Marcelo Moreira
Planos interrompidos, planos reforçados, planos melhorados. A pandemia de covid-19 forçou mudanças drásticas no modo de operação de artistas de todos os calibres, em todas as áreas.
No underground roqueiro brasileiro, as consequências foram drásticas e obrigaram nomes da cena a reorientar trabalhos pensados por anos e que teriam em 2020 o auge na divulgação de novos trabalhos. Como se adaptar aos novos tempos e às restrições impostas pelo isolamento/confinamento social?
Houve quem apostasse na profusão de lives, com ou sem doações, com ou sem financiamento coletivo. E houve quem tivesse de progredir e prosseguir - afinal, não havia alternativas para bandas como Válvera, Marenna-Meister e Area 55.
Os paulistas do Válvera, por exemplo, enxergavam 2020 como seu grande ano, com a consolidação do nome no cenário internacional de posse de um grande trabalho, Cycle of Disaster", que recebeu elogios quase unânimes.
A banda chamou a atenção há mais de cinco anos, quando emergiu de Votuporanga (SP) com o ótimo CD "Cidade em Caos", mesclando hard, heavy e um pouco de thrash com letras em português e um som diferente das bandas que faziam som pesado naquele momento - quem cantava em português ou fazia hardcore ou algo parecido com nu metal, na linha do Project46.
No meio do caminho veio a decisão de fazer thrash metal e em inglês, e o álbum "Back to Hell" serviu de transição pra o momento delicado na carreira, mas foi um belo pontapé para a busca de horizontes mais ambiciosos.
"Cycle of Disaster" deveria ser o foguete para catapulta a banda para o tão sonhado passo adiante no sentindo de internacionalizar o nome do Válvera, com a necessária projeção de uma turnê internacional, mas aí um vírus mortal e mundial atravessou o caminho do quarteto.
O que restou ao quarteto paulista? Trabalhar mais e mais e refinar o som que deverá invadir a cena europeia assim que a pandemia permitir (ok, vai demorar bastante, a julgar pela segunda onda da doença em vários países).
O disco é muito bom, com doses equilibradas de riffs de baixo e guitarra modernos e vintage, digamos assim. A produção limpa surpreende, pois consegue valorizar o peso e a técnica apurada em quase todas as músicas.
"Glow of Death" é um dos destaques, unindo os mundos distantes do metal extremo escandinavo e o da Califórnia. Dá para notar um cruzamento de Testament e Death Angel em algumas passagens, assim como a modernidade fica mais evidente em "Cycle of Disaster", onde o trabalho de guitarras é notável.
A bateria porrada chama a atenção na interessante "Bringer of Evil", que tem elementos sonoros já explorados por bandas como Sepultura e Krisiun.
Maturidade e eficiência são as características principais deste bom trabalho, que não pode encalhar por conta da pandemia.
No caso da banda de hard'n'heavy Marenna-Meister, o prejuízo talvez não seja tão grande, pois o projeto já estava delineado com muita antecedência, talvez os objetivos de curto e curtíssimos prazos não fossem tão ambiciosos quanto os do Válvera.
O projeto chama a atenção por envolver o cantor Rod Marenna, conhecido no mercado do metal pela sólida carreira à frente da banda Marenna, que tem quatro trabalhos lançados com muita qualidade, inclusive chamando a atenção de selos internacionais.
A sua associação como guitarrista Alex Meister é inusitada porque não é algo tão distante do Marenna, em termos estilísticos e conceituais. É mais pesado, as guitarras estão mais altas e presentes em "Out of Reach", o disco da dupla, mas ainda assim transita na confortável zona hard na qual Rod Marenna se dá muito bem.
Experiência é o que não falta para a dupla, que teve muito cuidado ao compor o material que estaria neste trabalho, com foco no som pesado e ganchudo daquele hard rock mais pesado dos anos 80 e menos eclético, nem tão bluesy como a banda Marenna.
O resultado é muito bom, principalmente em um subgênero tão pouco sitado pelos roqueiros nacionais. Tudo bem, não é algo fácil de se fazer com competência, mas é só dar uma olhada em trabalhos recentes do Sioux 66 e do Mattilha para perceber o imenso campo aberto pronto para ser conquistado.
Ambos os músicos reúnem ao menos 30 anos de dedicação ao rock pesado e isso, aliado à excelência de seus trabalhos, colocam "Out of Reach" como um dos ótimos trabalhos de 2020.
É tanta música boa que "Out of Reach" parece coletânea. Descontando-se um ou outro eventual excesso de solos de guitarra, temos uma profusão de riffs e refrões que remetem aos bons tempos de Ratt, Dokken e até Motley Crue.
"Gimme All You’ve Got" tem um clima mais old school, à la Whitesnake, mas as guitarras modernas se encarregam de jogar a música na área mais pesada dos anos 80.
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