sábado, 2 de janeiro de 2021

No retorno aos estúdios, André Christovam faz magnífico tributo ao blues

 Marcelo Moreira

Em busca de novos caminhos, mas longe de ser um exílio, o guitarrista André Christovam parece ter encontrado a paz necessária na Escócia para voltar ao mercado fonográfico. 

Profundo conhecedor da história da música, foi na terra de Jack Bruce (Cream, 1943-2014) e Ian Anderson (Jethro Tull) que ele reaparece com quatro novos temas após anos de silêncio.

"As If I Ever Left You Behind" é o primeiro de dois EPs que ele está produzindo - o segundo deve ver a luz do dia em 2021, dependendo do andamento das coisas e do mundo, segundo o próprio músico.

As quatro músicas foram lançadas em meados de 2020 e estariam programadas para um lançamento oficial no Brasil ao fim do ano, mas a pandemia de covid-19 mudou os planos. O EP praticamente não teve divulgação, a não ser por esporádicos comentários do baixista Fabio Zaganin, antigo parceiro do bluesman paulistano.  

Já faz algum tempo que o músico trocou São Paulo por Glasgow. Se isso já influenciou diretamente a música sofisticada e elegante do guitarrista teremos de esperar por novas canções. O que temos em "As If I Ever Left You Behind" é coisa fina, padrão que ele sempre se autoimpôs.


Existem fartos elogios para qualificar o guitarrista André Christovam e um deles é o que todo instrumentista almeja: ele é um estilista, um músico meticuloso que construiu uma sólida carreira no blues internacional, com boas e interessantes passagens pelo rock brasileiro dos anos 80.

Talvez seja exagero colocar o EP novo no topo de sua discografia, mas é necessário dizer que é um prazer ouvir as quatro canções - o que nos faz ansiar elas próximas quatro, no EP de 2021.

Se a brasilidade impregnou de forma indelével trabalhos cruciais como "Mandinga" e "Banzo", podemos dizer sem medo de errar que o blues puro, cáustico e moderno domina as ações em "As If I Ever Left You Behind".

Preciso e econômico na medida certa, e também exuberante nos solos, Christovam nos leva a um passeio fascinante a um mundo idílico onde a música explode e contamina. Não é à toa que o bluesman brasileiro agradece a dois mestres norte-americanos, no encarte, pelos ensinamentos de uma via - Rick Vito e John Hammond.

Também faz muito sentido a dedicatória que escreveu para reverenciar todos os heróis do blues que fizeram com que o guitarrista trilhasse o belo caminho que escolheu - e é sublime a maneira como o instrumentista de 2020 interpretou, a sua maneira, os clássicos registrados.

E pensar que a produção, tão certinha e encaixada, de forma simples, necessitou de várias mãos e acertou em tudo. Christovam e Fabio Zaganin, o baixista que deu o suporte preciso para a guitarra estupenda, tiveram a preciosa ajuda de Renato Coppoli no Mosh Studios, em São Paulo. O excelente baterista Albino Infantozzi registrou suas partes em seu próprio estúdio com o auxílio de Jean Angelotti.

Mesmo meticuloso e detalhista, Christóvam gravou o EP de forma leve e isso transparece nas gravações. O formato trio em estúdio, ainda que o baterista não estivesse fisicamente presente, é algo que cai muito bem ao guitarrista. Parece que ele se sente mais à vontade em ocupar todo o espaço possível, e sua guitarra o faz de forma necessária e encantadora.

É um tributo aos mestres, mas também é uma reverência à própria trajetória. "Early in the Morning" evoca o que de melhor o gênero musical produziu, seja nas inúmeras versões que recebeu, seja na mais conhecida entre os roqueiros, nos dedos de Eric Clapton.

André não arrisca tornar sua versão definitiva, mas faz de tudo para que tenha a sua cara. É coesa, vigorosa e triunfante, mostrando uma versão efervescente, digamos assim.

"Serve Me Right to Suffer", do mestre John Lee Hooker, ganha um pouco mais de peso e soa mais rocker, mas com um boogie diferente e desafiador.

André Christovam em frente a Boleskine House, casa que pertenceu ao mago Aleister Crowley e ao guitarrista Jimmy Page (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

Para "Blue and Lonesome", do gaitista e cantor Little Walter, Christovam preferiu seguir a trilha mais tradicional, embora a guitarra acrescente um molho bem particular que a diferencia da também reverente versão recente dos Rolling Stones.

"Love Changing Blues" é um fechamento glorioso, onde a canção de John Hammond recebe toda a carga dramática que merece e carrega, em uma excelente interpretação do guitarrista brasileiro.

O retorno aos estúdios de André Christovam é uma das boas notícias de 2020, um ano para ser esquecido por todos os motivos do mundo. 

A pandemia atrapalhou os seus planos, como os de todos, mas as canções falaram mais alto e trouxeram uma faceta diversa do mágico mundo do blues pelas cordas de um brasileiro referência no gênero. Que bel maneira de começar esse ano de 2021.


4 comentários:

  1. André Christovam é um guitarrista que não tem pressa, tem bom gosto e um slide afinado,sua pontaria é perfeita...bom de ouvir!

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  2. Muito bom, André! Parabéns pela qualidade do som e das composições. Sucesso! ABS

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  3. Versão bem diferente de"Serves me right to suffer". Ficou legal!

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