segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Coragem e liberdade artística dão o tom nos novos trabalhos de Hugo Mariutti e Yohan Kisser

 Uma rara capacidade de enxergar a beleza nas coisas simples da vida costuma render peças de arte muito interessantes, especialmente se o olhar for diferenciado. Essa parece ser uam especialidade do guitarrista Hugo Mariutti (ex-Shaman e irão do baixista Luis Mariutti, ex-Angra), que se descobriu também cantor em seu primeiro álbum solo, "For a Simple Rainy Day", de 2014.

Resgatando essa característica marcante de seu trabalho, buscou de novo as coisas simples e delicadas, como as que viu em um dia chuvoso qualquer, m seu terceiro disco solo, "The Last Dance", e no recente EP, "Blue Era". 

Curiosamente, essas características também no primeiro trabalho autoral de outro guitarrista com sobrenome "nobre" - Yohan Kisser, filho de Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura.

Eles enveredaram por searas diversas do heavy metal, área de origem dos dois, e demonstram coragem e audácia para explorar novos mundos, que vão da nostalgia do rock inglês oitentista a uma fusão de indie rock e MPB ais moderna. 

As críticas vieram em profusão, como era esperado, ms nada que ofuscasse  satisfação pelos bons resultados obtidos - e também pelos objetivos alcançados.

Com belas melodias e um mergulho em suas influências de pop rock britânico dos anos 80 e 90, "he Last Dance" oferece uma sonoridade mais delicada e reflexiva, enveredando por outros caminhos que surpreendem os acostumados a vê-lo destilar riffs e solos pesados ora na banda Shaman, ora no Viper.

"Blue Era" é um aprofundamento da visão mais pop, englobando influências de música eletrônica e homenagens a artistas representativos de 40 anos atrás. 

O álbum cheio é um trabalho cuidadoso e diferente, que ganhou corpo quando do anúncio do fim do Shaman pela terceira vez - e que agora parece definitivo.

"É um disco que tem algumas nuances específicas, sendo que, de certa, forma, é um produto influenciado pelo clima da pandemia de covid-19", disse o músico em entrevista ao Combate Rock.

Hugo Mariutti brinca com sentimentos e palavras de uma forma surpreendente, como na bela canção "Poems", que desfila toda a sua delicadeza e sutileza ao tratar de temas complexos.

"Blur" é o maior destaque, com seus belos arranjos de cordas e seu riff movido a guitarras e violões. Transborda emoção e uma série de outros sentimentos que faze com que a canção empurre o ouvinte para frente.

Para Mariutti, nada mais natural do que expressar um ponto de vista mais reflexivo, mas de viés otimista, olhando para a frente. "Estamos saindo de uma situação bem complicada, pois a pandemia afetou a todos de modo contundente. Eu quis valorizar a vida, e olhei para o que estava em volta. E tem muita coisa acontecendo. É bom se sentir vivo e produtivo."

Há outras coisas que mostram como "Th Last Dance" é interessante nestes tempos de redefinições de planos, de metas e de buscas, como a própria faixa-título, que transforma uma melodia simples em uma bela peça assoviável e de bom astral.

"Consegui reunir um material mais variado, bem diversificado, e isso também tem a ver com outras atividades", diz Mariutti. "Fazendo trilhas para o cinema e a publicidade nos obriga a trabalhar d formas diferentes e observar com mis cuidado o que funciona e o que não funciona. Aprendi a ficar mais direto e observador."

Nesse aspecto, "Ghosts" se encaixa bem dentro da proposta, já que é uma verdadeira gema pop que poderia bem estrelar qualquer álbum oitentista sem soar datado. Seria aparentada de cações de Lloyd Cole and the Commotions, de Siouxsie and the Bad Seeds? Ou quem sabe do Bluer?

"Too Late" abusa do bom gosto ao recriar climas á la Beatles em violões bem timbrados que deram um cara especial a essa balada delicada e, que que o tempo é o grande personagem. Será que ainda temos tempo para os nossos sonhos?

Ao longo das 10 faixas do disco, são explorados estilos, como o rock alternativo em "This Town", pós-punk em "Ghosts" e baladas dos anos 50 e 60 em "The Last Dance". 

Mariutti descreve o disco como "uma mistura de tudo que vem do Reino Unido. Esse trabalho vai desde Gerry & The Pacemakers até The Clash." O músico ainda cita influências que vão de The Smiths, Joy Division, Beatles até Radiohead e Arctic Monkeys.

