sábado, 20 de fevereiro de 2021

'Viola Paulista', uma grande homenagem à música regional

Marcelo Moreira

Viola caipira nunca teve nada a ver com o rock, pelo menso aparentemente, até meados da década retrasada. De vez em vez algum roqueiro mais visionário incluía a viola e outros instrumentos brasileiros em algum arranjo de algum tema que tinha a ver com a história do Brasil. Angra e Sepultura fizeram isso com bastante sucesso.

Entretanto, bastou que dois violeiros inquietos e talentosos fizessem a transposição de clássicos do rock para a viola de dez cordas para que o instrumento ganhasse espaço definitivo entre guitarras, baixos e baterias amplificados.

Com o projeto Moda de Rock, que já tem três CDs e um DVD ao vivo, o paulistano Ricardo Vignini e o mineiro Zé Hélder colocaram Iron Maiden e Tião Carreiro e Pardinho na mesma prateleira.

Como o projeto é sensacional, ganhou cobertura extensa do Combate Rock em todos os seus lançamentos e turnês. E assim a viola caipira foi se entranhando no rock e no Combate Rock.

Esse mundo sensacional e pouco conhecido dos roqueiros ganha uma nova perspectiva diante de uma iniciativa mais do que extraordinária em tempos de pandemia. O Selo Sesc está lançando o segundo volume de "Viola Paulista" em cinco EPs.

Sob curadoria e direção musical de Ivan Vilela, o projeto que traça uma etnografia da viola no estado de São Paulo ganha nova coletânea, desta vez reunindo 20 ecléticos artistas de carreiras consagradas, incluindo as mulheres violeiras.

O primeiro EP traz gravações de Adriana Farias, Arnaldo Freitas, da dupla Cláudio Lacerda e Rodrigo Zanc e de Levi Ramiro, músicos de Bauru e região. Ao longo do semestre, virão os outros EPs.

Adriana Farias (FOTO: DIVULGAÇÃO)



Origens portuguesas

A viola caipira tem sua origem nas violas portuguesas - datadas de antes do século 18 e trazidas ao Brasil por colonos lusitanos de diversas regiões - e de uma descendência remota dos instrumentos árabes como o alaúde - do século XV. 

Por aqui, também conhecido como viola sertaneja ou viola cabocla, o instrumento é muito popular no interior do país, em especial na região centro-sudeste, e tido como um dos símbolos da música popular brasileira, principalmente da sertaneja de raiz.

Do Brasil sertanejo que canta e dança, seja em pracinhas e coretos do interior, shows nas capitais e até em salas de concerto, a viola é um movimento cultural. 

A viola está presente da música sertaneja caipira à sertaneja universitária, valorizando a cultura de quem mora no campo, em toda a sua diversidade. 

Neste mundo rural onde a tradição oral se faz mais presente que a escrita, esta música tem por característica o tempo de escutar o outro falar. Uma cultura que, a cada ano, ganha mais adeptos, seja de músicos que debulham a viola ou mesmo de público.

Pesquisa profunda

E a convite do Selo Sesc, o professor, músico, compositor e um dos principais pesquisadores de cultura popular e da viola caipira no país, Ivan Vilela, aceitou o desafio de criar um mapa etnográfico do uso do instrumento em São Paulo, com a seleção de diversos tocadores e compositores de música de viola residente no estado. 

A iniciativa deu origem ao "Viola Paulista" (Selo Sesc), projeto iniciado em 2018 com a sua primeira edição, que apresentou ao público as múltiplas sonoridades deste instrumento e congregou, em faixas instrumentais e cantadas, artistas e grupos muito diversos, mas que têm em comum a paixão pela história e pelo som da viola.

Agora, a gravadora do Sesc São Paulo lança a segunda coletânea de Viola Paulista com a participação de 20 violeiros e violeiras que já têm uma carreira consolidada junto ao público e à cena musical. E no mapeamento de Vilela, os músicos selecionados abrangem todo o território do estado. São tocadores das regiões de Avaré, Bauru, Campinas, Piracicaba, São José do Rio Preto e Sorocaba.

