sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Black Pantera destroça o racismo e impulsiona o orgulho negro

Marcelo Moreira

Qual é o preço da cidadania? E qual é o preço da luta pela cidadania? As eleições de 2020 deram uma resposta, ainda que parcial: o preço é alto, mas os resultados são gratificantes, com um recado forte aos disseminadores de ódio, aos preconceituosos e racistas. 

Mas é uma luta incessante e não pode parar por um segundo, a julgar pelas manifestações abjetas que ainda temos de aturar - a primeira vereadora negra eleita na história de Joinville (SC) foi alvo de toneladas de xingamentos de teor racista e de todo o tipo de manifestação preconceituosa após a eleição.

Temos saudado aqui a postura da banda Detonautas Roque Clube neste período nefasto de governo protofascista nefasto em plena pandemia de covid-19. 

A banda se mostra engajada, tem posicionamento político antifascista claro e cobra maior participação da sociedade na manutenção da democracia e das liberdades fundamentais, além de combater todo tipo de preconceito e racismo.

De Minas Gerais vem mais um grito importante contra as vozes do retrocesso e do medievalismo. O trio hardcore Black Pantera luta todas as canelas ao mostrar a força do movimento negro e como as iniciativas antirracistas tornaram o ambiente social brasileiro mais democrático e plural.

A banda lança nesta sexta-feira, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o EP "Capítulo Negro". Os três músicos, que são negros, escolheram três canções com discurso forte sobre empoderamento e fizeram novas versões para clássicos de outros gêneros musicais - um EP de covers.

As escolhidas foram "Identidade" (Jorge Aragão, sambista), "Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro" (Alexandre Meneses/ Marcelo Lobato/ Marcelo Yuka/ Nelson Meirelles), sucesso do álbum de estreia d'O Rappa, e "A Carne" (Marcelo Yuka/ Seu Jorge/ Ulisses Cappelletti), conhecida na voz de Elza Soares.
 
Como as músicas estão ligadas pelo mesmo tema, racismo e luta contra o preconceito, a banda também produziu um curta-metragem de 12 minutos dirigido por Leonardo Ramalho, da Pajé Filmes, que já fez anteriormente os clipes de "Punk Rock Nigga Roll" e "I Can’t Breathe", lançado como um protesto inflamado pelo assassinato de George Floyd, em junho. 

O ator Edson Militão participa do três atos do filme, cada um com a trilha de uma das canções que compõe o EP. 
Black Pantera (FOTO: DIVULGAÇÃO)


O baterista Rodrigo Pancho conta que "Identidade" fez parte de sua adolescência. "Comecei aos 14 anos tocando percussão e Jorge Aragão na época era uma grande referência. Quando surgiu a oportunidade de fazer esse trabalho, fiz questão de incluir essa canção." 

Chaene (baixo) fala sobre a força dos versos de "Todo Camburão tem um Pouco de Navio Negreiro": “Apesar de ser uma música de 1994, é atemporal e remete à atualidade, se tornando ainda mais urgente com o aumento da violência racial por parte da polícia, do estado e da sociedade como um todo. É um marco na nossa carreira fazer uma releitura de uma canção como essa”.

"A Carne", que já faz parte do repertório do Black Pantera, fecha o EP. "Alguns anos atrás fomos convidados para tocar num festival no Dia da Consciência Negra e pediram que a gente escolhesse uma música que representasse a data. Escolhemos essa, muito emblemática, adaptamos ao nosso estilo e acabamos incluindo nos shows", analisa o vocalista e guitarrista Charles Gama.
 
A música do Black Pantera é poderosa e raivosa. Marca presença e sia como um brado de um povo que desperta. Nunca esse tipo de som foi tão necessário como agora.

Chamar esse tipo de som como "identitário", numa tentativa de rotular para desqualificar, não cola. Da mesma forma que estamos vendo uma série de bandas com mulheres se destacando, é redentor saber que também o rock abre perspectivas para outros tipos de bandas engajadas.

Se Planet Hemp e O Rappa sofreram algum tipo de crítica por conta do suposto som "identitário ou engajado", deram a volta por cima e conseguiram destaque pela perseverança e qualidade na busca de um som próprio. 

Os conservadores adeptos da bobagem de que "música e política" não se misturam estão horrorizados com esse tipo de cultura em ascensão, que vai desde bandas de rock de negros, de meninas que assumem a bandeira LBTI na integralidade, de escritoras feministas e na ocupação de espaços de todos os tipos por representantes de grupos sempre marginalizados.

Assim como o Living Colour foi um soco no estômago quando surgiu e, lentamente, foi introduzindo uma série de pautas de cunho engajado e social para reflexão - quem não se lembram das músicas "Bi" e "Auslander", que denunciavam o preconceito sexual e contra os imigrantes e estrangeiros na Europa -, Black Pantera é uma série de tapas na cara dos extremistas que adoram uma discriminação.

"Capítulo Negro", o curta-metragem formado pelos clipes das três canções do EP, é claustrofóbico e incomoda muito. Recria odos os clichês do dia dia da vida de um cidadão negro da periferia, passando pelas ofensas do "preto de alma branca", pelas enquadros frequentes por policiais civis e militares racistas e mal intencionados e pela profunda desigualdade que atinge a população negra - a maioria dos brasileiros - em relação aos brancos.

O curta denuncia, mas também espalha orgulho e esperança diante de uma realidade com inúmeros obstáculos. O orgulho de ser negro permeia as três canções e é capaz de mover uma nação ao som pesadíssimo do thrash/hardcore que desconstruiu um samba de Jorge Aragão e o transformou em um hino de resistência pesadíssimo e necessário.

Para cada vereadora negra eleita - em Curitiba (PR) e em Joinville (SC) - atacada por mensagens racistas e ameaças por conta de sua cor, joguemos Black Pantera na cara dos lixos humanos que desdenham da diversidade e que defendem o aprofundamento das desigualdades sociais e dos pensamentos racistas do tempo da escravidão.

A carne mais barata do mercado é a carne negra, como diz a música "A Carne", mas o preço está subindo rapidamente. A carne negra está se tornando a mais importante do mercado. Que assim seja!


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