quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Angra e sua crônica incapacidade de resolver problemas antigos

 Marcelo Moreira

Entre os diversos ensinamentos que os 36 anos de carreira do Sepultura oferece está a receita de como se reerguer e recuperar o prestígio após períodos turbulentos e enfrentando certas hostilidades, como as inúmeras tentativas de reunião com os irmãos Cavalera e os constantes ataques e xingamentos de Max.

Sabe-se lá os motivos, as coisas acabam sendo sempre mais complicadas com o Angra, a segunda mais importante do heavy metal nacional e a que teve mais prestígio internacional depois do Sepultura.

Depois de alguns anos em calmaria, o guitarrista Rafael Bittencourt, único remanescente da formação original e quem realmente administra a banda, resolveu tirar fantasmas do armário e desancou dois ex-integrantes publicamente em uma entrevista ao canal de YouTube Heavy Talks.

Seus alvos foram o vocalista Edu Falaschi e o baterista Aquiles Priester, que entraram, juntos no Angra em 2000. Falaschi foi acusado, entre outras coisas, de desrespeitar acordos ao cantar músicas da banda em sua carreira solo e de fraudar pagamentos de direitos autorais. 

Priester foi chamado de mau caráter e músico mais preocupado com sua própria carreira e imagem do que com a da banda. 

O baterista até agora mantém silêncio e Falaschi, em uma entrevista também no YouTube, afirmou que as alegações de Bittencourt são falsas e que o Angra lhe deve R$ 40 mil em direitos digitais não pagos.

Pouca gente entendeu até o momento os motivos da ira de Rafael Bittencourt e o porquê dos ataques agora, quando tudo parecia calmo e sua banda saboreava os bons resultados do álbum "OMNI", de 2018, disco que recolocou o Angra nos radares da imprensa europeia novamente.

Infelizmente, o azedume do guitarrista só reforça o que há anos o mercado já sabe: o Angra tem imensa dificuldade em resolver seus próprios problemas e espantar seus fantasmas.

De alguma forma a banda sempre segue em frente, mas sempre com sobressaltos e solavancos desnecessários. 

Formação do Angra na primeira medade dos anos 2000: da esq. para a dir, Aquiles Priester (bateria), Rafael Bittencourt (guitarra), Edu Falaschi (vocal), Felipe Andreoli (baixo) e Kiko Loureiro (guitarra) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Se o Sepultura consegue manter o passado em seu devido lugar, o Angra parece fazer questão de resgatar o seu para lembrar sempre das questões mal resolvidas e de como não conseguiu gerenciar seus negócios de uma maneira saudável para prosseguir.

As trocas na administração da banda nunca foram suficientes para sanar as necessidades de uma banda grande como o Angra. Algo sempre ficava no ar dando conta de que sempre faltava alguma coisa para que tudo ficasse bem, não importava o tamanho e a influência do empresário e do manager.

Como marca e como banda, o Angra é um monstro, com um poder espetacular às vésperas de completar 30 anos de história, mesmo que ainda seja turbulento em termos de administração. Era o momento de aproveitar a ocasião e reforçar o poder desta marca e fazer com que esses 30 anos fossem comemorados de forma exuberante, algo que o Sepultura não fez.

Com amizade e a força de trabalho de um empresário como Paulo Baron, o Angra tinha tudo para fazer um evento ou série de eventos memoráveis, com  a presença de astros internacionais e com ideias muito interessantes. Uma grande oportunidade que está sendo desperdiçada, principalmente quando se ouve que Baron não está mais trabalhando com o Angra.

Aliás, foi Baron que fez as peguntas para que Falaschi respondesse a Bittencourt no canal de YouTube do jornalista Regis Tadeu, o que demonstra tem pouco apoio em suas declarações, neste momento.

Em um momento repleto de incertezas e em plena pandemia fora de controle, parecia ser o momento de agregar forças e valores para preparar os planos para o futuro, que envolveriam, quem sabe, as celebrações dos 30 anos do Angra.

Dentro deste contexto, era de se esperar que Bittencourt ficasse satisfeito com os bons resultados que Falaschi obteve com as músicas do Angra na "Rebirth and Temple os Shadows Tour", que rendeu um ótimo DVD. 

É a música do Angra em alta quando o mundo está na espera do que vai acontecer com o setor de entretenimento torpedeado pela pandemia. 

Dá a impressão de que Bittencourt não apostava no sucesso de Falaschi e que, surpreendido, percebeu que perdeu uma oportunidade, restando apenas lamentar e desancar o que pode interpretar como "usurpadores" de uma parte de sua obra.

Tão complicada quanto a troca de farpas via internet é a constatação de que Bittencourt e o Angra parecem sem opções neste momento de inatividade. Pessoas próximas ao entorno do grupo comentam sobre essa inatividade e também sobre a procura por um novo empresário, coisa que outras pessoas não confirmam, sem muita convicção.

Atacando ex-companheiros e revelando bastidores financeiros e administrativos complicados certamente não ajudam a achar uma saída e obter alternativas pra o futuro, se é que realmente é esse o caso. 

O "surto" de Bittencourt não pegou bem e está sendo comparado aos recentes xingamentos de Max Cavalera contra os atuais integrantes do Sepultura.

Será um pouco trabalhoso, mas não é impossível reverter essa maré e consertar os estragos das declarações. No entanto, teremos de torcer pra que Rafael Bittencourt entenda o momento e consiga, mais uma vez, tirar o Angra de uma situação aparentemente sem saída. Será que a cartola ainda tem coelhos para serem tirados?

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