domingo, 31 de dezembro de 2023

Tin Machine, a aventura roqueira de David Bowie, completa 35 anos

 Um astro de rock supercriativo e dinâmico, mas que estava entediado e cansado da mesmice dos anos 80, com seus excessos de produção dos álbuns e com o comercialismo dominando dava vez o mercado.

Com saudades da simplicidade dos anos 70, rompe com tudo e decide ser apenas mais um em uma banda de rock pesado. Quem seria maluco de fazer tal coisa após os anos de seu maior sucesso comercial? 

Na semana que marca o oitavo aniversário da morte de Davi Bowie, relembramos a aventura roqueira do astro inglês que era sinônimo de mutação dentro da música pop, estando sempre na vanguarda. Foi sua aventura ais legal e mais ousada, dependendo do ponto de vista. 

Será que ele conseguiria se despi do astro gigante que era para se tornar apenas um vocalista/crooner de uma banda, apenas mais um integrante?

Trinta e cinco anos atrás, David Bowie iniciava uma aventura corajosa, a de se enfurnar com três músicos de larga experiência, mas de postura de "garagem", em uma banda de hard rock. 

Não deu tão certo quanto deveria ter dado, mas o Tin Machine é considerado por muita gente a melhor coisa que o cantor inglês já fez - e eu me incluo na lisa. 

David Bowie teve a coragem de mudar tudo na sua carreira em 1988: largar a sua sonoridade pop por excelência e todos os exageros de produção, para viver o mundo do rock "real", como chegou a dizer em um programa de rádio de Nova York.

"Quero ser apenas um integrante de uma banda de rock selvagem e barulhenta, como era no início", disse o cantor, como se fosse possível Bowie ser apenas mais um em qualquer projeto, ainda mais quando foi ele que inventou a coisa e a bancou, digamos assim. A banda tinha ele como cantor principal e compositor predominante. 

A "banda" de David Bowie foi uma aventura bastante divertida., artisticamente instigante e prolífica, mas a maioria do público não entendeu a proposta. 

Os antigos fãs, os "clássicos", se sentiram "órfãos" de Ziggy Stardust, do Thin White Duke, do experimental artista do período "alemão" do fim da década de 1970 e do camaleão pop que reinou nos anos 80 com os excessos de teclados e de produção. Rejeitaram sem dó o rock mais pesado e agressivo.

O projeto tomou forma em 1989 e evoluiu rápido, com um álbum marcante, Foram dois discos de estúdio e duas grandes turnês americanas e europeias

Tudo muito intenso e rápido, e então o Tin Machine acabou sem muitas lamúrias em 1992 - estava também acossado pelo estouro do grunge, mas principalmente pelas vendas apenas boas, mas decepcionantes. 

"Houve um momento em que eu me cansei de ouvir perguntas sobre as minhas músicas antigas e gritos na plateia querendo ouvir coisas como 'Let's Dance'. Percebi que eu precisava recuperar esse legado quando cheguei à conclusão de que o Tin Machine não tinha mais perspectivas artísticas", declarou  cantor à revista Rolling Stone anos depois. 

Ousadia surpreendente

Bowie não foi o primeiro a ansiar pela "volta às raízes" ou por uma suposta simplicidade associada à adolescência ou aos primórdios do rock. Os Rolling Stones fizeram isso em 1968 com  o LP "Beggar's Banquet"; The Who em 1975, com "The Who By Numbers"; o Led Zeppelin preparava um material mais básico e menos rebuscado antes de acabar, em 1980, assim como os Beatles pensavam em fazer o mesmo em 1969 - o fim chegou antes, no ano seguinte.

Tin Machine não era exatamente um retornou às origens, mas um projeto diferente só com guitarra, baixo e bateria, mas cru e pesado, aliando a urgência do punk rock com a base bluesy do hard rock. Nos primeiros ensaios ficou claro que era aquilo que Bowie queria.

