terça-feira, 28 de março de 2023

Decisões de Skank e Plebe Rude expõem o dilema de bandas grandes do rock nacional

 No ano em que diversas bandas importantes da música brasileira comemoram 40 anos de carreira ou do lançamento de um álbum, ressurge uma discussão que permeou vários debates ao longo deste século: está o rock nacional diante de um dilema crucial para que tenha algum futuro? Ou será que está fadado a se tornar um produto marginal e de nicho, como ocorre com o blues no Brasil e nos Estados Unidos?

Qual é a imagem que fica? A do Skank, que teve a honestidade de admitir que não conseguiria produzir algo relevante a partir de agora - e teve a coragem de encerrar a atividades? Ou a da Plebe Rude, que lançou dois álbuns maravilhosos e que projeta um futuro interessante?

Dentro dessa mesma geração de músicos que atingiram os 60 anos de idade, teremos qual padrão: o de atividade essencial de produzir canções novas, mas sem grande impacto, como os Titãs, ou ficar no conforto do catálogo recheado de hits, como os Paralamas do Sucesso, que aparentemente desistiu dos álbuns novos, com canções inéditas?

Samuel Rosa, do Skank, colocou o dedo na ferida em várias entrevistas ao explicar a decisão do quarteto mineiro de encerrar a carreira: "Percebemos que não tínhamos mais para onde ir, que não havia mais caminhos a explorar. Corríamos o risco de patinar, ficar no mesmo lugar. Era hora de parar e honrar nosso legado. Não queríamos virar covers de nós mesmos, ficar tocando as mesmas músicas sempre, Não queríamos gravar novas músicas por obrigação. As coisas mudaram, e nós mudamos>"

Muita gente interpretou como uma alfinetada em amigos e em ao menos duas gerações do rock nacional. Afinal, das bandas que ainda estão na ativa, dá para contar em uma só mão aquelas que mantém shows com músicas mais novas e álbuns recentes com músicas inéditas.

E não é que é difícil discordar de Rosa, caso compremos essa interpretação? Vamos tentar lembrar quais são discos de inéditas mais recentes de Paralamas do Sucesso, Ira!, Barão Vermelho, Capital Inicial, Camisa de Vênus e artistas contemporâneos...

A contradição que explicita o dilema é que todas essas bandas estão vendendo tanto quanto ou até mais ingressos do que quando estavam no auge, nos anos 80 ou 90. 

A turnê "Titãs Encontro", que reúne todos os ex-integrantes vivos aos trio fundador em uma turnê de 40 anos de existência, está com ingressos esgotados, forçando os organizadores a abrirem datas extras, cujos bilhetes acabam em minutos.

Os Paralamas do Sucesso lotam estádios e ginásios o tempo todo e foram aclamados em sua apresentação no último Lollapalooza, conquistando uma geração de jovens de menos de 20 anos que sempre ouviam as canções, mas nunca imaginavam que ELES eram os autores/intérpretes.

O Skank anunciou há quase dois anos que encerraria a carreira depois de 32 anos, mas não antes de fazer uma extensa turnê. Venderam todos os ingressos em todos os shows que fizeram em 100 cidades brasileiras desde então. 

A apoteose foi o show de encerramento, o último de todos, no estádio do Mineirão, na Belo Horizonte natal, onde colocaram mais 80 mil pessoas. Se fizessem como o Coldplay, que engatou uma sequência de mais de dez shows de "despedida" no mesmo Mineirão, lotaria todas as datas.

Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, afirmou recentemente que não esperava que sua banda vendesse tantos ingressos como está ocorrendo na atual turnê. 

Sua banda é um "case" de sucesso dentro de um contexto de revalorização de artistas que ajudaram a transformar o rock em um ritmo aceitável para o público brasileiro. Aparentemente, parece ser um movimento sustentável.

É bom que se diga que não é de hoje que a geração do BRock (Rock Brasil, aquela dos anos 80) mantém uma  popularidade considerável neste século, ainda ue com altos e alguns baixos. A bilheteria, quase sempre, era garantida.

Entretanto, após as restrições impostas pela pandemia de covid-19, o interesse por esses artistas redobrou. O sucesso do projeto "Barão 40", do Barão Vermelho, foi imenso em 2022, com ótimas vendas digitais dos quatro EPs com regravações de ingressos para os shows. Foi tudo muito rápido.

O mesmo aconteceu com "Titãs Encontro" no mesmo ano. Quando de seu anúncio, algo bastante ansiado, o furor or imenso, traduzido pela venda altamente veloz de todos os ingressos dos primeiros dez shows anunciados. 

A cada show extra, os ingressos sumiam em tempo recorde. Nestes shows, nem se ventila a possibilidade de executar canções dos dois últimos bons discos - "Olhos Frura-cor" e "1e Flores Amarelas".

Surfando na mesma onda, mas mostrando mais coragem, a Plebe Rude tem tocado para plateias lotadas, mas tocando sucessos inevitáveis e as músicas dos dois volumes de "Evolução". A receptividade tem sido boa.

