeiro caso, um tiozão hard rocker se achou no direito de intimidar a moça porque ela vestia uma camisa de banda pesada mas "parecia uma patricinha" (aspas minhas). Parou a garota na pista e decidiu interrogá-la: "Você conhece essa banda? Fale os nomes dos integrantes! Cite o nome de cinco músicas!", e mais um monte de asneiras, sob apupos e aplausos de idiotas que o cercavam. Incomodada, virou-se e deixou o lixo humano falando sozinho.
No segundo episódio, a repórter cobriu o show de Def Leppard e Motley Crue em São Paulo. elogiou performances, mas criticou letras e posturas machistas e quase misóginas da segunda banda - algo que os integrantes fazem questão de ser desde que surgiram nos Estados Unidos em 1981.
Foi o que bastou para que o site do Wikimetal fosse inundado por xingamentos, impropérios e ameaças de todos os tipos, quase todos tendo como autores homens brancos de várias idades e se acham "donos" do espaço de discussão - e, claro, abusado do totalitarismo e autoritarismo ao não admitir críticas à "bandinha do coração" vindas de uma "mulher que não sabe nada de rock" e de uma "patricinha" que só quer "causar" e "lacrar'.
Tudo bem que ela avisou no texto que iria "irritar macho" - e conseguiu, mas pagando o preço ser agredida virtualmente, quando não "linchada" por uma turma de misóginos covardes e desprovidos de qualquer resquício de inteligência.
Ainda na primeira quinzena de março ocorreram mais dois casos de intimidação e assédio moral/sexual contra ao menos duas mulheres que estavam em ambientes roqueiros, em episódios com tantas grosserias e falta de educação que causaram indignação nas redes sociais.
Que a luta contra o racismo e a violência contra as mulheres tem de ser diária é um fato, mas há uma percepção de que os retrocessos também são diários - ainda mais depois que, passados quatro anos de atentados contra a inteligência e boas maneiras do governo Jair Bolsonaro, esperávamos que o bom senso voltasse a predominar na sociedade.
É triste constatar que o legado protofascista da era Bolsonaro persiste e que está mais vivo do que nunca. O orgulho de ser burro e mostrar toda a ignorância continua na moda e não esmorece mesmo depois da derrota eleitoral.
Ocorre o mesmo em relação ao orgulho de ser tosco e mal-educado em relação ás mulheres. Quando imaginávamos que os shows de rock estavam se tornando ambientes mais receptivos e amigáveis para elas recebemos aas más notícias de que a liberdade para elas é "restritas".
Precisam ser catedráticas a respeito das bandas que estampam nas camisetas, sob risco de serem xingadas e intimidas. Não podem emitir opiniões "polêmicas; são obrigadas a ouvir desaforos vindos de músicos e espectadores machistas e ficarem quietas, quando não obrigadas a a aplaudir para não serem "cobradas" ou "censuradas".
"Isso não vai acabar de uma hora para outra. O espaço está sendo ocupado pelas mulheres e os machistas e mal-educados estão sendo isolados e percebendo que não há mais lugar para esse tipo de coisa", disse certa vez a baixista e vocalista Fernanda Lira, da Crypta, ao Combate Rock.
Bruna Tsuruda, guitarrista da Malvada, banda em ascensão no cenário nacional, também percebe uma melhora no cenário e que as meninas sentem um pouco mais de segurança e menos ameaçadas/intimidadas em sows ou eventos roqueiros.
Em recente entrevista ao Combate Rock, ela conta que a Malvada foi muito bem recebida quando surgiu, há quase três anos, e que recebeu bastante apoio do público. "Apenas uma vez percebi referências machistas durante uma conversa com um músico que admirava. Foi um episódio bobo, menor, mas houve uma falta de respeito nos termos usados, e acho que ele nem percebeu o que falou. Fiquei decepcionada".
O editorial escrito pelos responsáveis pelo Wikimetal - Nando Machado e Daniel Dystyler - em apoio à repórter que escreveu sobre o Motley rue é um marco na imprensa musical e roqueira do Brasil e servirá de manifesto eterno para dar suporte às mulheres que forem atacadas por machos burros, covardes e inseguros. Leia o editorial clicando aqui. https://www.wikimetal.com.br/nota-de-repudio-nao-ao-machismo-misoginia-covardia/
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