* Lollapalooza 2023
Era para ter sido a melhor das dez edições brasileiras, mas o trabalho escravo "insiste" em perseguir o festival que oferece a maior diversidade musical e estética no Brasil na atualidade.
A vergonhosa desistência do rapper Drake, supostamente em cima da hora, manchou também a credibilidade da marca, ainda mais pela falta de informações confiáveis a respeito dos motivos do cancelamento do show deste artista lamentável.
Em uma edição com muito pouco rock, - houve quem dissesse que nunca tão poucos roqueiros toraram no festival -, o destaque do gênero, para variar, foi a banda mineira Black Pantera, que colocou seu rock pesado e engajado mais uma vez a serviço dos direitos humanos.
Cobrada por participar de um evento mis uma vez manchado por denúncias (comprovadas) de trabalho análogo à escravidão, o trio mineiro fez bem de subir ao palco e escancarar a gravidade da questão.
O Lollapalooza foi apenas mais um evento/empresa denunciada em 2023 pela prática nojenta e criminosa, realçando mais do que nunca o legado abominável do bolsonarismo depredatório que, na verdade, é anterior ao próprio governo nefasto de Jair Bolsonaro (PL).
Foi lindo ver o Black Pantera bradar "Fogo nos Escravagistas" no palco em que todos deveriam se envergonhar e mostrar o descontentamento a respeito de mais uma denúncia de trabalho escravo. O público, no entanto, não pareceu se importar com isso - para variar.
Pitty e Paralamas do Sucesso também foram muito bem, informando que o rock nacional vive tempos de efemérides, mas que entregam shows de ótima qualidade capazes de atrair um público jovem que se interessou bastante pelas "músicas antigas" - principalmente com uma galera bem nova não conhecia os artistas.
Entre os artistas internacionais, o Jane's Addiction mostrou que é uma potência no palco, misturando hard rock e pop com competência e inteligência. O repertório foi bem balanceado e evidencia que, aos 30 aos, o grupo de Perry Farrell se mostra ainda relevante.
Das bandas mais novas, merece destaque o Mother Mother, que nem é tão movo assim. Seu hard pop com pitadas de vocais rapeados agradou bastante quem se dispôs a encarar o calor do autódromo de Interlagos, em São Paulo.
* Angra Fest - São Paulo
O show paulista da turnê capitaneada pela banda Angra, no Terra SP, foi uma celebração do rock brasileiro pesado que não figura os meios de comunicação, A banda de metal progressivo comemora 30 anos de carreira e está prestes a lançar mais um álbum de músicas inéditas em mais um recomeço diante de muitas dificuldades, em que a pandemia de covid-19 foi apenas uma delas.
A banda Malvada, ma das bandas brasileira em ascensão desde o ano ano passado, aproveitou da melhor maneira possível a chance de abrir um evento de grande visibilidade e arrancou elogios variados de um público pouco acostumado a um hard rock em português.
Com canções de boa qualidade e um som mais pesado ao vivo, as meninas da Malvada chamaram a atenção e deixaram o Matanza Inc, que veio em seguida, em dificuldades. Jimmy London e seus amigos precisaram recorrer a um som mais punk do que nunca para ganhar a plateia, e conseguiu. O som era pura festa e acabou sendo um complemento bacana para o rock classudo da Malvada.
O Viper passa por mais um momento de reconstrução a caminho dos 40 anos de existência e está à beira do lançamento do mais novo trabalho, "Timeless", que promete ser o melhor da carreira.
Muito experiente e com boas expectativas, mostrou que seu metal melódico não ficou preso ao passado e que funciona muito bem com duas guitarras novamente ao vivo com a chegada de Kiko Shred.
Mais do que um passeio no passado, o som vigoroso e bem construído recapitulou alguns momentos importantes da história do metal brasileiro.
No caso do Angra, que fechou a noite, é tempo de comemorações. São 30 anos de uma trajetória nacional e internacional que só perde em importância para a do Sepultura no Brasil. E tem ainda os dez anos de permanência nos vocais do italiano Fabio Lione, aquele que só deveria quebrar um galho por alguns shows após a saída de Edu Falaschi.
O italiano está à vontade, falando português cada vez melhor e assimilando o jeito brasileiro de cantar e dar entrevistas. Já consegue dividir o protagonismo com o líder e guitarrista Rafael Bittencourt.
Com uma formação estável há oito anos e com seus integrantes devidamente saciados com seus projetos paralelos, o Angra projeta um período de extremo trabalho com o novo álbum, que chega neste ano, e com muitos shows no exterior, algo que não ocorria havia muito tempo.
Seguro e á vontade no palco, o quinteto esbanja categoria dentro de um repertório extraordinário de canções certeiras - são poucas as bandas no mundo que conseguem ter à disposição tamanha quantidade de material que funciona ao vivo.
Em tempos de mercados invertidos e pervertidos, o Angra Fest se tornou uma boa ideia para otimizar custos e atrair de volta um público que ainda está retraído depois da pandemia.
