sexta-feira, 16 de junho de 2023

A estreia em disco dos Rolling Stones e o incômodo que durou quase 60 anos

 Paul McCartney nunca aliviou em seu comentários sobre qualquer coisa, esmo dizendo com a sua simpatia característica. Há uns dois anos, durante uam entrevista, meio de brincadeira, meio alfinetando, disse que considerava os Rolling Stones uma "legítima banda de blues de botecos (pubs) sujos".

Dependendo do ponto do vista e do humor da pessoa poser ser um grande elogio ou uma expressão de menosprezo. 

O que pouca gente sabe é que, há 60 anos, era esse o pensamento sobre o Stones que predominava em Londres, o que enfureceu o mesmo beatle McCartney, que saiu em defesa dos amigos elogiando a contratação da banda pela Decca - a mesma que recusara os Beatles e que não pensou duas vezes, depois do erro, em aceitar a indicação de George Harrison, outro beatle, para contratar aquela "banda de blues de botecos sujos".

Mesmo com padrinhos tão importantes naquele ano mágico de 1963, poucos apostariam que a banda de blues de boteco se tornaria a maior da história do rock (a melhor, como todos sabem, são os Beatles desde sempre).

A amizade entre aas duas bandas e seus integrantes sempre foi notória e conhecida, tanto que a "suposta" rivalidade foi desmascarada ainda no auge da beatlemania, quando ex-funcionários de ambas as bandas davam com a língua nos dentes em pleno ano de 1965 revelando um segredinho: telefonemas em que os músicos combinavam as datas de lançamentos dos compactos (singles) para que não houvesse concorrência/canibalização financeira.

Amizades à parte, a rivalidade artística colocou alguns espinhos nas gargantas que jamais serão digeridos. O maior deles é a "imortalidade" que os Beatles atingiram quando de sua separação, para muitos bastante precoce, tornando-a a "melhor banda de todos os tempos", uma aura imbatível.

Para Mick Jagger, é uma espécie de "derrota" na corrida pelo topo. Não bastam os Stones serem os "maiores", os "mais longevos" ou o portentoso epíteto de "o maior símbolo do rock/sinônimo do rock".

É um assunto indigesto, e Jagger demonstrou isso em 1984 quando foi ao Rio de Janeiro gravar partes de um videoclipe para uma canção solo. 

"Quem são os melhores? Beatles ou Stones?", disparou um jornalista carioca na entrevista coletiva. "Os Beatles não existem mais", encerrou a questão o cantor com um sorriso amarelo.

Há outro assunto ainda mais indigesto para Jagger e o guitarrista Keith Richards: a contribuição direta dos Beatles para a ascensão dos Stones além da indicação de Harrison para a Decca.

Por muito tempo, foi u assunto quase que proibido a menção ao fato de que o segundo compacto da carreira dos Rolling Stones, ou seja, a sua terceira música lançada, ainda em 1963, foi uma original de John Lennon e Paul McCartney finalizada no banco de um táxi - ou dentro de um elevador, de acordo com a lenda do momento.

Uma pequena ajudinha dos amigos

Foram poucos os que perceberam a combustão que ocorriam nos palcos dos Stones. Um dos visionários eram um ex-assessor de Brian Epstein, o poderoso empresário dos Beatles. 

Andrew Loog-Oldham era um ano mais novo do que Jagger e Richards, mas era espertíssimo e inteligente. E sabia farejar sucesso, dinheiro e boas oportunidades. Logo cativos os Stones e se tornou o empresário deles ainda em 1963. 

Qual foi a primeira coisa que fez? Convidou os Beatles para ver os Stones em um clube londrino em uma noite de dia de semana. John e Paul não ficaram tão impressionados com o repertório, mas perceberam o mesmo que Oldham: os Stones eram um vulcão sonoro, com performance de palco impactante. 

Os músicos ficaram amigos na aquela noite e dias depois o apartamento de Brian Jones, que anda hospedava Jagger e Richards, viraria ponto de encontro de toda a galera e mais alguns músicos que viriam a ser astros no futuro.

Jagger, Richards, Jones e Oldham tinham pressa e queriam fazer sucesso rápido para aproveitar o começo da beatlemania. O problema era que seus integrantes não compunham. A banda não tinha material próprio.

Na pressa, o primeiro compacto escolhido foi uma versão surrada de um antigo sucesso do guitarrista americano Chuck Berry, "Come On", com a então obscura (na Inglaterra) "I Want to Be Loved", de Willie Dixon e que foi clássico de Muddy Waters em 1955.

Os resultados nas paradas foram animadores, mas insuficientes para os ansiosos Stones. A música teve boa recepção, mas logo caindo nos rankings. Era uma estreia razoável, mas o que viria em seguida.

Foi quando Lennon e McCartney, em uma rara folga em Londres, foram visitar os Rolling Stones no estúdio de gravação. os amigos estavam em plena crise artística e se debatiam sobre qual seria o próximo passo/compacto.

Ao contrário das fake news da época, rolou muito café no encontro, mas nada de bebida alcoólica ou outras coisas, apesar de ser final de tarde. Entre risinhos nervosos e piadas imundas, Jagger soltou de uma vez, meio na brincadeira: "Será que vocês não têm ma canção no bolso para nos 'emprestar'?"

