Marcelo Moreira
Enquanto comerciantes e candidatos a prefeitos anseiam por liberar tudo e garantir um Natal que seja o suficiente para amenizar perdas, a ciência alerta para o aumento gigante de novos casos e o saturamento das UTIs nos hospitais.
Fechar tudo de novo ou ignorar a nova onda de contaminações e fazer com que o papai noel faça um pouco de alegria a uma nação acossada pelo coronavírus e pela suprema incompetência de um governo protofascista e negacionista?
Os especialistas bradam por um Natal mínimo e sem festa, como deverá acontecer na Espanha, na França e na Itália: ceia de Natal com no máximo seis pessoas, e todos da mesma família, e de preferência que ninguém seja de fora.
Esses mesmos especialistas sugerem novas medidas de restrição à atividade econômica e mais paciência para que as pessoas consigam manter algum distanciamento, de preferência sem festas de Natal e Ano Novo.
Os debochados e inconsequentes ignoram tais "sugestões", usando como argumento as imensas aglomerações em praias e festas "populares" no Rio de Janeiro e em São Paulo para erodir a necessidade de isolamento.
"Como decretar distanciamento com praias cheias?", ecoando um argumento imbecil de um general imbecil que integra o núcleo principal do lamentável e irresponsável governo federal. "A contaminação é inevitável", vomitou o incompetente.
Na busca por soluções práticas que não transgridam tanto as recomendações de infectologistas e médicos da linha de frente no combate ao vírus, alguns artistas que foram ferrenhos defensores da ciência e da preservação da vida começam a fraquejar.
Detonautas Roque Clube, a banda brasileira mais engajada nos protestos contra as patifarias e bagunças promovidas pelo governo federal e pela lamentável Prefeitura do Rio de Janeiro, decepcionou ao anunciar um show acústico em um bar no Rio, "para somente 200 pessoas e tomando todas as medidas determinadas pelos protocolos de saúde".
O vocalista, Tico Santa Cruz, que foi um exemplo na defesa do isolamento e se mostrou uma voz serena no enfrentamento da pandemia, tentou justificar o evento nas redes sociais ao mencionar os nove meses de inatividade da banda, as necessidades financeiras de toda uma cadeia produtiva e a necessidade artística de produzir e mostrar-se produtivo.
Diante do aumento exponencial de casos no Rio de Janeiro, com elevação dos índices de ocupação das UTIs de todos os hospitais, Santa Cruz voltou às redes sociais para, de forma sensata, cancelar esse show acústico por conta do agravamento do quadro. Ainda bem.
Para nós, do Combate Rock, foi uma bola fora - não é hora de voltar à promoção de shows com público presencial -, mas parcela expressiva de seus fãs e apoiadores, no Facebook, apoiou a iniciativa e comemorou a volta à ativa.
Os gaúchos do Nenhum de Nós tiveram de esperar por um ano para finalmente realizar uma sequência de três shows acústicos em São Paulo. Outra banda engajada e exemplar na condução dos negócios e no respeito absoluto aos fãs, não resistiu a uma série de necessidades para retomar o projeto de relembrar os 25 anos das apresentações marcantes em São Paulo quando da explosão do unplugged da banda.
Krisiun e Golpe de Estado já tinham feito suas apresentações na vã esperança de dar o pontapé na retomada dos shows em São Paulo e, por tabela, no restante do país.
Anda predomina a opinião geral de que a volta plena dos shows acontecerá, de fato, a partir de maio de 2021, o que mostra que, por enquanto, sabedoria e a cautela dão o tom na hora de discutir a conveniência de se fazer, neste momento, shows com público no momento em que disparam os novos casos da doença.
Entretanto, quando bandas grandes e relevantes rompem com o pensamento cauteloso e abrem precedentes para que, ainda que para plateias mínimas, as apresentações sejam retomadas, sinalizam de forma negativa para a diminuição, ainda mais, do isolamento social, indo na contramão do que pregavam até há pouco tempo.
Infelizmente, para quem está batendo sem dó e humilhando a porcaria do governo Jair Bolsonaro e seu mundo insano, a decisão de fazer um show com público enfraquece um pouco o discurso contundente de Tico Santa Cruz e dos Detonautas, abrindo uma brecha para que o mundo conservador aponte, de forma a não haver muita defesa, as incoerências dos argumentos artísticos pró-isolamento e pró-combate à pandemia.
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