quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Invasão no Congresso legitima a cultura do cancelamento, sobretudo na arte

 Marcelo Moreira

A presença abjeta do asqueroso John Schaffer na invasão do Congresso americano nesta quarta-feira (6) resgata a velha discussão que costuma terminar sem consenso ou conclusão: até que ponto os pecados na vida privada influenciam - ou devem influenciar - na apreciação de trabalhos artísticos? Até que ponto a música deve ser afetada ou banida por conta dos desastres cometidos por seu autores?

O guitarrista do Iced Earth,notório conservador, nunca tinha demonstrado extremismo político violento até a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A partir de 2017, suas posições políticas ficaram mais raivosas e demonstrações de autoritarismo e até fascismo viram à tona.

O que antes era um conservadorismo militante, mas sóbrio e moderado, enveredou pelo caminho do extremismo. Schaffer começou a ver fantasmas nas esquinas, enxergar comunistas até no jardim da infância e a bradar contra imigrantes e negros, defendendo uma América "pura", seja lá o que isso quer dizer.

As fotos que o mostram na linha de frente da invasão do Congresso causaram indignação mundial no mundo da música, com críticas de muitos músicos e de muitos fãs - ou ex-fãs.

Sobrou até mesmo para Stu Block, o canadense que é o vocalista atual do Iced Earth. Meio que passando o pano para o chefe, fez postagens nas redes sociais antes da invasão questionando o sistema político note-americano e suscitando um debate a respeito da "perda de liberdades fundamentais e risco da democracia ser desacreditada".

O infeliz acabou sendo trucidado por roqueiros do mundo todo e foi acusado de ser um apoiador de teses racistas, antissemitas e anti-imigrantes.

Há no momento uma campanha mundial para que o Iced Earth e seu projeto com o alemão Hansi Kursch (Blind Guardian), o Demons & Wizards, seja "cancelado", em um boicote que pede que as gravadoras que dão suporte às duas bandas rompam os contratos e coloquem as duas bandas na geladeira.

Boicotes são legítimos e uma arma importante dentro de uma democracia. Servem para obrigar ao menos o debate a respeito de vários assunto e para que empresas corrijam, eventualmente, suas práticas comerciais.

Mas como proceder no caso de obras de arte? Ou obras de referência nas ciências humanas? Como agir quando o autor de uma obra-prima é um crápula, um estuprador, um assediador, um agressor, um fascista? Isso invalida o conteúdo genial de uma obra?

É justo que inviabilizemos a obra de Monteiro Lobato, jornalista e escritor brasileiro criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo? O intelectual foi acusado de racista e nacionalista autoritário por conta der muitas de suas posições políticas.

Jon Schaffer (FOTO: DIVULGAÇÃO)

E o que fizer do guitarrista note-americano Ted Nugent, nome expressivo do hard rock americano dos anos 70, um notório extremista de direita que odeia imigrantes, apoia a disseminação de armas pela população e prega a exterminação de bandidos? Por causa disso nunca mais vamos ouvir "Catch Scratch Fever"?

Antes de Shaffer o alvo era a dupla Van Morrison e Eric Clapton, que se mostraram negacionistas a respeito dos efeitos da pandemia de covid-19 e que protestaram contra as medidas de isolamento social no mundo, fazendo até música sobre o assunto.

Vals,e lembrar que Clapton, totalmente bêbado e drogado, fez declarações públicas em um show na Inglaterra onde atacava imigrantes, sobretudo negros, afirmando que queria uma Inglaterra pra os ingleses. Posteriormente, ele se desculpou sem muita convicção, o que fez a pecha de racista perdurar por muito tempo.

Por causa dessas graves posturas devemos esquecer a grandeza da banda Cream, da qual ele fez parte? Devemos jogar no lixo a carreira brilhante do guitarrista, um dos nomes máximos do instrumento na história da música?

Como a discussão é cíclica e periódica, as conclusões, quando existem, também são variáveis. Assim, no momento, é mais do que óbvio que parece impossível defender a obra do Iced Earth.

A banda de heavy metal tradicional ganhou prestígio no mercado por um trabalho de boma qualidade, com músicas legais e guitarras bastante características, o que tornou seu som reconhecível nas primeiras notas. O Demons & Wizards, com o cantor alemão Kursch, é ainda melhor, com seu power metal vigoroso e peso estupendo. E agora?

