quarta-feira, 21 de junho de 2023

Galeria do Rock na encruzilhada: como superar a degradação urbana, cisões internas e a falta de segurança

De maior centro comercial de venda de música do mundo e personagem de novela da TV Globo a um outrora ponto turístico agora sitiado pela insegurança e decadência da região central da capital paulista. A Galeria do Rock é uma vítima das circunstâncias político-administrativas e econômicas, mas até onde tem responsabilidade por alguns dos problemas que a acometem há alguns anos?

Ninguém consegue estimar se realmente houve uma diminuição do público, principalmente turistas, aos andares da mítica Galeria do Rock, até porque a pandemia de covid-19 embaralhou qualquer forma de aferição (e, por consequência, comparações) sobre o volume de público no local nos últimos tempos.

Para alguns lojistas, sobretudo aqueles que ainda comercializam algum tipo de música, a queda de faturamento e vendas está diretamente ligada aos problemas que afetam o entorno do centro comercial, afastando clientes, o que só agrava as tensões dentro do condomínio também conhecido como Grandes Galerias.

Já faz tempo que a Galeria do Rock é menos do rock e da música e mais de outros tipos de comércio. Dos outrora 140 lojas de CDs, LPs DVDs existentes lá nos anos 90, o auge da popularidade do centro comercial, restam não mais do que 30, se tanto. sca 

Boa parte dessas decadência tem a ver com os próprios rumos do negócio de música - ela ficou de graça e está desvalorizada, já que é muito fácil obtê-la e descartá-la. Talvez, como consequência, a relação dos ouvintes mais jovens com a própria musica degringolou, já que estes não mais a valorizam. Como consequência, veio a falta de interesse em "pagar" por qualquer tipo de música.

Se esse movimento global é uma realidade há pelo menos 20 anos, muitos comerciantes do local e do entorno da galeria reclama, em muito, da falta de ações da Prefeitura de São Paulo para zelar pela área central. 

Degradação

Desde 2001, na gestão Marta Suplicy (então no PT) foram elaborados  prometidos inúmeros planos de revitalização do centro, englobando Liberdade, Bom Retiro, Santa Cecília, Brás e outros bairros mais próximos. Nenhum saiu do papel.

A decadência se acentuou com a proliferação das Cracolândias em todo o centro expandido, agora espalhadas pra além de Santa Cecília e `chegando à Mooca, já na zona leste.

É óbvio que a pandemia ajudou a espantar o público, especialmente os turistas. A Cracolândia e a feira do rolo, ao lado da Galeria Olido, a 20 metros de uma das portas da Galeria do Rock, coletam esse cenário bárbaro de decadência e abandono,

"Está tudo muito difícil. Quem ainda não consolidou as suas vendas online convive com o descaso das autoridades e a falta de empenho de vereadores, que só aparecem para pedir voto, e sem o apoio da administração do condomínio, que nunca se importou com as mudanças para pior da Galeria", disse um lojista que ainda vende música no local e que pediu para não ser identificado.

Sua queixa abarca também o eterno conflito entre lojistas de vários segmentos. A velha guarda, que foi responsável para fazer do Centro Comercial Grandes Galerias a Galeria do Rock, reclama muito da mudança de perfil do comércio local - saiu a música e vieram as lojas de roupas, bugigangas, de tatuagem e demais serviços usufruindo apenas lateralmente do epíteto "do rock".

"O conceito de 'vender rock' vai muito além de vender música física", afirmou certa vez ao Combate Rock o síndico Antonio Souza Neto, também comerciante no local. "O pessoal que vende música teve problemas com a evolução de seu negócio e não conseguiu de adaptar a uma nova realidade. O conceito da Galeria continua o mesmo, o rock é um combustível formidável, mas também envolve outros segmentos, que estão ocupando os espaços", disse lá em 2012.

O Combate Rock tentou mais uma vez contato com o sindico da Galeria do Rock, mas ainda não teve retornos dos contatos por telefone.

Outro comerciante que pediu para ficar no anonimato afirma que a Galeia do Rock hoje é menos do rock por conta da "política administrativa" de Souza Neto de descaracterizar o local como venda de música. 

"A transformação foi ocorrendo aos poucos, mas ganhou impulso com o apoio do síndico, que achou interessante essa história de 'diversificar' o conceito. Como ele sempre encontrou resistência do pessoal que vende música, buscou apoio do restante do condomínio e está no cargo há muito tempo", disse o comerciante.

Souza Neto rebateu essa acusação recorrente em outra conversa com o Combate Rock, desta vez em 2014. "A maioria das minhas iniciativas e proposições agradam e recebem a maioria dos votos. Não dá para ficar parado no tempo", afirmou em um momento em que tentava ar novo impulso ao Instituto Cultural Galeia do Rock, que fi bastante ativo por um bom tempo.

Apogeu

Em seu período de administração, que já beira 30 anos, Souza Neto operou uma mudança importante no cotidiano do centro comercial. As várias escadas rolantes voltaram a funcionar depois de muito tempo, no final dos anos 90, e a segurança melhorou, assim como a limpeza no local.

 As várias brigas frequentes aos finais de semana entre gangues de metaleiros e punks acabaram - um episódio isolado ocorreu no começo deste ano, sem maiores consequências - e a Polícia Militar mantém há anos um patrulhamento constante na rua Barão de Itapetininga e no Largo do Paissandu .