Arnaldo Freitas (FOTO: DIVULGAÇÃO)



Em texto de apresentação do álbum, Ivan Vilela afirma que esses "artistas de diversos segmentos musicais nos deixam claro que a força de elementos da cultura popular se renovam nas mãos contemporâneas das violeiras e violeiros aqui presentes, certificando o caráter vivo e dinâmico das nossas tradições, uma marca da cultura do povo do Brasil".

O lançamento do Viola Paulista - Volume II" está dividido em cinco EPs. Cada um deles dá voz a diferentes sotaques do instrumento no Estado. 

O primeiro, abrangendo as regiões de Bauru e São Carlos, chegou às principais plataformas de streaming no dia 17 de fevereiro, incluindo na plataforma Sesc Digital, que oferece o conteúdo de forma gratuita e sem necessidade de cadastro. Para ouvir, acesse aqui . 

Neste primeiro EP, Levi Ramiro, representando Pirajuí, cidade do noroeste paulista, gravou a composição autoral "Na Mourada" com Marcos Azevedo (violão). 

Além de tocador de viola, ele também é um construtor e inventou uma viola feita de cabaça - fruto seco também conhecido em outras regiões do país como porongo ou purungo. O modelo é utilizado hoje por muitos violeiros.

A dupla viola-violão com Cláudio Lacerda e Rodrigo Zanc, de Botucatu e São Carlos respectivamente, gravou "Cumpadi", composição de Zé Paulo Medeiros. A letra nada mais é que uma conversa entre dois compadres de falas espichadas, em que a preocupação com o ser, como essência humana, é muito maior do que com o ter material.

De Echaporã, cidade da região de Bauru e Marília, o violeiro e compositor Arnaldo Freitas toca sua "Amanara". Um virtuoso do instrumento que tem como característica a maneira mais caipira de se tocar viola. Já integrou orquestras de viola, foi músico acompanhador do programa Viola, Minha Viola e atualmente dedica-se à carreira solo.

A violeira, compositora e cantora Adriana Farias, natural de São Paulo, capital, interpreta uma composição própria, "Canto e Danço Catira", na companhia do violão de João Bosco. Adriana foi a última apresentadora do programa Viola, Minha Viola, atração eternizada por Inezita Barroso (1925-2015) no comando e que ficou no ar por 35 anos na TV Cultura.


Repertório EP1


NA MOURADA (Levi Ramiro)

Músicos: Levi Ramiro (viola de cabaça) e Marcos Azevedo (violão)

Afinação: Cebolão em mi


CUMPADI (Zé Paulo Medeiros)

Músicos: Cláudio Lacerda (violão e voz) e Rodrigo Zanc (viola e voz)

Afinação: Cebolão em mi


AMANARA (Arnaldo Freitas)

Músicos: Arnaldo Freitas (viola)

Afinação: Cebolão em mi


CANTO E DANÇO CATIRA (Adriana Farias)

Músicos: Adriana Farias (viola, voz, palmas e pés) e João Bosco (violão, palmas e pés)

Afinação: Cebolão em mi


+ Viola Paulista


Volume II


Retrato dos violeiros e violeiras profissionais com carreiras artísticas consolidadas, com discos gravados e de um público cativo que acompanham os seus trabalhos. 

A lista dos artistas que compõem esta segunda coletânea é bem diversificada e vai de Enúbio Queiroz e Zeca Collares, ao multi-instrumentista Neymar Dias, que também transita no repertório clássico e transcreveu parte da obra original de Bach (1685-1750) para a viola caipira, só para citar alguns exemplos. 

Destaque também para a presença de duas violeiras, Adriana Farias e Juliana Andrade, representantes de um crescente protagonismo feminino no mundo da viola. 

