quarta-feira, 1 de março de 2023

O rock delas está cada vez mais forte - elas mandam no progressivo há muito tempo

 Em uma rápida passagem pelo Brasil para divulgar um disco ao vivo, "Live Under Brazilian Skies", gravado em Petrópolis (RJ), em 1998 -, a cantora inglesa Annie Haslam, da banda Renaissance, afirmou que, dependendo do ponto de vista, o rock progressivo era o mais transgressor dos subgêneros do rock pela inovação e ousadia nos temas abordados, mas principalmente por ser o que mais acolhia as mulheres em posição de protagonistas.

Gentil, educada e serena, emprestou sua voz angelical moldada no folk britânico por 50 anos à banda Renaissance e teve como concorrentes de alto calibre, como Jane Relf (sua antecessora no Renaissance), a diva Sandy Denny, Grave Slick (Jefferson Airplane), Maggie Bell (Stone the Crow), Sonja Kristina (Curved Air), entre outras.

Se elas eram proeminentes no prog e no rock nos anos 60, ficaram mais retraídas na década seguinte até que começassem a retomar o espaço no século XXI, com a "redescoberta" das vozes femininas em mais u movimento neoprog em países como Grã-Bretanha e Polônia.

Entretanto, foi na França que surgiu o pontapé inicial para que uma nova geração de cantoras chutasse as portas do século que começava e retomasse o espaço.

A banda Headline enfileirou três álbuns ótimos entre 1997 e 2000 mesclando prog e metal de forma interessante e tendo a voz instigante e melodiosa de Sylvie Grare, que embelezou clássicos como "high Hopes (Pink Floyd), "Changes" (Yes) e "A Touch of Evil" (Judas Priest". Talentosíssima, acabou sucumbindo com a banda diante de várias dificuldades mercadológicas.

Enquanto Natalie Merchant brilhava com o folk rock do 10.000 Maniacs a finlandesa Tarja Turunen assombrava com o metal operístico da banda Nightwish e a angelical Candice Night encantava com o Blackmore's Night (ao lado do marido, o guitarrista Ritchie Blackmore), uma garota inglesa esperta, de olhos vivíssimos, tomava conta do palco em uma banda então nova, mas muito promissora.

Heather Findlay era o contraponto perfeito à voz do guitarrista Bryan Josh, o líder do Mostly Autumn, a ponta de lança do neoprog do novo século. A estupenda balada "Evergreen" é o cartão de visitas até hoje, em carreira solo desde 2010.

Com seu trio, toca em teatros ingleses antigos e tabernas de ambientes medievais e lança um álbum melhor do que o outro, seja com o seu nome ou com a banda Mantra Vega, que é menos atuante do que deveria ser. Seus melhores trabalhos são "I Am Snow" (2015) e "Wild White Horses" (2019) , pérolas d folk prog rock.

O Mostly Autumn seguiu em frente, mas parece que Bryan Josh já previa dificuldades em segurar a sua estrela, que se destacava a cada apresentação: contratou uma violinista talentosa que também fazia vocais de apoio com segundas e terceiras intenções.

Olivia Sparnenn logo começou a cantar algumas canções de vez em quando e o chefe não teve dúvidas em indicá-la como substituta natural de Heather. Mais ainda: casou-se com ela, que virou Olivia Sparnenn-Josh. 

Ela segue na linha Annie Haslam, com jeitão angelical, mas não é tão expressiva quanto a antecessora, apesar de o Mostly Autumn fazer mais sucesso agora com ela nos vocais principais. Os melhores trabalhos recentes da banda são "Sight of Day (2017) e "White Rainbow" (2019).

A banda concorrente do Mostly Autumn é a galesa Magenta, com o talento exuberante da cantora Christina Booth (na carreira solo, apenas Christina). A linha é a mesma do Mostly, um prog à la Renaissance explorando sonoridades que muitas vezes remetem a Yes e Rick Wakeman. 

Despontou com o disco "Seven", de 2004, e emendou uma sequência matadora de álbuns desde então. Christina brilha de forma avassaladora, apresentando uma variação de timbres e uma versatilidade, especialmente nos três mais recentes - "We Are Legend" (2018), "Master of Illusion" (2020) e "The White Witch" (2022).

Rick Wakeman é também a grande inspiração de outra atração inglesa, The Far Meadow, que faz um som exuberante misturando progressivo e jazz. 

A cantora é a ótima Marguerita Alexandrou, que brinca com sua voz de tal maneira que parece apenas que está brincando. Seu trabalho no álbum "Foreign Land" e na música "Travelogue" é estupendo.

 A concorrente direta da Far Meadow é uma banda inglesa veterana. Solstice é comandada pelo guitarrista Andy Glass, único integrate fundador ainda presente, e pela radiante vocalista Jess Holland, que toma conta do palco de uma maneira avassaladora. 

Sua seção instrumental não é adepta de longas suítes, mas adora enveredar pelo jazz para aproveitar a performance ensolarada no palco de sua cantora. Ouça "Shout", ao vivo, no mais recente CD lançado, "Live in Veruno". É uma banda perfeita para tocar em festivais e a cantora é uma atração que vale o ingresso.

Para quebrar esse predomínio britânico, vamos recorrer a outra cantora iluminada, Susie Bogdanowicz, que lidera a banda americana Glass Hammer, que em seus 30 anos de existência já enveredou pelo prog sinfônico e pelo lado mais experimental;

No entanto, é Susie a grande atração, com seu jeitão alto astral e seus vocais límpidos e precisos. Canta sem exagero e tem uma afinação absurda. Os mais recentes álbuns, "Dreaming City" (2020), "Skallagrim - Into the Breach" (2021) e "At the Gate" (2022) são tão bons que fica difícil dizer em qual deles a cantora foi melhor. Portanto, é melhor apreciar todos.

Mais um destaque do progressivo com vozes femininas vem do País de Gales. O Panic Room é uma dissidência da lenda Karnataka, banda que chegou a incomodar o Mostly Autumn e o Magenta com seu som mais acessível e mais próximo do pop.

O Karnataka teve uma sequência de boas vocalistas, que duravam pouco, e uma delas foi a intensa e elegante Anne-Marie Helder

No Panic Room ela canta mais solta e consegue alternar timbres mais suaves com vocalizações um pouco mais agressivas em um som mais modero e menos datado. É uma das melhores cantoras da atualidade. O melhor trabalho é "Skin", de 2012, que ganhou uma nova versão em 2018.

Para encerrar essa rápida viagem elas vozes do progressivo feminino que ainda encantam atualmente mencionaremos a polonesa Agnieszka Swita, cantora do projeto Caamora, do tecladista Clive Nolan (que também toca e lidera as bandas Arena, Pendragon e Shadowland),

Com trabalhos importantes na música erudita - é formada pelo Instituto de Música da Universidade de Lublin -, chamou a atenção de Nolan em festivais de rock progressivo europeu. 

Convidada a participar de musicais na Inglaterra, tornou-se parceira importante do tecladista inglês na elaboração e montagem do musical "She", que até hoje percorre a Inglaterra. Não demorou para surgir o do Caamora, com música refinada e um trabalho vocal bem diferente do que estamos acostumados no rock progressivo. Será difícil achar uma cantor europeia tão boa quanto essa polonesa surpreendente.


 

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