Uma ponte segura que une duas culturas que, aparentemente, se distanciam de tempos em tempos. O maior nome do rock pesado português, o Moonspell, instituição musical europeia, até ainda acalenta o sonho de colocar Brasil e Portugal cada vez mais próximos por meio do rock, ainda que seja difícil esticar as tais pontes.
O vocalista Fernando Ribeiro, uma da cabeças mais lúcidas e cultas do metal mundial, nunca se conformou com o fato de que as turnês latino-americanas de sua banda, sempre intensas, quase sempre apresentam o Brasil como o local com as menores vendas de ingressos.
"Causa-me estranheza que isso aconteça, embora não altere o panorama. Nossa ligação com o país é umbilical, mas imagino que a cena musical fervilhante e diversificada possa te alguma influência. No entanto, serão seis shows em abril no Brasil, o que me enche de orgulho", disse Ribeiro em entrevista exclusiva ao Combate Rock.
Com a turnê “Latin America Fullmoon”, o quinteto formado por Fernando Ribeiro (vocal), Ricardo Amorim (guitarra), Aires Pereira (baixo), Hugo Ribeiro (bateria) e Pedro Paixão (teclados) passará por São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Limeira, Brasília e Belo Horizonte.
Em um mundo muito diferente, principalmente depois da pandemia de covid-19 - que ainda não acabou -, é gratificante observar a paixão com que o músico português fala de música e da arte.
Ribeiro valoriza a liberdade que a banda tem ao compor, produzir e tocar em um momento em que o rock não está no topo das preferências. É uma fé que justifica os quase 30 anos de trajetória bem-sucedida, ainda que o quinteto permaneça no underground.
"Se não sou rico, nem famoso, isso não importa. Tenho liberdade criativa e consigo não chegar a toda a gente, mas à gente 'certa'", comentou o vocalista. Leia os principais trechos da entrevista:
A pandemia de covid-19 afetou de forma séria nossos países, embora as consequências no Brasil tenham sido mais severas por conta de uma série de motivos. Como a banda atravessou o período mais difícil do distanciamento social? Além da paralisação de shows, como afetou os processos criativos do Moonspell?
Fernando Ribeiro - A covid-19 foi uma calamidade, tanto social como epidémica e provocou uma ainda maior cisão entre as pessoas comuns, o que é sempre de lamentar. Penso que só daqui a um par de anos conseguiremos discernir o verdadeiro alcance do que nos aconteceu, embora nunca iremos conhecer a “verdade” dos fatos - está fora do nosso alcance. O primeiro instinto foi tentar compreender e, à distância recomendada, unir a banda e tomarmos conta uns dos outros. Não me envergonho de admitir que, quando os shows paralisaram, tratei de cobrar as dívidas de direitos das sociedades de autores e afins, que nem sempre pagam a horas, e comecei a desenvolver algumas ideias para apoiar a banda e a nossa equipe. Recaiu sobre mim muita pressão e responsabilidade e nunca tive a atitude leviana de dizer, como li a muitos músicos, que até tinha sido bom “dar um tempo nas turnês”. A criatividade, que é livre de amarras, foi essencial para o equilíbrio vital do Moonspell e continuámos a composição do Hermitage, que tinha iniciado em 2017. Cada um em sua casa, mas focados no trabalho.
"Hermitage", o último de trabalho de estúdio, apresentou o Moonspell olhando para novos horizontes em todos os sentidos quando a banda completou 25 anos de carreira fonográfica. O que a maturidade trouxe de mudanças no som da banda, na perspectiva de vocês? E o que isso influencia em um eventual novo trabalho de estúdio?
Concordo que "Hermitage" seja, talvez, o nosso disco de maior maturidade. Pelo contexto, assunto, musicalidade, é um disco de homens na meia idade, tentando conferir alguma dessa experiência ao nosso som. Por outro lado, eu não sei muito bem definir a “evolução” do Moonspell porque ela foi espontânea, autêntica. Fruto de alguma insatisfação, de curiosidade por outros sons e bandas, não há nada a justificar, assim aconteceu, sem fórmulas, apenas músicos lutando contra as suas limitações e a favor da sua vontade em incluir várias sensibilidades na composição. O próximo disco será feito com calma. editaremos somente em 2024 ou 2025. Eu gostaria de regressar a canções mais simples, optar por uma mistura mais nítida entre Gótico e Metal, não repetir o lado prog e ter um conceito mais inteligível, mas ainda vai sendo cedo para definir essas metas, tudo pode mudar.
A banda caminha para os 30 anos de existência. Surgiu em um mundo musical muito diferente, onde o rock e o heavy metal estavam em alta. Três décadas depois o mercado fonográfico implodiu, a música ficou de graça e a relação das pessoas com a música, no mundo inteiro, mudou muito. Não há mais um vínculo afetivo, tudo está muito veloz e descartável. Para vocês, como artistas, é difícil lidar com tais mudanças?
Sim, a música muitas vezes é apenas um acessório e deixou de ter um aspecto tão central nas nossas vidas cotidianas. Sinais dos tempos. Eu tive sempre a ousadia de me definir como um artista, mas, hoje em dia, me sinto mais como um animador, que, sem desprimor, tem a bonita missão de tirar a cabeça das pessoas dos problemas graves de crise generalizada, que vivemos em tempo real. Há algo de pensamento mágico nisso. Por outro lado, não há como não aceitar os termos desse pacto demoníaco que é hoje a indústria musical e a pouca atenção das pessoas. Moonspell corre muito pelas margens, pelos nichos e vamos conseguindo fazer vida disso, também porque nos soubemos adaptar aos tempos, não exagerar na exposição (eu não passo o meu tempo “partilhando”) e gerir as expectativas financeiras e de sucesso. É um preço que temos de pagar para manter a vivência da música e o amor pela mesma. E esse amor derruba fronteira e muros que pensávamos inabaláveis. Se não sou rico, nem famoso, isso não importa, tenho liberdade criativa e consigo não chegar a toda a gente, mas á gente “certa”.
Datas no Brasil:
7 de abril: Porto Alegre (RS) – Bar Opinião
8 de abril: Curitiba (PR)
9 de abril: Limeira (SP) – Mirage Eventos
12 de abril: Belo Horizonte (MG)
13 de abril: São Paulo (SP) – São Paulo Metal Festival
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