"Entre violeiros-cantores e violeiros-instrumentistas, a viola passeia por muitos segmentos sonoros da música brasileira e por que não dizer também da música internacional como o jazz e o rock?", comenta Ivan Vilela em texto sobre o álbum.


Próximos lançamentos


24 de fevereiro

EP 2 com os violeiros Fernando Caselato, João Arruda, João Paulo Amaral e Zé Helder


3 de março

EP 3 com Ricardo Anastácio, Zeca Collares, Fernando Deghi e Ricardo Vignini


10 de março

EP 4 - com Enúbio Queiroz, Juliana Andrade, Fábio Miranda e Márcio Freitas


17 de março

EP 5 com Lauri da Viola, Wilson Teixeira, Neymar Dias e Júlio Santin


Volume I


Com 19 faixas, a primeira coletânea, lançada em junho de 2018, traz o retrato artístico de violeiros de diferentes regiões do estado. Mescla jovens músicos que são as novas apostas do instrumento e outros de carreira estabelecida, mas que não obtiveram até aqui o devido reconhecimento pelos seus trabalhos. 

O repertório mostra a diversidade do instrumento, com gravações autênticas de obras mais ligadas ao universo da música caipira, chegando até a música contemporânea composta para viola. 

Participaram os violeiros Bob Vieira, Bruno Sanches, Fabíola Mirella e Sérgio Penna, Gil Fererich, Jackson Ricarte, Leandro de Abreu, Moreno Overá, Neto Stéfani, Osni Ribeiro, Reinaldo Toledo, Renato Gagliardi, Ricardo Matsuda e Patricia Gatti, Ronaldo Sabino, Rodrigo Nali e Rafael Schimidt, Vinícius Alves, Zé Guerreiro Quarteto, José Gustavo Julião, Trio Tamoyo e Zé Márcio.


SOBRE OS MÚSICOS DO EP.1 - VIOLA PAULISTA II


Adriana Farias


Adriana Morelli Farias é natural de São Paulo, capital, começou a tocar viola caipira e violão aos 9 anos de idade, quando já cantava, e sempre dedicada e envolvida com a cultura caipira. Ao longo de sua carreira foi backing vocal de diversos artistas de destaque da música brasileira, assim como fez parte da banda Barra da Saia. Em 2016 iniciou sua carreira solo com o álbum "Beleza Rústica". Foi apresentadora do programa Viola, Minha Viola, da TV Cultura.


Arnaldo Freitas


Arnaldo Soares de Freitas Filho nasceu em Marília, é compositor e violeiro. Recebeu influência tanto dos grandes nomes do instrumento como também de referências do violão erudito. Durante uma década, foi violeiro residente do programa Viola, Minha Viola, da TV Cultura. Já se apresentou em palcos da Europa e América Latina e lançou 2 CDs autorais: "Divisa das Águas" (2014), e "Os Olhos de Maria" (2017).


Cláudio Lacerda e Rodrigo Zanc


Rodrigo Zanc é um cantador, violeiro e compositor paulista. Interpreta canções do repertório brasileiro e de sua própria autoria, usando a viola caipira como instrumento para expressar seus sentimentos e anseios. Luís Claudio Soares Lacerda sempre esteve ligado à música campesina. Possui 5 CDs lançados e foi premiado nas 3 edições do Prêmio Nacional de Excelência da Viola Caipira, na categoria de melhor intérprete. Rodrigo Zanc e Cláudio Lacerda cultivam há muitos anos a amizade e o duo musical aqui representado pela escolha da canção a ser interpretada: Cumpadi.


Levi Ramiro


Levi Ramiro Silva, natural de Uru-SP, mas radicado em Pirajuí-SP, é violeiro e artesão, tendo se tornado conhecido por tocar em instrumentos que ele próprio fabrica, sobretudo as suas violas de cabaça. Desde o seu primeiro CD, "Maracanãs" (1997), até o mais recente, "Duas Pontes" (2018), já são 10 álbuns dedicados à viola e às suas pesquisas com as sonoridades das culturas populares brasileiras.

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