O resultado imediato disso foi "Tin Machine", o primeiro álbum ao lado de Reeves Gabrels (guitarra) e dos irmãos Tony Sales (baixo) e Hunt Sales (bateria e vocais). Foi uma guinada e tanto na vida em 1989. 

O astro pop inglês abandonou o sucesso até certo ponto fácil (e brilhante) dos discos "Let's Dance" (1983), "Tonight" (1984) e "Never Let Me Down" (1987), casou-se com uma modelo africana e chamou amigos de longa data para embarcar em sua aventura roqueira.

 O quarteto é surpreendente pelo peso e pela simplicidade (ao vivo eles tinham o auxílio de um guitarrista adicional, Eric Schemerhorn). 

Tendo como modelo os Stooges, de Iggy Pop, pais do punk rock no início dos anos 70, o Tin Machine apostou em um rock acelerado e com guitarras na cara, além de uma bateria marcante e martelada em algumas músicas. 

Deu certo, mas principalmente por causa de Bowie, o grande mentor do projeto e do conceito. "Tin Machine" foi gravado rapidamente em Nassau, nas Bahamas, e lançado em 1989 contendo várias músicas excelentes, como "Heaven's in Here", "Under the God", "Amazing" e uma visceral versão para "Working Class Hero", de John Lennon. 

As letras estavam mais raivosas e as melodias construídas por Gabrels eram marcantes. O sucesso foi absoluto e rendeu uma bem-sucedida turnê norte-americana. 

Um breve intervalo para ajudar o amigo Iggy Pop na gravação e produção do álbum deste, "Lust for Life", e logo grupo embarcou para mais uma turnê, desta vez pela Europa.

O quarteto resolveu dar uma pausa em 1990, enquanto Bowie cumpria compromissos na turnê solo "Sound + Vision", do mesmo ano. Ao final desta, não parou: entrou logo em estúdio para gravar "Tin Machine II". 

Ambiente mais sombrio

O peso e as letras inspiradas ainda estavam lá, mas a mão de Bowie marcou grande presença no direcionamento mais pop do grupo, enquanto as canções ficaram mais sombrias, melancólicas e pesadas em vários sentidos. Esse cenário desagradou a Reeves Gabrels, sem muito espaço para sua guitarra inventiva e barulhenta. 

Longe de ser ruim, o álbum tem grandes momentos, como "You Belong To Rock'n Roll", "If There is Something" (versão para uma canção do Roxy Music), "Baby Universal", "Goodbye Mr. Ed" e o ótimo blues "Stateside", cantada pelo baterista Hunt Sales. No entanto, o entusiasmo de público e da própria banda arrefecera diante de uma receptividade morna e vendas menores que a do trabalho anterior.

Gabrels afirmou em 1995, em entrevista à revista Rolling Stone, que a banda acabou porque o direcionamento mais pop afugentou um público diferenciado conquistado em 1989 com a mistura de hard rock e blues do primeiro álbum. Ao mesmo tempo, não agregou novos aficionados em grande quantidade.

Já Bowie afirmou algumas vezes que as músicas compostas ficaram aquém do que ele esperava em qualidade. O rompimento, amigável, ocorreu no começo de 1992.

"Oy Vey Baby", LP ao vivo bem curto lançado no final daquele ano, também fracassou nas vendas. É um bom disco, mas não captou a essência da banda, que estava a todo vapor na turnê do primeiro disco.

Esse CD ao vivo traz alguns momentos pinçados durante a turnê europeia de "Tin Machine II". O grupo estava bem, mas sem a energia demonstrada nos shows iniciais. 

De qualquer forma, o Tin Machine é uma das boa surpresas da carreira de David Bowie, marcada por viradas importantes e direcionamentos bastante criativos ao longo de quase quatro décadas.

Para quem gosta de rock mais pesado, o grupo é uma boa amostra do que o hard rock do início dos anos 90 poderia ter sido se não estivesse tão contaminado pelos excessos de produção, teclados e arranjos diversos e diferentes da década anterior.

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