Ele ficou inteiramente responsável pela produção e composição desse disco, que afirma ter sido o mais desafiador da trajetória solo. "Tento evoluir em cada projeto. As composições desse trabalho estavam fora da minha zona de conforto para cantar. Ao invés de adaptá-las, mantive os tons originais para passar maior emoção. Precisei então treinar bastante". 

Ele também tocou a maior parte dos instrumentos: apenas a bateria e os pianos mais elaborados foram gravados, respectivamente, por Edu Cominato e Flavio Marchesin. Steve Kitch foi responsável pela masterização, e Caike Shaffer realizou os vídeos e fotos do projeto. 

"The Last Dance" é um lançamento ForMusic Records, e está disponível em todas as plataformas, e em CD físico pela loja online do Wikimetal. O mesmo é atribuído a "Blue Era", que tem as mesmas credenciais.

As influências explícitas ficam claras em "Ceremony", do New Order, nem tão reverente à original, mas com arranjos simples e inventivos que remetem a uma sonoridade clássica, mas não datada. Hugo andou muito bem.

"Blue Era" é mais experimental, onde a guitarra não é a protagonista. A melodia é bonita e os arranjos dão um clima mais etéreo. "Crying to the River" é algo mais próximo ao rock, mas com uma mistura de Bob Dylan com a mais melancólica banda de brit pop - escolha qualquer uma, todas se encaixarão no esquema.

E um trabalho mais sereno, de canções tidas como "lado B", como ele mesmo reconhece, o que lhe deu mais possibilidades de trabalhar ainda com mais liberdade para experimentar. Com isso, sua versatilidade lhe confere um lugar distinto dentro do rock nacional.

Yohan Kisser trilha o mesmo caminho e não economizou na diversidade e na surpresa quando lançou o EP "Ao Vivo", seu primeiro trabalho solo autoral - e como surpreendeu aqueles acostumados a vê-lo no Kisser Clan, ao lado do pai, e na banda de hard rock Sioux 66.

Músico jovem, ms veterano de palcos e projetos ao lado de Andreas, absorveu duas características fundamentais do pai - a multilateralidade e a fome de conhecimento, de aprender e de experimnentar.

Se o pai decidiu neste final de ano tocar com a cantora baiana Ivete Sangalo, então soa com absoluta normalidade que a cantora Sandy )da dupla Sandy & Júnior) apareça toda faceira e dando um colorido especial em "Tento", uma quase balada pop de rara sensibilidade. Sandy é uma cantora pop que manda muito bem no jazz e fez um trabalho elogiável na canção "Black Widow's Web", da banda de metal Angra, em 2018.

“EP Ao Vivo” é quase uma jam session de jazz o estúdio, com Kisser totalmente à vontade e dominando o ambiente. "Pêndulo" surpreende pelo peso e uma base contagiante de ritmo nordestinos e uma urgência quase claustrofóbica em cima de uma letra igualmente urgente e bem sacada.

"Eisankeit" é ue m jazz à la Joe Satriani, uma faixa instrumental que transborda sensibilidade e delicadeza. "Amor ao Corpo/Obra" é um medley em que visita vários ritmos regionais, onde parece que a guitarra frenética vai decolar, passando pelo frevo, pela música baiana e bem longe do rock

Além de Sandy, participa o talentoso e espantoso André Abujamra (Mulheres Negras), que cita os textos que compõem o EP. Sua participação é bem bacana na longa "Amor ao Corpo/Obra", sobre uma cama psicodélica instigante tocada por Kisser. É experimental, é viajante e é altamente progressivo.

"Tadpole" é uma canção ainda mais longa - mais de nove minutos - e mais progressiva -, misturando ainda mas os gêneros, sendo a guitarra aqui mis pesada e mais intensa. Não ´uma música fácil, mas é muito interessante a construção/desconstrução de um rock encharcado de referências musicais brasileiras.

"Tento", com Sandy, é ua delicadeza quase angelical, é um fecho para um trabalho bom e intenso, experimental e com alguma originalidade,

"Ao Vivo" foi gravado no Family Mob e mixado por Guto Passos no Lhama Records. O material ao vivo em áudio é fiel ao do que foi gravado em vídeo e sua mixagem fiel ao que foi executado no dia da gravação.  

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