Julio Verdi - do blog Ready to Rock
Como é prazeroso se deparar com música autoral, e melhor ainda quando ela é muito bem arranjada e produzida. Isso aconteceu com o EP “Stray Cat”, da banda Bebop Blues.
Apesar do “blues” no nome do grupo, sua música oferece um cardápio sonoro que inclue outros elementos, como jazz e rock clássico.
Formada por músicos que já integraram (e ainda integram) outras bandas em São José do Rio Preto (SP), a banda conta em seu time com Fernando Poiana (guitarra), João “Baby Blues” Carvalho (gaita e voz), Paulo Garrido (baixo) e Guilherme Pala (bateria).
“Stray Cat” foi gravado e finalizado no estúdio Area 13, de Rio Preto, e conta com quatro faixas. “Baby Blues Boogie” abre com aqueles efeitos radiofônicos antigos, que dá um charme especial à faixa, além de muita gaita. Interessantes as passagens em que cada instrumento pratica um solo dentro da música.
“Stray Cat”, a faixa, é mais cadenciada e com uma pegada de rockabilly e saborosas doses de wah-wah na guita. “Burning Land” tem um lado mais jazzístico, embalada pelo órgão com cheiro dos 60 (na verdade um Hammond, a cargo de Alberto Sabella, do Area 13).
Depois a faixa cai na cadência do blues tradicional, e conta com um solo de guita bem rock and roll. E fechando o disco, “Stracked Deck” tem uma pegada mais rock clássico, com um bom nível de groove, ótimos fraseados de guitarra e um baixo na cara.
O Ready to Rock bateu um papo com o guitarrista Fernando, que nos conta vários detalhes sobre a trajetória da banda e sobre o EP.
Bebop Blues (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
Ready to Rock- Com o Bebop Blues se formou?
Fernando - O João “Baby Blues” e eu já nos conhecíamos há um tempo quando eu o chamei para fazer um show comigo num projeto chamado “Blues de Quinta”, no Seu Onofre Gastropub. Depois desse show, fizemos uma série de outras apresentações em duo e, quando surgiu a oportunidade para tocarmos no SESC Rio Preto, convidamos o Paulo Garrido (baixo) e Guilherme Pala (bateria), que são músicos requisitados aqui na cidade, e que já eram nossos amigos, para integrar o quarteto que acabou gravando “Stray Cat”.
RR - Ouvindo o trabalho autoral, apesar do nome de batismo da banda, Bebop “Blues”, as faixas passeiam também por muitos caminhos, do boogie de “Baby Blues Boogie”, ao rockabilly de “Stray Cat”, às incursões jazzísticas de “Burning Land” ou a pegada rock clássico de “Stacked Deck”. Como a banda estabelece os conceitos de composição?
Fernando - A Bebop Blues não nasceu para ser uma banda de blues tradicional. Existem muitas influências musicais comuns entre nós quatro, é claro, mas, ao mesmo tempo, temos raízes e experiências musicais bastante distintas. Então penso ser muito mais natural e esteticamente rico que a banda tome o rumo da fusão de estilos, e não o do tradicionalismo. Fico muito feliz com o seu comentário sobre cada uma das faixas porque ele mostra, justamente, que o objetivo principal de “não soar como uma banda de blues tradicional” foi atingido com “Stray Cat”. Essa ideia de “fusão” acaba sendo um conceito central na hora de escrever o nosso material autoral. Uma das preocupações ao compor o disco “Stray Cat” era justamente a de contar histórias distintas, mas que se conectassem num nível profundo. E cada história acaba exigindo climas musicais distintos. “Stray Cat” é um disco que trata de celebração, de malícia, de autoengano, de desencanto e, de um jeito bem torto, até de esperança. Em algumas das músicas, há o choque entre a efusividade da música e o duro choque de realidade da letra. Esse contraste, e até mesmo a indefinição da situação de letras, como acontece em “Stacked Deck” (trata-se de um eu-lírico ingênuo, de um espertalhão ou simplesmente de um sujeito iludido com o que acostumou-se a pensar sobre si mesmo?) remete, em termos de procedimento, não necessariamente de tema, à ambiguidade de letras dos blues mais clássicos, em que metáforas sexuais são geralmente usadas para ambiguamente falar da exploração criminosa do trabalho escravo, por exemplo.
RR - O EP “Stray Cat” possui somente 4 faixas. Não houve desejo de lançar um álbum completo?
Fernando - Na verdade, existem outras composições que ficaram de fora, sim. Contudo, o critério de seleção das faixas foi temático. As músicas que ficaram de fora, em vários aspectos, destoam tematicamente dos assuntos que pretendíamos trazer para dentro desse disco específico. O princípio organizador da metáfora central do “gato de rua” (stray Cat) é a ideia central que organiza as composições do disco e, portanto, todas as quatro canções remetem à essa imagem central. Poderíamos ter gravado mais músicas e transformado “Stray Cat” numa colcha de retalhos temática. Mas, no fim, optamos por gravar menos faixas e, assim, preservar a coerência interna lírico-musical do disco.
RR - Onde foi gravado o disco? E finalizado (mixagem/masterização)?
Fernando - O disco todo foi gravado no estúdio Area 13, onde já gravaram bandas importantes do cenário roqueiro brasileiro, como o Patrulha do Espaço. A captação do som, a mixagem e a masterização foram feitas pelo Alberto Sabella, que também toca o Hammond na faixa “Burning Land”.
RR - Eu achei a qualidade sonora excelente. O que pensa a banda sobre o resultado final?
