O Sepultura provou que era possível quando o tio da banca de jornal riu e disse: "Esses moleques estiveram aqui outro dia. Falavam muito, pareciam sujos e as pessoas tinham medo deles. Hoje estão em capa de jornal. Que mundo esquisito e injusto".
Foi em algum momento do começo dos anos 90 no centro de São Paulo, próximo da Galeria do Rock. A banda era mineira, embora três dos quatro fossem mais paulistas do que gostariam de admitir. Estampava o alto de uma pagina de jornal grande e importante porque estavam fazendo sucesso no exterior.
Era moleques como nós naquela época, como aos amigos cabeludos do condomínio vizinho ou da casa do fundo da vila onde morava a avó de alguém.
Babávamos quando ouvíamos e líamos notícias sobre Iron Maiden e Judas Priest, e então aqueles moleques de Belo Horizonte (MG), que tinham tomado cerveja com a gente meses antes, agora desfrutava do privilégio de estar no camarim com "deus" Ozzy Osbourne em algum lugar da Europa.
O Sepultura tinha ido além do Viper, que teve lançado álbuns no Japão, mas cuja repercussão era menor que a do quarteto de thrash/death metal.
O Brasil descobria que tinha rock tipo exportação, que cantava em inglês - ainda que incompreensível para a maioria das pessoas - e que fazia sucesso no exterior cantando sobre destruição, devastação e demônios. Era musica extrema, pesadíssima, blasfema e repugnante - e fantástica.
Eles provaram que podiam e incendiaram as mentes e guitarras de milhares, a ponto de um garoto de classe média de Higienópolis, da zona oeste de São Paulo, achar que era viável fazer power metal com toques progressivos e fartas doses de cultura brasileira. André Matos embarcou no Angra com outro visionário, o guitarrista Rafael Bittencourt, e comprovaram que era possível.
Os portais do inferno foram abertos e uma legião de metaleiros brasileiros transformou a Europa, principalmente, em parque de diversões com milhares de quilômetros rodados em turnês intermináveis.
Era possível, e foi o Sepultura que abriu os nossos olhos - e abriu as janelas do mundo para que hoje Krisiun, Crypta e Nervosa desfrutem do do fato de ser referência internacional de qualidade no metal extremo.
O Sepultura é um símbolo do nosso tempo, da nossa cultura e d nossa persistência. O adeus será longo e recheado das melhores lembranças. Um ano e meio tocando pelo mundo antes de as guitarras serem movidas para outras paragens não satisfará a necessidade de Sepultura que teremos a partir de 2025.
Claro que ficará faltando sempre a maldita reunião única com os irmãos Cavalera, mas não se pode ter tudo nesta vida. Se a banda continuasse, tal reunião não faria sentido por conta do contexto. Então porque teria de ocorrer agora, no momento do adeus?
Ó final de uma era, assim como último show do Kiss, no começo de dezembro. A lacuna que ficará será imensa, e nunca será o suficiente agradecermos pelo que o Sepultura significou para o nosso rock e para nossas vidas.
Pioneiros, desbravadores, inovadores, escolha o melhor adjetivo, superlativo ou supremo elogio. Todo cabem, mas o que fica na cabeça dos admiradores e dos que percebem a importância do Sepultura é a grande percepção de que era possível triunfar no exterior e ser referência. Talvez a importância disso seja difícil de medir neste momento.
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