quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Metal nacional tipo exportação: Angra e Edu Falaschi

Os dois álbuns de rock pesado de bandas nacionais mais esperados de 2023 movimentaram o mercado como há muito não acontecia, e não por acaso de que tudo girou em torno de uma palavra mágica: Angra.

O quinteto que um dia surgiu mergulhado no power metal e que, progressivamente, foi migrando para o prog metal (com o perdão da repetição) gerou algumas das páginas mais bonitas da música brasileira com suas três encarnações e continua sendo a principal banda de metal nacional depois do Sepultura

Edu Falaschi substituiu Andre Matos no Angra e cantou na banda entre 2000 e 2012. Sua saída não foi tranquila, mas a "contaminação" pelo germe do prog metal foi tamanha que isso se refletiu dez anos depois com o início de sua carreira solo e o lançamento de dois álbuns conceituais fenomenais, deixando o "Angraverso" em total insanidade.

O Angra, por sua vez, respondeu à altura, já que seu novo álbum, "Cycles of Pain", só saiu em novembro - Falasch colocou "Eldorado" no mercado em junho.

Para o Angra, a palavra chave em 2023 foi estabilidade, palavra que costuma aumentar a confiança e a estimular a inovação e a criatividade no mio artístico.

E a estabilidade nunca foi tão desejada pela banda. Desde que Kiko Loureiro saiu para entrar no Megadeth. mantém a mesma formação e passa pelo melhor momento desde que o italiano Fabio Lione se firmou como vocalista principal. 

Só há motivos para comemorar e "Cycles of Pain", o terceiro trabalho desta era, é o melhor retrato da estabilidade conseguida - e é também o melhor cartão de visitas que o angra poderia mostrar nas celebrações dos 30 anos de carreira - agora 31, empurrados ela pandemia de covid-19.

O álbum expõe todo o bom gosto revelado em "OMNI", de 2018, e consegue ir além, diversificado o som de forma mais ousada e corajosa, seja nos arranjos ou nas composições ainda mais elaboradas. 

Superar é realmente necessário?

Muito se falou na necessidade de o Angra superar o ótimo "OMNI" em trabalhos futuros, mas esse conceito de superação só existe na mente competitiva de fãs ansiosos por conteúdos inédito. 

Um CD não precisa ser melhor do que outro e nem precisa superar o passado. Precisa ser bom, emocionante e agradável. "Cycles of Pain" cumpre essa papel de forma completa.

Confiantes e descontraídos, os músicos do quinteto fizeram um grande álbum, em que a diversidade e a inteligência são as principais características, onde o heavy metal predomina, mas há a inserção de inúmeras influências e elementos que traduzem a sede de inovação. Não há nada revolucionário, mas ha muita coisa diferente.

Para os saudosistas dos tempos de power metal na velocidade da luz, há a emblemática "Ride Into the Storm", um dos singles adiantados e que faz uma conexão com o passado distante - é rápida, forte e tradicional.

Já os mais sedentos por surpresas vão se deliciar com os ares progressivos de canções maravilhosas como "Faithless Sanctuary" e "Here in the Now", que brincam com os ares progressivos e elementos de música brasileira, tudo embalado em um clima de Dream Theater na estrutura básica das canções.

Lione d´o recado e brilha

E então temos Fabio Lione completamente à vontade com a musicalidade brasileira da segunda canção, totalmente ambientado e se sentindo integrado ao DNA da banda. Já são dez anos no Angra, falando cada vez melhor o português e incorporando alguns dos maneirismos nacionais. Alguém ainda tem dúvidas a respeito de sua presença na banda?

Ele e os guitarristas Marcelo Barbosa e Rafael Bittencourt brilham na faixa-título, um primor de metal progressivo bem construído e lastreado por uma letra forte e, ao mesmo tempo, sensível.

No terreno pantanoso das misturas de estilos com a participação de artistas de fora do metal vem um improvável acerto: o cantor pernambucano Lenine impõe respeito, suavidade e estilo na delicada "Vida Seca". 