Com a maior naturalidade e sem pensar muito, Lennon retrucou: "Temos sim, acho que poderá servir para vocês. Só precisamos terminá-la, coisa simples, e aí enviamos para vocês." 

Jagger ficou sem graça, enquanto os outros Stones demonstraram alívio. Jagger não esperava aquela resposta, e logo percebeu o tamanho da responsabilidade, u melhor, da encrenca, ao aceitar gravar uma música dos amigos recentes, mas que via como eventuais e futuros concorrentes/rivais.

A encrenca ficaria maior ainda meia hora depois que os dois beatles foram embora entupidos de café e cigarros; Jagger dedilhava um piano, com uma gaita em uma das mãos, enquanto Jones tentava tirar um blues na guitarra, e eis que John e Paul entram no estúdio.

A pergunta óbvia: "Vocês esqueceram alguma coisa?", disse Richards, dependendo da versão. "Não, é que terminamos a música no caminho de casa e viemos trazê-la e ver o que vocês acham. Será que serve para vocês?"

Um silêncio constrangedor durou alguns segundos de eternidade. A banda de maior sucesso do país oferece uma canção, de presente, para outra, promissora, mas em crise de inspiração. Como recusar o "presente" dos amigos/futuros rivais?

Os Stones apenderam rapidamente, ali, de pé, "I Wanna Be Your Man". Combinaram a data de lançamento e que estaria no lado B do disco que os Beatles lançariam no fim de 1963.

Uma lição valiosa

A explosão dos Beatles em 1963 provocou um súbito interesse por música pop e a concorrência ficou inda mais pesada, o que contribuiu para que a canção com os Stones não atingisse o topo das paradas, ocupadas pelos próprios Beatles. No entanto, os resultados em vendas agradaram e mostraram o óbvio: eles tinham de compor material próprio para sobreviver. 

E assim teve de ser, com Andrew Oldham forçando a dupla mais promissora - Jagger e Richards - a sentar e criar música juntos. Reza a lenda que o empresário trancou a dupla na cozinha dde sua casa e forçou-a a fazer algo. "Só saem quando tiverem terminado uma canção", teria dito, que foi contestado várias vezes por Richards e biógrafos da banda.

O fato é que as primeiras canções da dupla dignas de nota só começaram a ser finalizadas em 1964, em doses homeopáticas, ate que o sucesso chegasse de vez com "Get Off of My Cloud" e "(I Can't Get No) Satisfaction".

Com o tempo, os músicos foram se distanciando, mesmo sendo vizinhos em Londres e Nova York. O beatle George Harrison, que nunca foi muito chegado aos Stones, mostrou um certo ressentimento em uma entrevista nos anos 80. 

"Nunca entendi o porquê de os Stones não gostarem de falar a respeito do contrato com a Decca ou sobre 'I Wanna Be Your Man'. Eles ficam incomodados, sempre tentam desviar o assunto", comentou o ex-guitarrista dos Beatles com razão.

O tempo parece ter curado, em parte, rusgas e ressentimentos - hoje os sobreviventes são quase todos octogenários. O Stones levaram o comentário de McCartney sobre "banda de blues de boteco" na esportiva e fizeram piada nos palcos à época.

Keith Richards, sempre azedo a comentar qualquer coisa de concorrentes, como Beatles, Led Zeppelin e The Who, foi suave ao comentar a rivalidade em sua autobiografia, "Life" (em português, "Vida"), mostrando extrema cordialidade com McCartney - foram vizinhos de propriedade de veraneio no Caribe por algum tempo.

Em uma rara entrevista recente, Jagger falou com delicadeza sobre a relação com Lennon em Londres nos anos 60, lamentando o distanciamento de ambos na década seguinte, quando moravam em Nova York a poucas quadras um do outro. "Falávamos um pouco por telefone, e quando ele morreu fazia tempo que não nos encontrávamos, Lamento por isso."

Se o clima está ameno, ainda assim os Stones evitam tocar no assunto "I Wanna Be Your Man". Para quê? Fazem muito bem após 60 anos de amizade e rivalidade amistosa. 

A coisa vai tão bem que os Rolling Stones finalmente parecem estar prestes a gravar e lançar um álbum com músicas inéditas e autorais após 18 anos. E Paul McCartney e Ringo Starr, os beatles vivos, tocarão no disco como convidados especiais, assim como o baixista Bill Wyman, de 87 anos, que saiu dos Stones em 1992 depois de 30 anos de banda.

Os convites aos "rivais" surpreenderam todo mundo, mas não deveriam. No ano passado, em sua última turnê, a primeira sem o baterista Charlie Watts, morto aos 80 anos em 2021, os Stones tocaram em Liverpool após muito anos de ausência por lá. 

Ali sim, em junho de 2022, de foram surpreendente, Jagger anunciou que fariam uma homenagem aos amigos Beatles, nativos da cidade, e mandaram uma versão poderosa de "I Wanna Be Your Man", algo que nunca fizeram ao vivo em quase 60 anos. 

A amizade e a reverência parece terem falado mais alto e, finalmente forçado a maior banda de rock do mundo a fazer as pazes com um passado que incomodou por muito, mas muito tempo.

https://www.youtube.com/watch?v=ggsCCWaF_8g&pp=ygUicm9sbGluZyBzdG9uZXMgaSB3YW5uYSBiZSB5b3VyIG1hbg%3D%3D

https://www.youtube.com/watch?v=gkzRq0efydc

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