Com bom trânsito entre alguns vereadores na primeira década deste século, manteve o Instituto Cultural com boa grade de eventos e, a mito custo, conseguiu que a prefeitura considerasse, finalmente a Galeria do Rock como importante ponto turístico da cidade, mesmo com o negocio da música em franca decadência e transformação.

O marketing funcionou a ponto de a Galeria se transformar em "personagem" d novela das 19h da TV Globo, que foi ao ar em 2010. Um dos comerciantes de música retratados no folhetim foi inspirado em Souza Neto, que vende roupas no local, entre outras coisas.

Os bons ventos não sustentaram indefinidamente a aura de "ponto turístico internacional" principalmente pelas seguidas crises econômicas brasileiras e a mudanças políticas na prefeitura a partir de 2017, que coincidiram com a deterioração progressiva da região central em todos os sentidos.

Infelizmente, de forma coincidente, o trânsito de Souza Neto com autoridades municipais e vereadores também diminuiu, segundo algumas fontes ouvidas pelo Combate Rock.

Tempestade perfeita

Não para dizer que é culpa dele, já que todo o comércio daquela parte do centro, da rua Santa Efigênia até a avenida Duque de Caxias, rua Sete de Abril e Vale do Anhangabaú deixou de ser ouvido e de ter força política para evitar o aumento da insegurança e até mesmo a reforma medonha e quase criminosa de todo o pavimento do vale, há dois anos.

Entretanto, foi o suficiente para que velhos atritos e rixas ressurgissem, além dos questionamentos de sempre. Muitos lojistas reclamam do desaparecimento - "se é que existiu algum dia", questionou um deles - do Instituto Cultural, além da pouca transparência e "voz" para a oposição.

Foram resgatadas as acusações de que o síndico intensifica a "descaracterização" do local. Outro se queixa de que as regras do condomínio impedem a manutenção necessária fora do horário comercial em dias de de semana e também aos domingos e feriados, enquanto Souza Neto autoriza a realização de eventos de origem externa em horários em que o local teria de estar fechado.

A referência é o Concerto Candlelight, realizado a luz de velas sempre homenageando um artista em questão, mas no formato erudito. Surgiu assim no exterior e foi implantado no Brasil pela empresa Fever. Já foram homenageados Queen, Coldplay, Abba e Rita Lee. 

No último dia 22 de junho foi a vez de Charlie Brown Jr. Mais uma vez Souza Neto não retornou aos nossos contatos para comentar as queixas.

A iniciativa tem o apoio do Grupo da Cidade, em parceria com a Associação Pró Centro - grupo formado essencialmente por pessoas que desejam contribuir para que tenham um centro de São Paulo mais humano e acolhedor, segundo o site da instituição.

O grupo, que já opera o Boteco 28 e a Loja da Cidade, ambos no Farol Santander, localizados na região central (prédio do antigo Banespa), anunciou que irá inaugurar o Galeria Rock Bar, com a inauguração prevista para o mês de julho. 

Além disso, também estão com iniciativas para apoiar a segurança dos moradores e frequentadores da região, como oferecimento de valet, e a criação do cronograma de atrações culturais integrais no estabelecimento, a fim de garantir que haja uma movimentação de pessoas nos arredores do espaço.

De acordo com o Rafael Ribeiro, um dos sócios do Grupo da Cidade, a iniciativa visa recuperar o público e trazê-lo novamente à noite no centro histórico paulistano. 
"Muito se fala sobre a degradação do centro, porém não existe um movimento que mostre as iniciativas que vêm dando certo. Os principais restaurantes brasileiros, casas noturnas, escritórios, estão no centro de São Paulo. Precisamos mostrar o outro lado, e trazer de volta para cá um público que deixou de frequentar por medo ou por preconceito. É um momento de recuperar e fazermos do centro novamente a nossa casa cultural. Aqui fizemos um espaço ressignificado e pronto para receber as pessoas", afirma o empresário.

Assim como a chegada de restaurantes e institutos culturais revitalizaram, em parte, o entorno do antigo prédio da Bolsa de Valores de São Paulo, as iniciativas do Grupo Cidade são um sopro de empreendedorismo e boas notícias ara uma região degradada de tal forma que espanta os turistas. 

 Cracolândia dispersa e os constantes roubos de celulares e a mão armada ainda são desafios enormes que precisam contar com a ação firme dos governos municipal e estadual na questão da segurança e da zeladoria, bem como no incentivo à ocupação do centro por emytpresas e por moradores de todas as classe sociais.

Para a Galeria do Rock, que aparentemente enfrenta numerosos dilemas, a questão passa por uma tentativa de entendimento no condomínio para que haja união, ao menos, para reivindicar ações efetivas da prefeitura para melhorar a região do Largo do Paissandu, praça do Correios, calçadões da Sete Abril e Barão de Itapetininga, bem como o entrono do Theatro Municipal.

E, mais uma vez, são necessárias ações para que se resgatem a verdadeira Galeria do Rock e os motivos que a fizeram famosa internacionalmente - a música, e o rock, principalmente. Não serão camisetas com estampas de super-heróis e canequinhas com a cara de personagens do seriado "Chaves" que evitarão o aumento da velocidade da derrocadas. 

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