Na primeira parte da canção, em português, ele imprime uma sutileza emocionante, que casa com a segunda parte mais dramática, em inglês, na soberba interpretação de Lione sobre arranjos notáveis de guitarra.

"Generation Warriors" é um belo tributo ao Angra de 20 ano atrás em um power metal que fez a fama internacional da banda e que nos lembra do que o metal nacional produziu de melhor ao longo de sua história. 

Há o indefectível momento épico, é claro, com o belo encerramento de ares erudito-operístico em "Tears of Blood", onde Fabio Lione desfila toda a sua classe e seu vasto repertório o lado da impressionante cantora americana Amanda Somerville (Trillium, Kiske-Somerille).

Aparentemente desolado, o dueto  faz todo o sentido em uma obra que pretende ser plural e condensar 30 anos de história e influências. É um marco na trajetória discográfica da banda por se aventurar no perigoso caminho da inovação - quando é muito fácil escorregar e cair na autoindulgência. 

Experientes, os músicos fugiram da armadilha e mantiveram a competência, transformando a canção em um encerramento condizente com um álbum extremamente agradável e, até certo ponto, surpreendente, principalmente quando observamos que contém também músicas densas e muito pesadas, como "Gods of War", uma contundente critica sociopolítica aos "donos do mundo".

Os momentos mais suaves ficam pelas duas partes de "Tides o Change", que incorporam elementos folk e arranjos mais sóbrios, que contrastam com a agressividade calculada de "Dead Man on Display", possivelmente a mais pesada do trabalho.

Com a irrepreensível participação do norte-americano Dennis Ward na produção, Cycles of Pain" é um produto adequado de sua era e apresenta como e o metal pode extrapolar seus limites apostando na inovação e na inteligência, tudo com coragem, mas também com foco e organização. 

Em um ano em que há fortíssima concorrência dentro do rock brasileiro, "Cycles of Pain" lidera as apostas de melhor trabalho brasileiro em 2023. 

Escrito principalmente por Rafael Bittencourt (guitarra) e Felipe Andreoli (baixo) - além de Lione, fazem parte o guitarrista Marcelo Barbosa  o baterista Bruno Valverdde - e produzido por Dennis Ward, a equipe se retirou para o interior do Brasil por algumas semanas antes de entrar no Sonastério Studio, seguido pelo Elephant Office Studio, Greenhouse Studios e os estúdios individuais dos membros.  

Nas várias entrevistas que concedeu nos últimos dis meses, Rafael Bittencourt destacou a resiliência do Angra em tempos tão duros e difíceis para o mundo artístico e, de maneira geral, para toda a sociedade. 

"O disco 'Cycles Of Pain' é um álbum monstruoso, nascido do fogo e da dor de tempos incertos. É um álbum muito especial para nós por várias razões", analisa Bittencourt. "Nos últimos cinco anos, experimentamos muita dor, desafios, frustrações, glórias e sucessos em uma montanha-russa de emoções que se tornou um grande caldeirão de temas e inspirações." 

A contextualização se faz necessária: o pai de Bittencourt faleceu, seguido pelo membro fundador Andre Matos. E ainda teve a pandemia de covid. "Estávamos isolados, atormentados, lidando com a sombra da doença e da morte diariamente. 

Hoje até parece surreal lembrar de tudo pelo que passamos. Como resultado, este é um álbum denso de experiência e dor acumulada", resume o guitarrista.

Literatura e lição de istória

O Joelho de Porco começou a tradição de "dar aulas de história" dentro do rock nacional nos anos 70, coisa raríssima por aqui até então. 

No exterior, Iron Maiden e Grave Digger se especializaram em álbuns conceituais que abordavam assuntos que iam do Egito antigo à II Guerra Mundial, passando pelos Cavaleiros Templários da Idade Média até os conflitos entre escoceses e ingleses ao longo de quase 500 anos.