Na aparente armadilha dos 40 anos (de bandas)/60 anos (de idade), todos estão se dando bem e não parecem preocupados com o futuro imediato. As vendas de ingressos vão bem, muito obrigado...

Mas será que esse futuro será mesmo o de "covers de mesmos", como alertou Samuel Rosa? Até quando durará o fôlego das vendas altas de ingressos dos grupos neste movimento de "revival"?

Será que teremos de nos contentar somente com Titãs e Plebe Rude (e, talvez, Ira!) ousando lançar músicas novas?

No exterior, são vários os exemplos de aristas que decidem apenas revisitar o próprio catálogo e abandonar as novas composições.  

Os Rolling Stones gravaram sete músicas novas desde 2005, data do último álbum. Seis apareceram perdidas em coletâneas, já que eram pouco memoráveis. A melhor, "Living in the Ghost Town", lançada durante a pandemia, é a melhor, com alguma repercussão positiva.

Por mais de uma vez o vocalista Mick Jagger bradou que não fazia muito sentido gravar novas músicas devido ao pouco interesse por elas nos shows e nos sistemas que executam música hje no computador e nas rádios. 

Roger Daltrey, do The Who, repete a mesma coisa em entrevistas neste ano, afirmando que o último disco da banda, "WHO", de 2021, não repercutiu e "não deu em nada". "Lançar novas músicas não é mais rentável. É caro e não compensa."

É um movimento que tem bastante adeptos no mundo do rock clássico, onde os artistas demoram cada vez mais tempo para lançar material novo, casos de Metallica, Pearl Jam e U2,

O quarteto irlandês, por exemplo, caiu na tentação de reciclar seus sucessos. Os discos mais recentes, "Songs of Innocence" e "Songs of Experience", tiveram boa divulgação, mas a repercussão foi morna.

 O jeito foi partir para a regravação semiacústica de 40 de seus sucessos, inspirada pelo livro de memórias do vocalista Bono Vox, "Surrender" - cada capítulo, 40 ao todo, é intitulado por uma canção da do U2. 

O trabalho, lançado em formato de CD quádruplo, foi chamado de ousado por se tratar de uma "caixa", mas o resultado não foi bom, sendo que as novas versões são desidratadas e pouco emocionantes, como se retratassem a "velocidade" e o "estágio" da vida em que os sessentões estão.

Enquanto isso, artistas de gerações mais novas seguem lançando novos trabalhos sem se preocupar muito com o tamanho da audiência. 

"Criar música é uma necessidade artística e acho que isso deveria ser a regra. Um artista que abre mão da criação perde a essência de sua atividade", afirma Ricardo Vignini, violeiro que integra o duo Moda de Rock. "Para artistas do underground, como eu, a necessidade vai além. Quanto mais coisa nova eu produzo, crio e lanço, maior é o meu rendimento. Que assim seja!"

Na mesma toada vai o vocalista Thedy Correa, do Nenhum de Nós, em entrevista ao Combate Rock. sua band caminha para os 40 anos de existência. "A criatividade é o que nos empurra e nos fortalece. Boa receptividade e sucesso são consequência do bom trabalho, e são imprevisíveis."

Há uma corrente minoritária que deplora esse estado de coisas, com críticas fortes aos artistas que apenas vivem das glórias passadas e que bloqueiam o caminho de artistas novos de qualidade que encontram muito mais dificuldades para expor seus trabalhos.

É um argumento questionável, já que ´difícil provar essa tese. Além do mais, também é totalmente questionável o fato de que, se as bandas oitentistas estivessem todas aposentadas, ainda assim haveria espaço para aristas novos, quando se percebe que o próprio rock está em baixa no Brasil ha muito tempo.

Alheios a isso, bandas como Black Pantera, Autoramas, Boogarins e Malvada continuam escalando a árdua montanha do mundo musical com ótimos resultados, estando ou não vinculadas a gravadoras. Lançam material autoral de boa qualidade e atraem um público fiel e cativo, ainda que menos numeroso do que o das bandas dos anos 80.

"É saudável que tenhamos bandas grandes que conseguem vender muitos ingressos, independente de haver trabalho autoral novo", disse Evandro Mesquita, da Blitz, ao Combate Rock, outra banda que comemora 40 anos com turnê concorrida pelo país. "Com esse interesse pelo rock, renovado ou não, as chances de abrirmos os olhos e espaços para outros artistas ´maior do que se não hão houvesse nenhum rock. É hora para aproveitar todas as oportunidades."

Esse ponto de vista é compartilhado por muitos outros artistas de gerações diferentes, mas a questão central não tem respostas prontas ou certeiras. Como cobrar material autoral novo e de qualidade de qualquer banda send o público pouco se interessa em consumir esse material?

O dilema permanece, entretanto. O que sobrará quando o interesse pelo Brock anos 80 arrefecer e essas bandas decidirem permanecer no cenário? Terão o destino de The Fevers ou Roupa Nova, que se tornaram atrações de eventos "retrôs"? 

Ou será que os ótimos volumes de "Evolução", da Plebe Rude, conseguirão "contaminar" os contemporâneos e estimular a produção de música nova composta por músicos competentes, ainda que desconfiados a respeito das possibilidades de mercado?

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