Marcelo Moreira
Nem mesmo os mais lúcidos críticos da música (não "de" música), sejam músicos, jornalistas ou historiadores, escapam do patrulhamento a respeito sobre a sobrevivência ou sepultamento do rock. É o tipo de discussão onde prevalecem as opiniões pessoais e não se chegam a conclusões.
Recentemente o portal Dynamite voltou à ativa trazendo das catacumbas o polêmico blog Zap'n'Roll, liderado pelo jornalista Humberto Finatti, e o assunto dominou por algum tempo espaços nas redes sociais e em grupos de comunicadores. O rock morreu, mas não morreu, está morrendo, mas vai sobreviver... E sempre ninguém acerta.
Quem pretendeu polemizar, mas se arrependeu, foi o guitarrista inglês Steven Wilson, ex-Porcupine Tree e com uma interessante carreira solo que passeia pela música eletrônica e pelo rock progressivo.
Inteligente e considerado um dos intelectuais do pop na atualidade, foi o responsável, nos últimos anos, por remixar algumas das obras mais importantes de King Crimson, Yes, Gentle Giant e Jethro Tull, em um trabalho imenso e soberbo.
No entanto, escorregou um pouco ao declarar que o Greta Van Fleet é o que de melhor existe atualmente no rock, então este gênero realmente morreu e tem de estar morto mesmo.
Foi o que bastou para que sofresse uma avalanche de ataques no mundo inteiro, ainda mais depois que declarou não ser fã de Eddie Van Halen, morto no ano passado, e que sentiu muito mais as mortes de David Bowie e Prince, embora reconheça a importância histórica e a qualidade instrumental de Van Halen.
Wilson errou no tom ao se referir ao Greta Van Fleet, frequentemente acusado, com razão, de ser uma mera imitação do Led Zeppelin. Por outro lado, foi a banda que manteve o rock com o pescoço acima da linha d'água e com alguma possibilidade de ser relevante.
Para o guitarrista inglês, o futuro da música, rock ou qualquer outro, está na eletrônica, que é o que domina os sons cotidianos do nosso tempo. Portanto, segundo ele, as guitarras perdem importância e não mais importantes.
"Meus filhos não ouvem mais rock, não se importam com guitarras. Se querem ouvir algum tipo de guitarra, especificamente procuram uma ou outra música. É assim que as coisas estão hoje", diz Wilson em entrevista ao site "Under the Radar". Leia um resumo em português aqui, no site Tenho Mais Discos do que Amigos.
Não é uma impressão isolada. Muita gente observa a queda expressiva de vendas de instrumentos musicais nos últimos anos como uma nova expressão musical surgindo, com a ascensão de uma nova música eletrônica que se confunde com o rhythm and blues americano cada mais tecnológico e saturado de "barulhos eletrônicos".
Ao desprezar o valor e a importância da guitarra - ou, ao menos, constatar uma suposta decadência -, Steven Wilson ignora a força do rock e a resistência que sempre o caracterizou.
Deve-se compreender o contexto em que ele usou o Greta Van Fleet como exemplo de morte do rock, mas também não devemos ignorar a arrogância o exagero de sua declaração.
É a guitarra dos garotos americanos clones do Zeppelin que ainda instiga o interesse pela guitarra, ainda que o rock caminhe para se tornar uma música de nicho, como ocorreu com o blues nos anos 70 e 80.
Desvalorizar Greta Van Fleet (e o próprio rock) por conta de eventual falta (total) de originalidade é cair na vala comum dos detratores rasos que não conseguem cravar e acertar a "data" da morte do rock e se frustram com isso.
E é sempre bom lembrar que a última reinvenção do rock ocorreu em 1991 com um pastiche de punk vindo de Seattle, nos Estados Unidos, quando bandas lideradas pelo intragável Nirvana tentaram estabelecer o grunge como uma grande novidade.
Na verdade, só o Nirvana tentava emular algo de punk, mas ainda mais malfeito e tosco. As bandas que se livraram do grunge, como Peral Jam, Soundgarden, Alice in Chain e o posterior Foo Fighters conseguiram sobreviver muito bem abraçando vertentes mais pesadas, como o hard rock.
Se o quesito é falta de originalidade, então as críticas de Steven Wilson perdem força, errando o alvo de forma categórica, ainda que suas ponderações a respeito do rock mereçam atenção e reflexão.
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