Neste momento, confesso que me incomoda escutar e elogiar qualquer coisa do Iced Earth. O fascismo é um câncer de nossa sociedade desde que surgiu e Shaffer mergulhou de cabeça no fascimo ao assumir a defesa incondicional de Donald Trump e sua política nefasta.

Ainda continuo admirando Eric Clapton - muito mais por seu passado -, mas dá vontade de vomitar quando ele assume o negacionismo em relação à pandemia. 

Sua reivindicação de que "os músicos precisam trabalhar" parte do princípio de que a pandemia é um evento aleatório e que "economia e o entretenimento" são mais importantes do que a saúde e a vida das pessoas.

Clapton mancha mais uma vez a sua biografia, mas não a tal ponto de incinerá-la como fez Jon Schaffer e, antes, John Lydon, ex-Sex Pistols, que mostrou-se um ardoroso defensor de Trump esgrimindo argumentos esdrúxulos e mentiras. Como Lydon é um ex-artista em atividade e está recolhido em sua casa, não passou tanta vergonha.

Em época de extrema polarização e em que o orgulho da própria ignorância ganha proeminência, não há como recriminar os cancelamentos em casos como o do Iced Earth. São boicotes mais do que necessários para mostrar que a adesão ao fascismo e às ideias medievais têm consequências.

Assim sendo, começo a rever minhas opiniões sobre o assunto a respeito da obra de artistas como Ultraje a Rigor e Lobão. Como eu reconheço que o boicote é uma arma legítima em uma democracia, deve admitir que esses dois artistas, em razão de seus comportamentos errático e profunda fata de educação - e inteligência -, merecem campanhas de boicote e dá para entender os pedidos de banimento de seus trabalhos para todo o sempre.

Em outros tempos, Schaffer e Ultraje a Rigor seriam exemplos bizarros de artistas equivocados e folclóricos, que no máximo pregariam para ignorantes de carteirinha. 

Entretanto, defender Jair Bolsonaro e invadir Congresso não são comportamentos que possam ser considerados "folclóricos" e, portanto, inofensivos. Quem paguem caro, portanto, pelo medievalismo de seus pensamentos e pela postura de apoiarem políticas autoritárias, discriminatórias e contrárias aso direitos civis e humanos.

3 comentários:

  1. Que imbecil. Além de totalmente equivocado sobre meus motivos. Ainda bem que pelo menos eu vim comentar aqui. Pelo visto, pouca gente quer saber o que vc acha.

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    1. Roger BOSTA Moreira BOSTEJANDO no blog do querido Moreria. Sorry, mas IMBECIL, IDIOTA, ESCROTO, LOSER e BABACA é VC, com sua banda loser, seu roqueiro MERDA apoiador do PIOR DESgoverno que o Brasil já teve. Como diria Johnny Rotten (que também se tornou outro babaca reaça de direita depois de velho): COMA MERDA JUNTO COM BOSTANARO e MORRA, Roger!

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  2. Estou lendo alguns dos posts do blog nesta madrugada, pois tenho muito apreço pelo seu texto e pela sua postura política, comportamental e social. Neste, especificamente, a discussão (ou debate) é longa e renderia um LIVRO aqui. Mas basicamente sou contra o CANCELAMENTO (essa palavra tão em moda na era da web) TOTAL de grandes obras artísticas (sejam elas musicais, literárias, cinematográficas etc.). É preciso compreende e entender MUITO todo o contexto em que elas foram criadas (a época, os costumes da sociedade geralmente mega conservadora e machista etc.). Sim, há trechos de canções clássicas do rock e de obras literárias (amo literatura e poesia) que faziam sentido quando foram criadas, mas que hoje seriam sumariamente banidas dentro do contexto atual em que o mundo procura viver (apoiando o feminismo e o ativismo negro, já que o povo preto sofre há SÉCULOS com um racismo estrutural odiento, seja nos EUA ou aqui, nesse perverso Brasil selvagem e boçalnaro). De qualquer forma não dá pra CANCELAR a obra MUSICAL de gênios como Eric Clapton, por mais MERDA que ele tenha se tornado como SER HUMANO (felizmente sei separar muito bem o ARTISTA e ser humano e suas posturas, da OBRA que ele criou). Ou mesmo do meu ídolo literário Charles Bukowski que, sim, produziu muitos momentos de puro machismo ESCROTO em seus textos mas, também, nos legou algumas das obras poéticas mais excepcionais da história da poesia beat americana.
    Post muito válido, com certeza! Abração daqui!

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