No disco "Rattle and Hum", do U2, de 1988, há uma versão ao vivo de "Helter Skelter", dos Beatles, pesada e dramática. É do "Álbum Branco", lançado 20 anos antes e supostamente teria inspirado o lunático Charles Manson a instigar o assassinato da atriz Sharon Tate e dde outras oito pessoas na Califórnia.
"Estamos tocando essas canção para finalmente resgatá-la das trevas e devolvê-la aos Beatles e a nós mesmos", disse o vocalista Bono sobre o motivo de colocá-la no então LP duplo que era a trilha sonora de um documentário/filme.
Os Titãs, guardadas as devidas proporções, foram além nas três últimas apresentações da série "Titãs Encontro" em São Paulo, em três shows que reuniram 150 mil pessoas no Allianz Parque. O septeto paulistano, em meio à catarse coletiva que dominou o ambiente, resgatou a cultura brasileira e a devolveu ao povo brasileiro como toda a pompa e a circunstância.
Sem meias palavras, o baixista e vocalista Nando Reis declarou em alto e bom som: depois de quatro anos "aterradores", finalmente o país se enchia de esperança e via o mundo cm novas perspectivas após o nefasto e destrutivo governo de Jair Bolsonaro (PL).
Em vários sentidos, "Titãs Encontro" é o resgate de muitas coisas. Memórias maravilhosas, música intensa, tempos de mudanças, novos rumos, novas conquistas e, principalmente, esperanças renovadas.
Quem foi ao Allianz Parque entre os dias 16 e 18 de junho queria apenas celebrar a reunião dos sete membros da formação clássica - o oitavo, Marcelo Fromer, guitarrista, morreu atropelado em São Paulo em 2001. Queriam conferir se aquela junção de sete malucos e rebeldes ainda fazia sentido 40 aos depois da criação da banda. mal sabiam que teriam a comprovação da tese e muito, muito mais.
Em nada lembrava, à primeira vista, as anárquicas apresentações dos anos 80, onde tudo dava errado, mas também dava muito certo em shows imprevisíveis.
Em 2023,o ao da redenção de nossas vidas e da cultura brasileira, o que se viu no estádio do Palmeiras foi uma estrutura digna de show dos Rolling Stones ou de Paul McCartney: palco monstruoso e estrutura de grande porte que envolveu mais de 300 pessoas para que tudo saísse com o maios dos profissionalismos.
Nada de improvisos ou de tosquices. Havia muito em jogo e nada poderia dar errado. Mas quem disse que os sete músicos estavam preocupados. Estavam com o jogo ganho. Subiram ao palco dispostos a se divertir e fazer de tudo para que tudo fosse memorável. Com essa mistura de profissionalismo e descontração, fizeram as três melhores apresentações de sua carreira.
Foram 31 canções em 150 minutos de pura magia/nostalgia, efetuando também um resgate do que de melhor houve no rock nacional nos saudosos e combativos anos 80.
Nando Reis, o mais eufórico, celebrou o momento importante do rock nacional ao final, em entrevista ao Multishow, qu transmitiu ao vivo o terceiro concerto.
"O nosso reencontro marca também um momento de reflexão que vai além da mera celebração de sete amigos que fizeram muita coisa legal. É um resgate de sentimentos que moldaram as vidas e as trajetórias de mais de uma geração e estamos constatando isso a cada show que fazemos pelo Brasil", ressaltou o músico.
Concentrando o repertório nos hits lançados entre 1984 e 1992, época de duração do octeto qu foi a formação clássica, os Titãs foram impecáveis na ideia, no formato e na execução, e sem a necessidade de músicos adicionais - o produtor Liminha, amigo e produtor de vários álbuns da anda, tocou guitarra como forma de recapitular as partes de Marcelo Fromer.
Tudo saiu redondo e com muita alegria. Sergio Britto, talvez o mais ansioso de todos, não cabia em si de tanta satisfação e serviu como mestre de cerimônias ao lado de Paulo Miklos, que matou a vontade de tocar saxofone em várias músicas ao longo do show.
