domingo, 3 de janeiro de 2021

Reedição do Tin Machine inicia as homenagens a David Bowie

Marcelo Moreira

Este mês de janeiro marca os cinco anos da morte de David Bowie e as homenagens e o oportunismo mercadológico já deram as caras. Neste agosto os lançamentos e relançamentos da obra do mestre do pop inglês estão chegando ao mercado sem grandes novidades, mas de forma inusitada.

O CD inédito traz uma apresentação ao vivo em Paris em 1999. "Something in the Air" é o registro de um show mais intimista e com um repertório pouco usual, semiacústico em grande parte.

Entre as canções pouco executadas estão "Repetition", "Always Crashing In The Same Car", "Word On A Wing", "Can’t Help Thinking About Me" e uma versão curiosa de "I Can't Read", a maior surpresa, visto que Bowie até então nunca tinha tocado nada do Tin Machine, banda de hard rock que formou em 1989.

E é justamente o Tin Machine que guarda a segunda surpresa deste início de homenagem ao cantor inglês. "Tin Machine II" ganhou reedição neste mês, mas sem nenhum atrativo, como faixas bônus ou libreto diferente.

Enquanto o primeiro álbum é mais pesado e mais direto, com clássicos como "Under the God" e o blues-rock pegajoso "Heaven's in Here", o segundo é mais sofisticado e experimental, com a sombria "You Belong to Rcok'n'Roll", a pop dançante "Baby Universal" e o blues sacana cantado pelo baterista Hunt Sales.


Tin_Machine_-_II_1991-e1287543586884

Ainda permanece um mistério a escolha do segundo disco como o ponto de partida para as homenagens. O primeiro, mais pesado e mais assimilável, era a opção mais indicada para o caso de se resgatar o Tin Machine, um projeto legal que foi considerada a empreitada de Bowie que não deu (muito) certo.

Como fã do Tin Machine, nado contra a corrente e acredito que foi a melhor coisa que ele fez em toda a sua carreira de 50 anos. É rock and roll na veia e muito mais hard rock do que a maioria das bandas desta vertente naqueles anos 80.

O Tin Machine teve seus dois discos de estúdio remasterizados e remixados na Inglaterra e relançados em 2018. O terceiro álbum, o ao vivo “Oy Vey Baby”, de 1992, não entrou naquele pacote.

Guinada na carreira

O quarteto é surpreendente pelo peso e pela simplicidade. Tendo como modelo os Stooges, de Iggy Pop, pais do punk rock no início dos anos 70, o Tin Machine apostou em um rock acelerado e com guitarras na cara, além de uma bateria marcante e martelada em algumas músicas. Deu certo, mas principalmente por causa de Bowie, o grande mentor do projeto e do conceito.

“Tin Machine” foi gravado rapidamente e lançado em 1989 contendo várias músicas excelentes, como “Heaven’s in Here”, “Under the God”, “Amazing” e uma visceral versão para “Working Class Hero”, de John Lennon. As letras estavam mais raivosas e as melodias construídas por Gabrels eram marcantes.

O sucesso foi absoluto e rendeu uma bem-sucedida turnê norte-americana. Um breve intervalo para ajudar o amigo Iggy Pop na gravação e produção do album deste, “Lust for Life”, e logo grupo embarcou para mais uma turnê, desta vez pela Europa.
O quarteto resolveu dar uma pausa em 1990, enquanto Bowie cumpria compromissos na turnê solo “Sound + Vision”, do mesmo ano. Ao final desta, não parou: entrou logo em estúdio para gravar “Tin Machine II”.

O peso e as letras inspiradas ainda estavam lá, mas a mão de Bowie marcou grande presença no direcionamento mais pop do grupo, o que desagradou Reeves Gabrels, sem muito espaço para sua guitarra inventiva e barulhenta.

O álbum tem grandes momentos, como “You Belong To Rock’n Roll”, “If There is Something” (versão para uma canção do Roxy Music), “Baby Universal”, “Goodbye Mr. Ed” e o já citado ótimo blues “Stateside”, cantada pelo baterista Hunt Sales.

Ao contrário do primeiro, as vendas decepcionaram. Gabrels afirmou em 1995, em entrevista à revista Rolling Stone, que a banda acabou porque o direcionamento acentuadamente pop afugentou um público diferenciado conquistado em 1989 com a mistura de hard rock e blues do primeiro álbum.

Já Bowie afirmou algumas vezes que as músicas compostas ficaram aquém do que ele esperava em qualidade. O rompimento, amigável, ocorreu no começo de 1992.

Tin_Machine_-_Oy_Vey_Baby_-_Front


“Oy Vey Baby”, lançado no final daquele ano, também fracassou nas vendas. É um bom disco, mas não captou a essência da banda, que estava a todo vapor na turnê do primeiro disco.

Esse CD ao vivo traz alguns momentos pinçados durante a turnê europeia de “Tin Machine II”. O grupo estava bem, mas sem a energia demonstrada nos shows iniciais.

De qualquer forma, o Tin Machine foi uma das boa surpresas da carreira de David Bowie, marcada por viradas importantes e direcionamentos bastante criativos ao longo de quase quatro décadas.

Para quem gosta de rock mais pesado, o grupo é uma boa amostra do que o hard rock do início dos anos 90 poderia ter sido se não estivesse tão contaminado pelos excessos da "farofa" oitentista majoritariamente originada na Califórnia, com cabelos armados, laquê e muita maquiagem, além do esgotamento criativo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário