Marcelo Moreira
David Bowie em cena em um dos últimos videoclipes que gravou (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
Em um dos atos do musical "Lazarus", que fez sucesso nos últimos na Broadway, em Nova York, um dos personagens canta que a vida é breve, mas que deve ser muito intensa e valer a pena, como se antevisse a própria morte. Em vez de piedade, o verso é cantado com sentimento de esperança e como um exemplo a ser seguido.
Essa passagem não poderia ser mais icônica em relação ao seu autor, o cantor David Bowie, morto em janeiro de 2016 dois dias depois de lançar uma das mais contundentes obras-prima pop deste século.
Já virou clichê elogiar "Blackstar", o epitáfio de uma vida estrondosa, como um estupendo tributo à própria vida, em que Bowie transformou a sua morte e sua luta dos últimos meses contra um câncer no fígado em obra de arte. Mais do que serenidade para fazer isso, é preciso muita coragem para se expor desta forma.
Com isso, o cantor virou o jogo e colocou em pé de igualdade o lançamento extraordinário com a notícia da própria morte. Uma saída de cena triunfal, em todos os sentidos.
Cinco anos sem David Bowie incomoda, e muito, em um 2020 em que perdemos gente como Neil Peart (baterista do Rush), Eddie Van Halen (guitarrista do Van Halen), Peter Green (guitarrista de blues britânico), Ken Hensley (ex-tecladista do Uriah Heep), Spencer Davis (guitarrista britânico) e muitos outros.
Mais do que um artista diferenciado e inigualável, Bowie teve o mérito de se tornar o primeiro astro internacional multimídia, dominando com competência várias modalidades, digamos assim. Músico performático e dramático, atuou no cinema e na TV com sucesso, assim como suas passagens pelo teatro, dança e mímica (no início de carreira). Diante disso, sua capacidade de surpreender era imensa.
Nunca se incomodou em criar personagens e matá-los sem cerimônia quando enxergasse novas possibilidades. Foi assim como Ziggy Stadust, o Thin White Duke, o revolucionário de Berlim e o modernoso astro pop antenado com as técnicas mais avançadas de estúdio nos anos 80.
E, quando ninguém esperava, decidiu ser apenas o vocalista de uma banda de hard rock de vanguarda no início dos anos 90, para depois se tornar o artista mais experimental e inquieto do final do século passado.
David Bowie adotou a reclusão no século XXI depois de quase 35 anos de carreira onde a ousadia, a audácia e a inovação predominaram, assim como o espalhafato de suas várias personas. Contrariando – e surpreendendo – a trajetória, mas coerente com os últimos anos, partiu de forma discreta.O Bowie ser referia à marca de uma faca de sucesso nos primórdios do século XX. O primeiro single, "Liza Jane", saiu sob o nome Davie Jones with the King Bees, em 1964, sem sucesso.
Bowie como vocalista da banda Tin Machine, seu projeto de hard rock. Ele queria voltar a ser só mais um em uma banda (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
O cantor penou bastante no rock até 1971, quando o álbum "Hunky Dory" foi lançado e finalmente rendeu alguma notoriedade. "Space Oddity", de 1969, hoje cultuado segundo álbum, surpreendentemente recebeu menos atenção do que devia.
É desnecessário repetir as qualidades que fizeram de Bowie um gênio pop. "Blackstar" é um epitáfio sombrio e meio lacônico de uma grande carreira.
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