Entrecalando vocalistas - eram cinco no palco -, a sucessão de megahits não dava fôlego ao público, que os entoou sem parar. Arnaldo Antunes, mais contido, concentrou suas performances dançantes ao seu quadrado no palco, enquanto o também ansioso Nando Reis respeitava as suas artes, evitando maiores arroubos.
No entanto, foi ele quem deu o tom verdadeiro da importância do que estava acontecendo.
"Tão alegre e tão emocionante quanto reencontrar meus amigos é a importância e o prazer de tocar junto com eles músicas que fizemos há muito tempo, décadas atrás... E a importância delas ficar evidente dada à forte comunicação que ela tem com o que penso hoje, com o que nós pensamos hoje e, de forma até assustadora, com o que é o Brasil", começou o cantor.
"O Brasil, logo depois da redemocratização, quando basicamente começamos, tinha ali uma promessa de futuro, tinha uma sombra de passado, uma perspectiva. E, de certa maneira, vivemos um quadro aterrador nos últimos quatro anos que faz com que esse reencontro tenha também conexão com o momento onde escrevemos aquelas canções. Por isso, elas estão ainda mais fortes, mais firmes, atuais e expressam aquilo que sempre acreditamos e estamos aqui para reiterar", disse Reis.
Ele emendou, então, a música que dá nome ao álbum de 1987 e, logo depois, cantou também "Nome aos Bois". Nela, incluiu o nome de Jair Bolsonaro à lista de ditadores e tiranos citados na letra da canção.
As homenagens também foram pontos altos em um show estupendo. Fromer foi representado pela filha Alice, que cantou três músicas no segmento acústico, tendo o auxílio luxuoso das vozes de apoio de Arnaldo Antunes e Sergio Britto. Ela também participou de "Ovelha Negra", em celebração da obra de Rita Lee, que morreu em abril passado. Erasmo Carlos, que morreu no ano passado, também foi lembrado em uma emocionante versão de "É Preciso Saber Viver".
Também foi maravilhoso constatar que Paulo Miklos, mais dedicado à MPB e aos trabalhos como ator, está cantando melhor e com mais vigor, como se nunca tivesse abandonado os Titãs.
Vigoroso e intenso, transformou "Diversão" e "Bichos Escrotos" nas potências sonoras que sempre foram enquanto esteve no grupo. Foi magnânimo também em servir como suporte a Branco Mello, que ainda mostrava resquícios na voz do tratamento que fez em relação ao câncer de garganta.
Se o Skank se despediu dos palcos e da carreira olhando para o passado e celebrando o passado em magnífico concerto para 60 mil pessoas no Mineirão, em Belo Horizonte, os Titãs também revisitaram o seu passado, mas mirando um futuro luminoso, ainda que não necessariamente contando com os antigos integrates.
A fome de palco que demonstraram nos três concertos paulistas em estádio antecipa as boas perspectivas para os próximos anos.
Os dois últimos fiscos de inéditas, "12 Flores Amarelas" e "Olho Furta-Cor", registrados por Tony Bellotto (guitarra), Sergio Brito (teclados, vocais e baixo) e Branco Mello (vocais e baixo) - acompanhados por Beto Lee (guitarras) e Mario Fabre (bateria) - foram muito bem recebidos e demonstram que ideias não faltam para futuros trabalhos.
Todos os músicos envolvidos no projeto "Titãs Encontro" são bastante cautelosos a respeito do futuro. A turnê nacional deve terminar em julho com shows em Vitória (ES) e Curitiba (PR) e não há previsão de mais datas reunido todos, muito menos alguma possibilidade de entrar em estúdio para um eventual novo disco.
Entretanto, o mais espevitado e loquaz do grupo, Nando Reis, deixa tudo no ar, em aberto, ao comentar as possibilidades. Se é reticente sobre a realização de algo, já que nada foi discutido, deixa em aberto um futuro promissor.
"Temos de aproveitar o momento, em que tudo está dando certo e estamos curtindo tocar juntos novamente. Sabíamos que seria bom e seria mágico, e está sendo muito gratificante e melhor do que o esperado. Seria um desperdício não aproveitar as chances que a vida oferece", disse ao músico em entrevista ao Multishow antes e depois da apresentação de 18 de junho.
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