sexta-feira, 2 de junho de 2023

Publicidade acentua suas investidas em busca da credibilidade do rock

 O rock traz e dá credibilidade. Esse mantra é repetido por publicitários de todos os calibres nos últimos 20 anos para explicar a infestação de canções do gênero em propagandas de tudo o que se possa imaginar.

Muita gente vai argumentar que sempre foi assim, desde o final dos anos 60, quando o rock foi trilha sonora para vender cerveja, cigarros, jeans, carros, geladeiras, preservativos e escovas de cabelo. Só que nunca tanas músicas estiveram embalando o consumo de todas as classes sociais no Brasil e no mundo. 

Neste momento, pelos sete filmes de grandes marcas mundiais  nacionais estão no ar empurrando propaganda com músicas clássicas de bandas das mais importantes - os carros dominam, mas há bancos também recorrendo aos serviços dos Rolling Stones, por exemplo.

Era inevitável, por mais que artista e fãs puristas reclamem e reclamassem ao longo das décadas. Estão se vendendo? Dependendo do onto de vista, sim, e ajudando a vender milhares e milhões de qualquer coisa.

 O que tem de errado nisso? Desde sempre as turnês mundiais e grandes festivais são patrocinados por marcas gigantes e mundiais. Qual a diferença?

A hipocrisia acaba quando o som punk embala propaganda de cerveja. "Should I Sat or Should I Go", clássico monstruoso de The Clash, serve de fundo para uma propaganda americana de cerveja sem álcool que também está nos canais de streaming, TV, TV por assinatura e rádio do Brasil. 

O que será que o ativista e revolucionário Joe Strummer, guitarrista e vocalista morto em 2002, diria sobre isso? Mick Jones (guitarrista) e Paul Simonon (baixo), ainda vivos, guardam um bom silêncio a respeito - e não estão errados.

Independentemente da causa ou dos valores envolvidos - e dos protestos hipócritas de quem se diz purista ou está co inveja dos ganhos -, o rock vende, e vende bem. Dá uma credibilidade que outros gêneros musicais, aparentemente, não emprestam. Ou emprestam menos.

A indústria automobilística é cliente recorrente dos clássicos roqueiros. Tem marca nova no pedaço que não teve pudor em recorrer a uma gema pop dos Beatles. "Hello Goodbye", alegre e festiva, embala os sonhos d e comprar um potentes veículo da GWM, que chega com tudo no Brasil.

A Renault não se preocupou em descaracterizar "It's My Life", do Bon Jovi, em uma versão ruim e soporífera. Especialistas, no entanto, garantem que a versão soft cantada por cantora insípida cumpre bem a sua função, já que é facilmente reconhecida e mostra que a vida é feita de "sonhos que devem ser concretizados".

Cerveja e carro, a combinação perfeita

Nessa área, uma das obviedades foi a absorção dos Scorpions para embalar a propaganda do Fiat Pulse Abarth - que tem um escorpião como símbolo. "Rock You Like a Hurricane" aparece com destaque em uma versão surpreendentemente pesada para realçar o "veneno" do carro, m alusão à potência do motor.

Mas são as cervejarias que caíra de cabeça no rock. A Spaten, de origem alemã e que caiu o gosto do público brasileiro em sua versão lager assemelhada da holandesa Heineken, recorreu a "Sweet Child O'Mine", dos Guns N' Roses, como trilha acústica, ao piano, para amenizar a tensão de uma "taverna medieval" que estava a ponto explodir em uma grande briga. A mensagem de camaradagem e irmandade foi reforçada pela música.

No ano passado, é bom lembrar, a Heineken se apoderou de "Superstition", clássico de Stevie Wonder que também fez bonito com Stevie Ray Vaughan e Jeff Beck, para ressaltar as qualidades de sua versão sem álcool long neck. 

Antes ainda, a "vítima" da vez foi a banda americana Blondie, que teve "Heart of Gold" associada à marca principal em propaganda com tons psicodéicos, um traço das campanhas dos holandeses.

A banda da cantora Debbie Harry também foi a escolhida pela cervejaria brasileira Eisenbahn. Sem muito rebuscamento, "One Way or Another" foi escalada para reforçar a possibilidade de "múltiplas escolhas".

Para a versão normal da americana Budweiser, marca de cerveja ligada ao grupo Ambev-Inbev, a canção escolhida foi "Everybody Wants to Rule the World", dos ingleses do Tears For Fears, em uma tentativa de reforçar a busca de liberdade pessoal e "infinita".

E quem diria que a liberdade seria o principal tema da mais recente campanha publicitária do banco BTG-Pactual, que é uma das principais instituições de investimento do país?

Ao fundo, o banco, que não é comercial e não tem agências, recorreu à surrada "I'm Free", dos Rolling Stones. a peça publicitária é onipresente em canais como GloboNews, ESPN, CNN e na emissora de rádio CBN.

Eu não me lembro de haver tantas propagandas, ao mesmo tempo, abusando do rock para vender qualquer coisa. É muito provável que haja ainda mais peças com canções emblemáticas no ar. É só uma questão de tempo para catalogar

Bom de marketing

O rock vende e traz credibilidade. É a frase que abre esse texto e que foi proferida há algum tempo por um publicitário paulistano bem-sucedido que analisou, rapidamente, a pedido do Combate Rock, as várias propagandas televisivas da época com trilhas sonoras roqueiras. Entre elas, uma marca de geladeiras que não teve pudor em destruir ‘Paint It Black”, do Rolling Stones, em versão medonha.

Para o profissional, que preferiu não ter o nome divulgado, os filmes promocionais miravam um público mais velho, maduro e com bom poder aquisitivo, que facilmente reconheceria as canções executadas e rapidamente as associaria aos produtos.

Por isso um grande banco ousou arrebentar a reputação de “Revolution”, dos Beatles, aos associá-la à “revolução tecnológica” de um determinado produto financeiro. O rock é sólido, consistente e empresta credibilidade às marcas.

Mas outros gêneros musicais não têm esse poder? “Não”, respondeu na lata o publicitário. “O rock tem essa coisa de perenidade, clássica e duradoura. O pessoal mais velho e mais bem informado valoriza esse tipo de característica. Mesmo propagandas com rocks de bandas mais recentes têm esse valor agregado.”

E então seguiremos vendo clássicos do rock sendo estraçalhados em versões nojentas atreladas a propagandas atreladas a comida de cachorro, pneus, refrigerantes e produtos de tecnologia.

 

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