terça-feira, 17 de novembro de 2020

Bruce Springsteen e Neil Young extraem beleza da melancolia em tempos de pandemia

 Marcelo Moreira

Reflexões sobre o fim da vida, a chegada da morte e o legado que as pessoas deixam. Melancolia demais em tempos presados de pandemia do covid-19 e isolamento social? Não quando se tem o privilégio de apreciar o trabalho de artistas preciosos como Bruce Springsteen e Neil Young, que estão com trabalhos novos no mercado.

Artistas septuagenários, ou quase, conseguem transformar coisas simples e singelas em grandes canções, mostrando que há várias faces de um mesmo problema, se é que é mesmo um problema, ao encarar o ocaso da existência.

É complicado encaixar "Letter to You", de Springsteen, em sua discografia recheada de grandes álbuns, um mais belo do que o outro. A beleza de um compositor de colocar a frase certa, a rima certa, no contexto preciso, é algo que precisa ser celebrado, e o bardo de New Jersey faz isso melhor do que todos.


Springsteen se assume como bardo tanto na composição como na interpretação. Mais folk e blues do que rock, deixa os arroubos de lado e aposta em maneiras mais delicadas de abordar temas difíceis e delicados.

As reminiscências de uma vida vencedora precedida de muita luta e muito trabalho dão o tom das principais canções, mas há também muita esperança em meio à melancolia.

Bruce fala com muita gente - parentes que já foram, ex-parceiros e antigos amores, filhos e filhos de amigos. Direto, sereno e paciente, celebra as grandes fases da vida e reflete sobre os reveses. É uma aula de introspecção e de autorreflexão.

"Letter to You", a canção, é um diálogo com o passado, mas passa longe de um acerto de contas. Com suavidade, é uma ode à esperança e à tolerância.

O mesmo podemos dizer da emblemática "Burnin' Train", em que revisita a infância própria e as boas lembranças de outros parentes próximos.

Já a esperança é o tema principal de baladas maravilhosas como "Song for Orphans", "Ghosts" e "Last Man Standing", que ressaltam o exímio trabalho lírico de um artista reconhecido como um dos grandes representantes da corrente musical que celebra o homem comum e o sentimentalismo de uma forma delicada.

As guitarras soam mais discretas por todo o álbum, mas predominam na curiosa "AThousand Guitars", que é uma celebração dos músicos e da vida na estrada. 

O lado espiritual aparece embalado por violões e pianos nas pungentes "The Power of Prayer" e "If I Was a Priest", que emanam bons fluidos e pensamentos. 

"Letters to You" é um disco que faz bem, que conforta e mostra a beleza e a simplicidade das pequenas coisas. 


O canadense Neil Young decidiu revisitar o seu próprio passado de uma forma diferente, mais direta e de forma semiacústica. Clássicos do passado ganham nova roupagem e nova dramaticidade.

"The Times", o EP compilado a partir da série Fireside Sessions, realizada durante o isolamento social,  lança novo olhar para uma música política por excelência. 

"Ohio" conta a história de quatro estudantes mortos em um protesto universitário contra a Guerra do Vietnã, em 1970. A contundência está ali, mas apresenta um novo olhar para a questão, 50 anos depois.

"Alabama" também fica mais dramática, embora, de certa forma, perca um pouco de energia. "Southern Man" mostra uma delicadeza poucas vezes antes vista na obra do cantor e guitarrista canadense, e "Campaigner" segue na mesma toada. 

Também maravilhosa é a versão de "Little Wing", composição de Young do álbum "Homegrow". Delicadeza e doçura resumem s sentimentos em relação à canção.

Tem também "The Times They Are a Changin'", uma magistral versão de um clássico de Bob Dylan, onde o guitarrista assume a sua porção bardo. É comovente ouvir Young reeditar a forma de cantar de gente como Peter Seeger e Woody Guthrie.

De formas diferentes, os dois artistas atingem resultados parecidos, em alta qualidade e profundamente comoventes. Certamente serão álbuns totalmente identificados com esse período de pandemia e suas terríveis consequências - e mudanças que provocou.

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