No Brasil dos anos 90, o Angra retomou a questão de forma parcial até misturar ficção e história nos álbuns dos anos 2000, nos tempos de Edu Falaschi como vocalista.

Passados mais de dez anos em carreira solo, Falaschi resolveu apostar em trabalhos mais densos e conceituais contando histórias completas tendo como pano de fundo a história do Brasil e das Américas. "Vera Cruz" foi a primeira empreitada em 2021 e o sucesso foi estrondoso ao ambientar a história nos tempos do descobrimento do Brasil.

Na esteira desse conceito, o próximo trabalho, "Eldorado", terá como tema a exploração da América pelos espanhóis nos séculos XV e XVI, em moldes semelhantes ao do disco anterior. 

 Gravado com repertório inédito, conceito musical e literário baseado também na cultura ancestral Asteca e demais elementos da arte Latina, “Eldorado” terá seu lançamento mundial no mês de agosto de 2023 pela King Records (Japão) e Voice Music (Brasil).

Com a produção assinada por Edu Falaschi e Roberto Barros, o vocalista manteve a banda que gravou “Vera Cruz” com Aquiles Priester (bateria), Fábio Laguna (teclados), Diogo Mafra (guitarra), Roberto Barros (guitarra) e Raphael Dafras (baixo). 

O designer Carlos Fides é o responsável pela arte gráfica do álbum. As orquestrações ficaram a cargo de Pablo Greg e os corais realizados por Edu Falaschi, Fabio Caldeira, Mi Alvelli e Raissa Ramos. A coprodução ficou a cargo de Paulo Albino, com mixagem e masterização por Dennis Ward.

Edu Falaschi fala sobre a ansiedade em lançar "Eldorado": “Mal posso conter minha empolgação ao imaginar a reação dos fãs ao material que estamos preparando. Cada nota, cada palavra e cada detalhe foram cuidadosamente pensados para proporcionar uma experiência única e de alta qualidade. E não posso deixar de mencionar o quão magnífico está o box 'Eldorado'. Sua beleza é simplesmente deslumbrante! Estou ansioso para que você tenha esse produto extraordinário em suas mãos e desfrute de tudo o que preparamos com tanto carinho.” 

A complexa história do álbum anterior, “Vera Cruz”, foi ampliado e se tornou uma trilogia. Nesta segunda parte, Edu Falaschi mostrará ainda mais temas relacionados à América Latina, incluindo o Brasil, com músicas cinematográficas que surpreendem o ouvinte e que seguem a história inicial do primeiro trabalho.

"Eldorado" é a segunda parte da trilogia da saga de Jorge, personagem principal da história do álbum “Vera Cruz” e também o segundo disco da carreira solo de Edu Falaschi. 

Essa obra traz como grande diferencial, devido ao fato da história de "Eldorado" iniciar com o encontro do Bispo Negro e o império Asteca, uma abordagem do artista em transitar pelas mais diferentes vertentes da música latina, desde o período pré-colonial até a música latina moderna, com músicas em espanhol, línguas nativas, ritmos, harmonias e melodias características de uma cultura milenar de grande valor cultural para a humanidade.

Sara Curruchichi foi a primeira convidada anunciada. Sara é uma cantora e compositora indígena guatemalteca que mantém vivas as mais profundas raízes da América Latina, cantando suas canções em kaqchikel, sua língua materna, originária da civilização maia, que surgiu no México cerca de 2500 anos antes de Cristo. 

Como uma forma de ilustrar todo o conceito por trás da história de Eldorado, a relação entre os astecas, Bispo Negro e os espanhóis, além de homenagear as mais profundas raízes latinas, Sara Curruchich foi uma escolha acertada na interpretação álbum.

O álbum tem lançamento mundial previsto para agosto de 2023. A pré-venda já está disponível, de forma limitada, numerada e conta com uma caixa exclusiva contendo uma caixa estilizada em arte asteca, digibook, camiseta, caneca, réplica de dobrão espanhol e um brinde surpresa.

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