Fernando - Estamos muito satisfeitos com as composições em si, com o modo como elas ganharam vida, como elas soam e também com as ideias que elas expressam. O disco tem uma coerência temática e sonora interna bem forte, o que, pessoalmente, é algo que me deixa bastante feliz. Porque o trabalho de composição, seja ele individual ou coletivo, é sempre um trabalho de dar formas a ideias distintas, de encontrar conexões entre temas e motivos num primeiro momento distantes, mas que, no sentido profundo, se complementam e interagem. A reunião dessas canções nesse disco é o resultado desse tipo de trabalho, de pesquisa, de reflexão. Do ponto de vista da sonoridade, gravar no Area 13 foi fundamental, porque definitivamente ele é o estúdio certo aqui na região para essa sonoridade que buscamos, e conseguimos, atingir no disco.
RR - Existe a ideia de lançar o disco em formato físico, ou somente nas plataformas digitais?
Fernando - Existe, sim, a ideia de lançar o disco em algum tipo de formato físico. Ainda estamos estudando a melhor forma de fazer isso, e o melhor momento também. Mas essa é uma das nossas ideias para o futuro, sem dúvida.
RR - A capa do EP mostra a imagem de um gato, alusão ao título “Stray Cat”. Poderia se dizer que ele seria uma espécie de mascote da banda, ou apenas ilustra este trabalho especificamente?
Fernando - Olha, de certa forma, sim, uma vez que “Stray Cat” é a metáfora central que une as quatro músicas do disco. Tanto é que acabou dando título ao álbum. A imagem do “gato de rua” surgiu numa conversa entre o João e eu depois de um show, em que comentávamos como que, mesmo estando numa situação sempre difícil, o gato de rua, no senso comum, mantém certa pose, certa fleuma felina de um animal que não se rende às circunstâncias adversas. De certa forma, falamos na ocasião, o gato de rua metaforiza um pouco da vida de cada um de nós se pensarmos nos vários momentos no nosso dia em que precisamos “manter a pose”, mesmo quando as nossas certezas, seguranças, paciência, esperança, e por aí vai, estão desmoronando à nossa volta. Foi a partir dessas ideias que começamos a trabalhar nos temas das músicas de “Stray Cat”.
RR - Uma pergunta sempre recorrente, as faixas autorais são mescladas a outros temas (covers) nos shows da banda?
Fernando - Ainda não tivemos a chance de fazer isso, porque, com a pandemia, não fizemos shows depois do lançamento do disco. Mas, quando for seguro tocar ao vivo novamente, o que espero (com certo ceticismo) que aconteça logo, mesclaremos as canções autorais com alguns dos covers que mais influenciam o nosso som.
RR - A família blues tem gerado muitas formações aqui em Rio Preto. Como você avalia o interesse pelo estilo hoje em dia na cidade?
Fernando - Eu avalio de forma muito positiva. E penso que é até natural que isso esteja acontecendo, para ser honesto. Isso porque Rio Preto tem muitos músicos talentosos, não só no blues, mas em outros estilos também. Vou te dar um exemplo concreto que confirma a minha tese: em março do ano passado, antes da pandemia chegar aqui, organizamos, com os nossos amigos da Big Blues, o First Blues Night Festival, que teve todos os ingressos vendidos em apenas algumas semanas. Isso só provou que há um público ávido por blues na cidade, e que inteligentes mesmo são os empresários da vida noturna que tem coragem de deixar de lado o seu conservadorismo musical e abrir espaço para o blues aqui na região. O fato é que as pessoas gostam de blues. Elas querem ouvir blues, dançar ao som do blues. As pessoas sabem e sentem que o blues está em tudo, e está nelas, nas relações que elas criam com o mundo. Além disso, as pessoas também percebem, de alguma forma, que o blues as explica de uma maneira que muitas vezes nem elas mesmas conseguem elaborar racionalmente. Por isso mesmo que o blues é um estilo tão forte e tão significativo para as pessoas e para a música popular como um todo.
RR - Como você sente a aceitação do EP Brasil afora? Existem outros planos para divulgação do trabalho?
Fernando - “Stray Cat” foi lançado há pouco mais de um mês e, apesar de ter sido lançado tão recentemente, as músicas tem recebido um feedback bastante positivo, tanto no Brasil quanto no exterior. A banda já deu algumas entrevistas para sites e páginas especializadas em blues, o que tem sido muito importante para a boa aceitação do nosso trabalho. A faixa “Stray Cat” já entrou na playlist do Spotify “Brazilian Blues” e sempre recebemos mensagens dos nossos seguidores comentando as músicas, dizendo com qual delas eles(as) mais se identificam, entre outras formas de feedback. Esse tipo de contato direto com as pessoas que tem acompanhado tão gentilmente o trabalho da Bebop Blues nos últimos anos é realmente inspirador. Sobre os planos para a divulgação de “Stray Cat”, vamos continuar trabalhando no formato online enquanto essa pandemia persistir. Uma vez que os níveis de imunização populacional sejam, de fato atingidos, e os shows presenciais sejam liberados, pretendemos divulgar as músicas ao vivo também, porque somos, sobretudo, uma banda que gosta do palco.
RR - 2020 foi um ano complicado para as artes e especialmente para a música. Qual a expectativa para 2021? Quais os planos futuros da banda?
Fernando - De modo geral, e sendo realista, a expectativa para 2021 é que essa crise de saúde pública seja pelo menos atenuada e que a maioria do país consiga se vacinar adequadamente. Quando isso acontecer poderemos, novamente, falar em algum tipo de normalidade e todos voltarmos à nossa rotina de shows ao vivo. Falando de modo muito realista, antes disso acontecer não adianta ficar fantasiando positividade. Sobre os planos da Bebop Blues, pretendemos, além de seguir divulgando o “Stray Cat”, trabalhar em novas composições e preparar a gravação e o lançamento do nosso segundo disco, ainda sem data para acontecer.
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