quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

'Holy Land' e 'Roots': o futuro chegou 25 anos atrás no metal nacional

Marcelo Moreira

Fãs de rock pesado brasileiros aceitaram, em certo momento, que bandas nacionais mergulhassem na culturas celta e viking para criar suas músicas, mas torceram o nariz quando elementos folclóricos e ritmos regionais de nosso país foram incorporados por grupos importantes e com carreiras internacionais. 

Basicamente, foi isso o que aconteceu quando o Angra decidiu criar e lançar "Holy Land" em 1996, CD que foi um marco na música brasileira, em especial no rock. 

Era apenas o segundo trabalho de uma banda que tinha cara de supergrupo, e que não economizou na ousadia, seja nas composições, seja no arranjos. 

"Holy Land" primeiro virou cult, depois ganhou o reconhecimento merecido: é considerado um dos grandes momentos do rock brasileiro e se tornou referência em termos de qualidade e de ousadia experimental. 

Curiosamente, quando de seu lançamento, o álbum causou bastante estranheza e demorou a ser compreendido. 

Era uma época onde ainda predominavam radicalismos e preconceitos com qualquer coisa que fosse diferente e fora do padrão – que o digam os integrantes do Metallica, que mudaram bastante quando apostaram na sonoridade do "Black Album" e na "suavidade" dos CDs "Load" e "Reload", que eram quase hard rock. 




Se "Roots", do Sepultura, lançado um mês antes, teve maior condescendência dos fãs por se tratar do maior expoente roqueiro do Brasil no exterior, "Holy Land" foi tratado e analisado com muito mais rigor, e submetido a um escrutínio recheado de preconceito e certa intolerância. 

As duas obras abordavam de maneiras distintas aspectos culturais e musicais do Brasil. O Sepultura apostou nas raízes indígenas e em um trabalho formidável de percussão. 

O Angra, no entanto, foi além ao mesclar diversos ritmos regionais e elementos até então inéditos no rock pesado brasileiro, com a adição de toques de baião, de música regional e arranjos diferentes. Não era somente uma busca obsessiva pelo novo, pelo inédito e pelo ousado. 

"Holy Land" embutia um conceito mais amplo de valorização das origens brasileiras dos integrantes da banda, o que levou o grupo a fazer uma imersão em um processo amplo e detalhado de pesquisas e leituras. 

Por mais que fossem novos e, de certa forma, inexperientes, os cinco músicos não economizaram na ousadia e procuraram um jeito diferente de compor e de criar. A audácia cobrou o seu preço: era uma obra de alta qualidade, mas que embutia muitos riscos. 

A incompreensão inicial talvez tenha sido o aspecto mais cruel de um processo contagiante e que transbordava entusiasmo – e que indiretamente, pode ter contribuído para os problemas que a banda enfrentaria nos três anos seguintes, dentro e fora dos palcos. 

Não existe exemplo melhor no rock brasileiro que ganha reconhecimento tardio e – mais importante ainda -, melhora com o tempo. 

Vinte e cinco anos depois ouvir "Holy Land" e "Roots" ganha um novo colorido, seja pelo simbolismo que carregam, seja pela inovação que exalam. 

Enquanto o álbum do Sepultura deu a impressão de que chegou mais "pronto" ao mercado, com suas ideias diferentes e peso absurdo, o CD do Angra parecia oferecer um enorme quebra-cabeças para induzir o ouvinte a uma viagem sonora intrincada, mas não menos fascinante. 

"Holy Land" deu a impressão, nas primeiras audições, de ter sido oferecida aos fãs como uma obra em construção, que requeria uma atenção e uma disposição maior para a degustação. O todo era importante, mas eram nos detalhes e nos arranjos que o conceito se alicerçava, de certa forma. 




Não é um álbum que surpreende o ouvinte permanentemente, mas o conduzia, a cada audição, a um patamar diferente. O obra do Angra estabeleceu novos parâmetros de produção e de qualidade artística nos estúdios brasileiros (e também no exterior). 

À medida que a compreensão aumentava, ao longo do tempo, mais o álbum se tornava referência para um tipo diferente de som e processo criativo. 

Há 25 anos, Angra e Sepultura davam uma grande lição de como surpreender e ousar em um mercado competitivo e, na época, ainda marcado por preconceitos e radicalismos. 

As duas bandas continuaram o bom trabalho nos anos seguintes, às vezes sem o mesmo brilho e ousadia, mas lançando álbuns interessantes e relevantes. 

 um mercado destroçado e que ainda assusta por conta das incertezas de como será possível continuar fazendo música sem grandes suportes do passado, algumas respostas, de certa forma, parecem vir de exemplos justamente do passado.

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