* Black Crowes
O grupo americano Black Crowes estava no auge quando tocou no Brasil por uma única vez, em 199, abrindo para a dupla Jimmy Page e Robert Plant, no estádio do Pacaembu, em São Paulo Estavam tão empolgados que fizeram um show repleto de jams e não causaram muito impacto.
Eles voltaram à cidade quase 30 anos depois em um momento bastante diverso. Foram muitos hiatos ao longo do tempo devido às brigas entre os irmãos Chris (vocais) e Rich Robinson (guitarra), o que jogou os Black Crowes quase que no ostracismo.
De volta ao underground já beirando à meia idade, aproveitaram para recriar ao vivo o primeiro álbum, "Shake Your Money Maker" para se "reapresentarem" a um novo público e deu certo. Os shows estão lotados em casas de lotação média e voltaram a ser notícia.
O show que os paulistas viram no Espaço Unimed, na zona oeste, com ótimo público, foi quase o mesmo registrado no isco ao vivo recém-lançado. É uma banda revigorada, bem mais profissional e consciente do legado que tem e vai deixar.
Os irmãos mostraram empolgação e vontade de tocar um rock'n'roll vintage, antigão mesmo, com os pés fincados nos anos 70 e no blues rock encharcado de bebida barata de botecos de beira de estrada, como costumavam tocar os Rolling Stones e os Faces nos anos 70.
E tome uma saraivada de hits como "Jealous Again", "Hard To Handle", "She Talk To Angels" e "Struttin’ Blues", todas do álbum "Shake Your Money Maker".
Na sequência, eles tocaram ainda canções indispensáveis de outros álbuns, como "Sometimes Salvation", "Wiser Time", "Thorn In My Pride", "Sting Me" e "Remedy". Foi um show nostálgico, saudosista e sem receio de parecer ultrapassado. E daí? Foi uma apresentação monumental.
* Def Leppard e Motley Crue
Nostalgia e saudosismo também dominaram os shows das duas lendas do hard rock, mas ninguém deu a minima, como na apresentação dos Black Crowes. nem mesmo a tentativa de "cancelar" o Motley por conta das letras sexistas e, quando não, machistas, conseguiu estragar a festa.
São 40 anos cantando as mesmas coisas e celebrando um estilo de vida, e só agora as pessoas prestaram a atenção nisso?
Algumas letras não cabem mais em um mundo como o do século XXI, mas o contexto precisa ser observado, assim como no caso de muitas marchinhas de carnaval do Brasil
. Bandas como Rolling Stones decidiram tirar músicas do repertório por conta de certas "inadequações" e merecem aplausos. As que não o fazem estão sujeitas a críticas e protestos, quando não boicotes, o ue faz parte d democracia.
Quem foi ao Allianz Parque, em São Paulo, saiu satisfeito. São duas bandas importantes do hard rock que têm toneladas de sucessos e são muito eficientes ao vivo.
O Motley Crue já anunciou duas vezes o seu fim, mas não aguenta ficar fora dos palcos. mesmo desfalcado de Mick Mars, o guitarrista que sempre foi sinônimo de riffs e solos fervilhantes e explosivos, o show da banda californiana é um convite à festa e ao som positivo e alegre - com altas doses de machismo e sexismo sim, para o bem e para o mal. O experiente John 5 substituiu bem Mars e nao comprometeu.
O som é datado e envelheceu mal? Em algumas canções sim, é evidente, mas em outras não. Não há como não sorrir com a caricata "Girls Girl Girls" ou na safada "Dr. Feelgood", que nos transportam a um tempo em que havia certa ingenuidade na explicitação de certo tipo de sacanagem. Hoje é caricato, mas há 40 anos esse tipo de música era afrontadora e perigosa.
A inglesa Def Leppard sempre pareceu mais sofisticada e menos explícita, embora não menos perigosa. A partir do momento que se distanciou da NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal), em 1983, assumiu o hard rock farofa sem medo, mas adicionou toneladas de blues ao seu hard rock e se diferenciou por conta de letras mais sutis.
A sofisticação sempre apareceu principalmente nos riffs de guitarra bem elaborados e nos esmerados trabalhos vocais e arranjos de bom gosto, um legado do produtor Robert "Mutt" Lange, que trabalhou com o AC/DC, que poliu o vulcão sonoro da banda nos primeiros álbuns.
No palco o def Leppard transmite essas mesmas características e entrega um shows primoroso mesmo estando longe de seu auge criativo. Ninguém lembra o nome de seu último álbum ou de suas músicas, mas os hits eternos obrigatórios são cantados a plenos pulmões. Pura nostalgia, mas e daí?
"Bring on the Heartbreak" ainda emociona, assim como "Pour Some Sugar on Me". "Rocket" é uma apoteose de rock positivo, e "Hysteria" remonta a uma época em que o mundo era menos complicado. E ainda teve "Animal", "Love Bites", "Photograph"... Valeu cada centavo.
*** Com informações de Marcelo Moreira, Henrique Neal, Nelson de Souza de Lima, Leonardo Silva e do site Roque Reverso
Nenhum comentário:
Postar um comentário