Coube a quatro moleques insolentes de uma cidade longínqua mudar a lógica do mercado, em quase todos os sentidos, e usando o rock como veículos do furacão de mudanças duradouras e longevas.
Há 60 anos, os Beatles lançaram o seu primeiro álbum, "Please Please Me", que alterou a percepção do público a respeito de sua confecção. Não era apenas um ajuntamento de singles, compactos ou canções avulsas, soltas e sem conexão. Continha material gravado especialmente para aquele produto. Com isso, fizeram com que os álbuns ganhassem relevância e fossem valorizados.
Pode ser só coincidência, mas os álbuns ganharam impulso em vendas e em credibilidade artística com o surgimento do disco "Please Please Me" muito por conta e uma novidade: o artista estreante gravava a maioria das músicas de sua autoria, deixando as canções de terceiros em segundo plano. Praticamente ninguém fazia isso na Europa ou nos Estados Unidos. Era muita coragem e autoconfiança.
Gravar mais músicas próprias do que versões era uma prova a mais de que os Beatles eram abusados e tinham uma outra ideia do que deveriam ser as canções para álbuns e para compactos.
Não se tratava (ainda) de álbuns conceituais, mas havia sim uma ideia diferente para elaborá-los. Com um pouco mais de liberdade artística, dava para ousar e experimentar um pouco mais. Os Beatles entenderam isso desde cedo, contagiando algum tempo depois bandas como os Kinks e The Who.
"Please Please Me" foi a base de lançamento para que o quarteto se tornasse uma usina de hits e clássicos. A faixa-título e "Love Me Do", lançadas anteriormente em singles, se tornaram sucessos absolutos e catapultaram as vendas.
Os ingleses comparam os compactos e não se importaram com as repetições dos sucessos. Em pouco menos de 30 minutos se divertiam sem parar com 14 faixas do mais puro pop bem feito.
Era tudo muito diferente do que estavam acostumados. Era tudo mais instigante, eficiente, positivo, alegre, rápido e intenso, Não havia nada nem remotamente parecido com as 14 canções que "Please Please Me" despejava.
Era o começo da beatlemania, ainda de um jeito tímido, mas que avançou lenta e firmemente para o topo. "With the Beatles", o segundo LP, seria lançado no final do ano, no mesmo formato - oito músicas próprias e seis versões de clássicos da música americana - e mostrava um lado ou pouco diferente dos vários singles de sucesso lançados no período. Venderia horrores e serviria de base para a "invasão" dos Estados Unidos no começo o ano seguinte.
Por ser um disco de estreia, executado por garotos de 20 anos, soava bastante "quente" e inovador. 'Twist and Shout", hit da música negra norte-americana, parecia heavy metal com seus riffs potentes e os vocais gritados. E o que dizer da pungente interpretação de "Baby, It's You", de Burt Bacharah, Mack David e Barney Williams?
"Anna (Go to Him)" e "Chains" enveredavam pelo mesmo caminho sem que a tentativa de reproduzir o balanço americano soasse ridículo. Talvez a versão para "A Taste of Honey" seja uma escorregada, exageradamente melosa e brega, mas nada comprometedor.
A questão é que o álbum começava a todo vapor com "I Saw Her Standing There", canção forte e rápida, do tipo "arrasa quarteirão" para a época - tipo chute na porta. Era rock'n'roll made in UK, mas com todos os requisitos básicos para colocar a pista para dançar. Um legítimo cartão de visitas estrondoso da dupla john Lennon e Paul McCartney.
"Do You Know Want a Secret" é uma semibalada romântica inofensiva, assim como "Ask Me Why" - canções quadradinhas e sem grande apelo -, mas a potência e a dramaticidade de "Misery" compensava graças às interpretações vocais de Lennon e McCartney.
"There's a Place" é uma joia subestimada de Lennon e McCartney, pois indicava um padrão melódico que dominaria a composições da dupla, mostrando já uma predileção por acordes diferentes e riffs pegajosos.
E o disco ainda tinha uma versão de "Boys", de Larry Williams, cantada pelo baterista Ringo Starr, então um novato na banda - oito meses no posto, após substituir o mediano Pete Best.
Olhando em perspectiva, depois de 60 anos, é possível dizer, sem exageros, que a estreia dos Beatles em álbum foi monumental, por mais que isso não tenha sido percebido dessa forma na época. Era o começo do terremoto avassalador que mudaria a história da música e da cultura ocidental.
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