Sem o Lynyrd Skynyrd, a música morre todos os dias. Foi dessa forma que o guitarrista Gary Rossington (que morreu há poucos meses) abriu a sua primeira entrevista após sobreviver ao acidente aéreo com o avião da banda americana que matou seis pessoas em 20 de outubro de 1977.
Faz 46 anos que a música morreu pela segunda vez, como estampou o jornal Miami Herald na época, em alusão ao acidente que matou Buddy Holly e Richie Valens em 1959.
Tão impactante impactante quanto, a destruição do Lynyrd chocou o mudo porque a banda estava em seu auge e porque conseguiu ultrapassar o rock e atingir outros públicos. Faziam rock, mas agravam o pessoal do blues e da country music mais tradicional. Eram venerados pelas crianças.
Lynyrd Kynyrd, da Flórida, era tão importante que chegou a ofuscar os mentores e amigos dos Allman Brother, naquele momento em hiato depois de quase dez anos de exaustivas turnê e da perda do guitarrista e líder Duane Allman, morto em um acidente de motocicleta - o motorista que o pegou m cheio estava bêbado.
Unidas na tragédia, as duas bandas praticamente criaram um gênero musical, o southern rock, que misturava um caldeirão de influências e exaltava a "gente caipira", que vivia no Sul e no Meio-Oeste profundos, resistentes à modernidade que atropelava os "costumes tradicionais" e a os "valores americanos" por excelência.
Neste mês de agosto há uma outra marca associada á banda, que tocará pela segunda vez no Braasil em 2023: faz 50 anos que a banda mais sulista de todas lançou seu álbum de estreia "Lynyrd Skynyrd (Pronounced 'Lĕh-'nérd 'Skin-'nérd).
Se os Allman Brothers tinham estabelecido as bases do que se chamou blues rock, foi o Lynyrd que praticamente formatou o southern rock, misturando tudo - rock, jazz, blues, country, soul - embalado por duas, às vezes três, guitarradas envenenadas.
É isso que transborda dos falantes quando ouvimos o álbum de estreia, uma porrada para quem esperava um rock caipira com jeito de música do pântano. E era um rock cheio de atitude, com o orgulho de ser sulista - apedar de terem surgido na Flórida, que não é bem um Estado sulista na essência.
"Lynyrd Skynyrd" era simples, cru e direto, mas com guitarras explodindo em timbres diferentes e pesados, mas mantendo a originalidade da mistura rock-blues-country, sob a liderança o vocalista Ronnie Van Zandt e do guitarrista Gary Rossington, com o apoio luxuoso de outro guitarrista, Ed King.
É um álbum tão poderoso que conta com dois dos clássicos eternos do rock, a maravilhosa "Free Bird" e a balada mor do country-rock, "Tuesday's Gone", regravada até pelo Metallica.
E ainda, se não bastasse, conta com outro poderoso rock, "Simple Man", canção amada por gente como Paul McCartney, Steve Tyler (Aerosmith), Pete Townshend (The Who) e muita gente mais.
Há outros destaques, como a positiva "It Ain' the One", com sua letra sacana e presunçosa, e a dramática "Gimme Three Steps", onde Van Zandt arrebenta no vocais .
Uma estreia tão forte e poderosa foi um alento para uma banda ás voltas com problemas crônicos de administração e uma rotatividade grande entre os integrantes. Mal se poderia imaginar que a banda seria marcada por tragédias, sendo a maior delas no auge da popularidade, que dizimou o Lynyrd e o tirou de cena por quase 12 anos.
Um símbolo da música americana
Mai do que nunca, o Lynyrd Skynyrd era a voz do povo que se sentia inferiorizado com a rapidez com que o mundo mudava e não se conformava em ter seu modo de vida considerado "retrógrado e medieval". Infelizmente, doses cavalares de racismo, em vários âmbitos sociais, ajudaram muito a reforçar esse "estereótipo" nem tão estereotipado assim.
Ficou famosa a polêmica pública entre o canadense Neil Young, radicado desde 1963 na Califórnia, e os integrantes da banda a respeito do conservadorismo sulista que beirava a ignorância, na visão do cantor e guitarrista.
A resposta da então banda em ascensão foi virulenta, com a celebração do sul americano e uma canção emblemática, "Sweet Home Alabama", além de assumir definitivamente a bandeira dos Estados Confederados, que lutaram contra o governo central dos Estados Unidos na guerra civil, ocorrida entre 1861 e 1865.
A vitória do "Norte", ou seja, o governo central, evitou a separação do "Sul" e referendou a libertação dos escravos, decretada pelo presidente Abraham Lincoln em 1863. Mais tarde Young e a banda se entenderam e até ensaiaram uma colaboração.
Por conta disso e muito mais, em um contexto rico e intrincado, o Lynyrd Skynyrd se tornou um grupo de extraordinário sucesso, campeão de vendas de discos e ingressos para shows, além de serem disputados a tapas por políticos de todas as colorações.
A música morre de novo
Ao contrário do que todo mundo pensa, somente o Led Zeppelin e os Rolling Stones conseguiam viajar com conforto e segurança nos anos 70 em intermináveis turnês. A imensa maioria dos roqueiros cruzavam a América e a Europa em aeronaves mais velhas e ônibus que eram um pouquinho melhores do que vans escolares e Kombis.
A banda Lynyrd Skynyrd já era grande e fazia sucesso desde 1974, mas só começou a ver dinheiro bom mesmo em 1977. E aí veio a tragédia com o castigado Convair que transportava a banda.
No fatídico 20 de outubro de 1977, a banda tinha um show no Lousiana State University, na cidade de Baton Rouge. O Convair levava 26 pessoas - a banda, sua equipe e dois tripulantes e o empresário.
Saiu de Greenville, na Carolina do Sul no final da tarde. Por volta das 18h45 o avião apresentou problemas e começou a perder altitude. Um dos motores parou durante o voo, e os pilotos tentaram transferir o combustível restante para o outro motor.
Não deu certo e o avião começou a cair rapidamente. O piloto ainda tentou desviar para um aeroporto próximo, mas as asas começaram a colidir contra as árvores mais altas.
A queda foi em uma floresta afastada em Gillsburg, estado do Mississippi. Morreram na hora o guitarrista Steve Gaines, o vocalista Ronnie Van Zandt, o gerente-emopresário Dean Kilpatrick, o piloto Walter MacCreary e o copiloto William Gray. A cantora e backing vocal Cassie Gaines, irmã de Steve, com um corte profundo na garganta, morreu uma hora depois, antes da chegada do socorro.
Mesmo com o fim imediato da banda, a gravadora MCA lançou o disco "Street Survivors", que estava programado para sair em poucas semanas. Diante da comoção mundial, ironicamente, o disco vendeu muito.
Com o intuito de homenagear os mortos e, principalmente, o irmão cantor, Donnie Van Zandt (vocalista da banda .38 Special) e Johnny Van Zandt elaboraram uma série de concertos no sul dos Estados Unidos com a participação de integrantes sobreviventes, como Gary Rossington e Allen Collins e mais alguns amigos.
Donnie voltou para sua banda, mas Johnny assumiu o legado de Ronnie e ressuscitou o Lynyrd Skynyrd, que existe até hoje, inclusive sendo responsável por um dos maiores sucessos de todos os tempos na área country, a canção-patriotada "Red, White and Blue", fazendo referências à bandeira norte-americana. Progressivamente. Johnny Van Zandt afastou a banda da famigerada bandeira confederada, considerada desde sempre um símbolo racista.
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