Desgaste e desilusão. Duas palavras fortes que costumam estar associadas ao rock underground de qualquer lugar, e que no Brasil é a realidade da maioria das bandas autorais, de qualquer subestilo. E foram as palavras mais subentendidas da corajosa entrevista que a cantora Angel Sberse concedeu nesta sexta-feira (23) ao canal de YouTube Heavy Talk - https://www.youtube.com/@HeavyTalk.
Ex-vocalista da banda paulistana Malvada, ela falou pela primeira vez sobre a sua saída no mesmo dia em que o quarteto anunciava a sua substituta, Indira Castillo.
Fundadora da Malvada, Angel era o rosto e a força motriz de um conjunto de hard rock feminino e em ascensão após participação em festivais importantes como Rock in Rio 2022 e Best of Blues and Rock 2023. Justamente por isso a sua saída pegou muita gente de surpresa.
"Não houve briga. Não houve rusga. Tudo foi negociado e cumpri a agenda pré-estabelecida. Foi numa boa e de forma civilizada. Apenas não deu mais", disse a cantora afirmando que tem bastante carinho pelas meninas e pelo empresário, Tiago Claro, da TC7.
Se não houve "treta", havia muita insatisfação por parte da vocalista desde o ano passado. Ela reconheceu que já havia um desgaste por parte dela em relação à banda e ao esquema pesado de trabalho. E, com o desgaste, veio a desilusão, em parte.
Formada em administração de empresas, ela trabalha há quase 20 anos na área comercial de empresas multinacionais, sendo a música, por enquanto, uma atividade paralela - como sempre foi desde que cantava na banda Bendicta, de São Paulo.
Como ocupa um cargo importante na empresas de equipamentos agrícolas Holland Brasil há quatro anos, pesou o lado financeiro e o físico. "Não há como abandonar tudo pelo sonho do rock. Meu emprego paga minhas contas, e o rock, a música, não me possibilitaram, por enquanto, ao menos equilibrar as contas. O acúmulo de trabalho começou a pesar."
E então veio a desilusão com as dificuldades do dia a dia entre as constantes viagens pela empresa e a agenda lotada de shows aos finais de semana. "Jamais poderia reclamar de agenda musical pesada, afinal todas as bandas lutam por isso. Mas a questão é que ficou cansativo e estava afetando o meu humor. Começou a afetar a minha paciência. E não tinha como evitar: afetou, de alguma maneira, os relacionamentos."
Desde o começo ficou claro que a Malvada era uma banda de bar e de palco, nos melhores sentidos destas palavras, fato que ajudou, e muito, na ascensão da banda. Só que a opção por muito e sempre para custear muita coisa cobrou o seu preço.
"Eu sabia desde o começo que seria assim e topei, mas com o tempo fui percebendo que estávamos ralando muito e os resultados, na minha perspectivas, estavam aquém", explicou a cantora. "A gente sempre acha que dá para administrar, mas a realidade ás vezes dá uma rasteira. Tenho quase 40 anos e preciso de um trabalho fora da música para me manter. Estou em outra fase da vida, e as outras garotas estão com 25, 30 anos têm outro pique. É natural que tenham aparecido diferenças de opinião por conta disso."
O acúmulo de atividades até provocou um início de "síndrome de burnout", a doença mental que surge diante da exaustão extrema no trabalho, entre outros sintomas.
Segundo ela, isso ocorreu no final do ano passado, o que iniciou o questionamento sobre como pretendia nos próximos anos. Como a agenda de shows começou a ficar mais lotada, a decisão de sair foi amadurecendo até que comunicou a banda em maio que não continuaria.
As ex-companheiras não se manifestaram ainda sobre a entrevista primeira de Angel Sberse depois da separação. Respeitosa e serena, reafirmou o que o comunicado da banda informou: que foi uma decisão dela e que tudo transcorreu de forma cordial e civilizada.
Ficou acertado que não haverá nenhuma colaboração de Angel no segundo álbum, que começa a ser produzido, e que não haverá nenhum impedimento para que, eventualmente, ela suba no palco com as garotas no futuros, em shows específicos.
"Posso dizer que não ha inimizade, tanto que Tiago Claro me disse que poderemos trabalhar novamente juntos no futuro. Minha saída foi de forma normal e tratada com muito respeito e pofissionalismo", encerrou o assunto a ex-vocalista da Malvada.
Enquanto afirmava que não tem nada em vista na área da música e que "certamente voltarei a fazer coisas e compor", ela reclamou da cena roqueira brasileira - queixas comuns de artistas de várias idades e vários patamares, e não só do rock.
Ela citou a falta de união e apoio em um meio pequeno, underground e degradado nos último anos. "Estávamos tocando em Sorocaba[interior de São Paulo], em lugar legal, e um cara jogou um bilhete no palco n meio de uma música. Estava escrito: 'parem de tocar músicas autorais'. Porra, nosso show tem seis ou sete nossas e mais um monte de versões para compor uma apresentação de quase duas horas. É um desrespeito enorme com o artista. Isso dá uma desanimada grande."
Por fim, sobrou para o mercado como um todo. "São pouquíssimas as bandas e artistas que ainda conseguem algum rendimento satisfatório, fato que emperra ou interrompe muitas carreiras, obrigando quase todos a jornadas duplas e triplas, seja em outros empregos ou dando 20 aulas por dia. Nunca me achei uma estrela, mesmo participando de realities shows. Tenho pé no chão, nunca achei que ser reconhecida aqui e ali era o passaporte para o sucesso. É muito sacrificante e muito trabalhoso fazer música autoral. Tem e valer muito a pena e, infelizmente, às vezes, não dá para priorizar."
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