domingo, 3 de janeiro de 2021

A pandemia diante da sutileza e sensibilidade musical de Fernando Marques

Marcelo Moreira


A pandemia como fonte de inspiração. Nenhum músico do planeta ficou indiferente aos meses de confinamento e isolamento forçado por conta do vírus maldito. Entretanto, quem teve a audácia de colocar a pandemia na própria música, praticamente "dedicando" um álbum inteiro a ela e à música produto dela? 

Fernando Marques é um cidadão diferente - a palavra diferenciado soa pedante e arrogante. Na busca pelo belo e pelo perfeito, desdobra-se em várias facetas para mostrar o quanto a arte é imprevisível e necessária.

Além de músico e compositor - toca violão, gaita e outros instrumentos de sopro -, aventura-se no cinema e na fotografia, além de ser curador do Museu da Imagem do Som de São José do Rio Preto (SP), que ele criou, e de cuidar de parte do acervo histórico da cidade.

"Pandemusic" é a sua volta aos estúdios após anos fazendo outras coisas. Já tocou muito pelo país e pelo mundo, fez residência musical no Japão e, por mais 20 anos, trabalhou como produtor e engenheiro de som em estúdios importantes de São Paulo. 

Gravar um disco na pandemia? Não foi difícil, ainda que tenha respeitado o isolamento e ficado longe dos comparsas de sempre, como Esdras Nunes e Edgar Silva.

"Foi uma tentativa de descrever, por meio da música, a relação do ser humano com a pandemia, um período complicadíssimo na vida de qualquer pessoa que tenha um mínimo de sensibilidade", comentou o músico.

Como músico do mundo, abriu as portas para todos os tipos de influências em "Pandemusic". Tem até rap, uma coisa que sempre foi alheia ao seu cardápio. No entanto, o jazz com acento brasileiro é o que domina o repertório.

Marques decidiu que precisava de uma trilha sonora para o dia em que conseguir reencontrar todos os amigos no Mercadão Municipal de sua amada Rio Preto. Suas novas canções são música para rir, para brincar e pra seguir em frente, como a festiva e sarcástica "Máscara Branca".

Gravando a distância e com o apoio da Tratore, Marques conseguiu reunir belos temas manejando as emoções de forma habilidosa, como em "Balada para a Vida", uma pequena sinfonia em que celebra o privilégio de desfrutar esse momento ímpar da nossa existência.

"Respirando... Samba" é outra celebração em que o ritmo mais brasileiro de todos e homenageado com um instrumental de tirar o fôlego, em uma tempestade de criatividade.

A brasilidade dá o tom em todo o álbum, mas há espaço também para o blues amado em "Meu Risco", com uma bela introdução de piano e a guitarra marcante com tempero de rock progressivo, uma faixa instrumental que instiga á reflexão e ao pensamento crítico. 

"Isolamento" tem vocais rapeados em uma clara mensagem antirracista e progressista, em contraponto ao negacionismo dos tempos bolsonaros.

Há outras coisas bacanas, como a miscelânea de ritmos em "Baião de Oxigênio" e a latinidade com cheiro de Bahia e Maranhão em"Salsa, Merengue e Fé (Para Quem Tem)". A única canção que não é só sua é "Quem Me Roubou", tem tem coautor Ayrton Salvagnini.

Mais uma vez o rock, uma paixão histórica do músico riopretense, fica à margem, já que sua ligação com a música brasileira permeou e fundamentou toda a sua longa carreira de mais de 40 anos.

Foram mais de 100 festivais de músicas que participou, sendo vencedor em 16 deles, mas o primeiro disco solo apareceu somente em 1986, com "Improviso", em parceria com o poeta e músico Eli Buchala. 

Gravou inúmeros discos nas décadas seguintes, inclusive o CD "Brasilian Bossa", que atravessou fronteiras e chegou ao Japão. 

Sempre evidenciando a música brasileira em seus trabalhos, Fernando deu um passo maior em sua carreira quando, na entrada do século XXI, compõe as duas únicas sinfonias da cidade de São José do Rio Preto: "Sinfonia Rio-pretense nº 1" e "A Lenda do Pássaro Azul".

"Pandemusic" foi gravado remotamente, respeitando o isolamento, de março a outubro de 2020. Todas as canções são de autoria de Fernando Marques, que tocou violões e percussão. Esdras Nunes assumiu teclados, baixo e programações, enquanto Edgard Silva  ficou responsável por guitarras e violão.

Clique aqui e escute "Pandemusic".


 

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