Muita gente costuma associar a voz e a figura imponente do ator negro Morgan Freeman à figura imaginada do Deus católico - seja pela potência da voz, seja por ele ter encarnado a divindade no filme "Todo Poderoso".
Na música, os ingleses costumavam dizer que "Eric Clapton era Deus" em pichações nas paredes de Londres nos anos 60. Mas não dá para comparar com o que foi visto em São Paulo por dois dias no Auditório do Ibirapuera em 3 e 4 de junho. Ali estava Deus, personalizado na figura icônica de Buddy Guy.
Deus está está se despedindo, mas decidiu encantar súditos e discípulos com sua guitarra Fender Stratocaster e produzi o melhor blues possível, dentro da melhor música que se pode ouvir.
Figura máxima do Best of Blues and Rock, transformou o parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, em templo sagrado. A devoção era total. Guy hipnotizou a plateia e indicou como é fácil chegar ao paraíso (que também é um bairro próximo do parque).
Assim como desfrutar de um show dos Rolling Stones é fazer parte da história ou vê-la desfilando à sua frente, escutar a guitarra cristalina e transbordante de sentimento de Buddy Guy ao vivo, o último gigante vivo dos gigantes do blues, é presenciar uma transformação imediata da realidade ao seu redor. Tudo para, e o som celestial da voz e da guitarra de Deus preenchem todo o espaço.
No dia 3, o sábado de sol que logo ficou frio à noitinha, Buddy Guy escancarou o quanto aquele momento era especial, assim como o carinho que tem - e recebe - do público brasileiro.
O sorriso característico e a força de vontade e resiliência fizeram do mestre figura necessária para simbolizar tudo o que de bom a vida pode oferecer.
Teve blues de primeira, com a maravilhosa "Damn Right, I've Got the Blues"; teve homenagens, como "Sunshine of Your Love", do Cream, e "Voodoo Child", de Jimi Hendrix; o mestre Willie Dixon foi aquinhoado com "I Just Wanna Make Love to You", que também serviu de tributo a Muddy Waters.
E como resistir a uma fileira de clássicos como “(I’m Your) Hoochie Coochie Man”, “Got My Mojo Working”, “She’s Nineteen Years Old” – estas três de Muddy Waters –,”Five Long Years”, “Boom Boom” e “I Just Want to Make Love to You”?
No domingo, 4, a dose foi repetida, com direito a uma grande jam com o guitarrista Tom Morello (ex-Rage Against the Machine e Audioslave), que encerraria a noite, e os filhos Carlise e Greg, que integram a sua comitiva, sendo que a filha tocou om sua banda no festival.
Aos 86 anos de idade, Buddy Guy espantou o mau agouro dos sacripantas que insistem em pregar o etarismo no mundo das artes - velho demais para subir ao palco, novo demais para se aposentar?
Assim como tem sido recorrente a partir do começo de 2022, um show do porte desses é mais uma oportunidade para nos redimir de um longo e doloroso período de isolamento imposto por uma pandemia, a de covid-19. Deus veio e nos abençoou e indicou o caminho para o futuro mais luminoso - e ele passa pelo blues e pelo rock!
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