A tecnologia e a internet "mataram" as gravadoras e possibilitaram a proliferação das bandas de um músico/musicista só. Não é novidade, pois o canadense Devin Townsnd, a europeia Great Kat e muitos outros fazem isso há anos, assim como Paul McCartney tocou todos o instrumentos de seu primeiro álbum solo, "McCartney", de 1970, e em pelo menos outros dois desde então.
Muitos brasileiros do rock também colocaram para fora sua veia de multi-instrumentista neste século, seja de forma experimental, seja de maneira séria, como o bom guitarrista Tuto Hallgrim, de São Paulo.
Entretanto, poucos talvez tenham obtido resultados tão bons e consistentes como Gabriel Franzese, hoje radicado nos Estados Unidos e que desde 2020 atua como o líder da banda Dead Marble.
Inteligente e articulado, toca todos os instrumentos e ainda canta em algumas faixas do primeiro álbum da banda, "Dead Marble", que conta com o auxílio precioso do amigo vocalista Cameron Lafond. "Ele é um grande cantor e deixou as músicas com alta qualidade. Ao vivo eu assumo todos os vocais."
Franzese é um artista arrojado e não teve medo de ousar, passando por vários estilos de rock, indo pop ao hard rock, do metalcore ao prog metal. O resultado é um disco bem diferente e diversificado.
O álbum é fruto de três anos de trabalho árduo e criatividade coletiva. Cada faixa foi cuidadosamente elaborada para criar uma experiência musical imersiva, com letras significativas e melodias cativantes. “Dead Marble” representa a evolução artística da banda e sua capacidade de transmitir emoções por meio da música.Para shows, Gabriel assume o papel de vocalista e guitarrista solo, e conta com a ajuda de Hank Lin na bateria, Sam Callahan no baixo, e Alex Hart na guitarra base, todos amigos de faculdade. Foi por meio de seus estudos no Musicians Institute em Los Angeles que ele conheceu seus companheiros de banda.
Gabriel nasceu e cresceu em São Paulo. Sua paixão pela música começou depois de assistir a um DVD do Bon Jovi, aos 2 anos de idade. Com apenas 5 anos, começou aulas de guitarra no Souza Lima e estava determinado a aprender todas as músicas do Bon Jovi.
Combate Rock - O quanto é complicada a sensação de solidão ao gravar todos os instrumentos? São poucos os instrumentistas que o fazem no Brasil na atualidade.
Gabriel Franzese - Não vejo como solidão e sim como a completa independência da sua arte. Tudo que vem da minha mente é refletido nas músicas da Dead Marble. Chega a ser uma espécie de espelho de como pensava naquele momento. Músicas compostas por múltiplos integrantes são uma junção de ideias e pessoas, e nem sempre todos os membros ficam felizes com o resultado final de uma música. Como eu tenho completo controle, posso levar ideias a exatamente aonde quero que elas vão. Por exemplo, o disco da Dead Marble é 70% composto por músicas pesadas. "Flowers" é a mais melódica e diferente das outras músicas. Se o processo de composição fosse compartilhado com outras pessoas, talvez eles não aceitassem "Flowers" como parte do disco.
Para as apresentações ao vivo qual será a banda que o acompanhará?
Já fizemos o primeiro show da Dead Marble em julho deste ano, no Viper Room de Los Angeles. Os músicos que fazem parte da Dead Marble nos palcos são compostos por meus amigos que conheci na Musicians Institute. Hank Lin na bateria, Alex Hart na guitarra base e Sam Callahan no baixo. Todos são músicos de excelente calibre e multi-instrumentistas também. Até trocamos de instrumento em uma parte no nosso show, algo que poucas bandas fazem.
O som de seu álbum é bastante moderno e as timbragens de guitarra são diferentes. Como foi o processo de pesquisa para chegar nesses timbres?
Quando eu e o Rafael Picoli (produtor) fomos gravar o álbum da Dead Marble, usamos o Axe FX para os timbres de guitarra e baixo. Pegamos um timbre de estoque dele para não passarmos tanto tempo escolhendo timbres específicos. Gravamos basicamente o álbum todo com ele. Fiquei tão acostumado ouvindo aquele timbre que decidimos mantê-lo. Também usamos alguns plugins da Neural DSP para complementar o som das guitarras, especialmente o Archetype: Gojira e Archetype: Petrucci. Para tocar ao vivo, eu tenho usado o Quad Cortex da Neural DSP.
É inevitável fazer uma comparação com Wolfgang Van Halen, que acaba de lançar o segundo disco do Mammoth WVH. Os processos de composição e gravação foram bem parecidos, embora o seu trabalho seja mais experimental e progressivo, Você vê alguma semelhança com o trabalho do artista citado?
Sim, vejo semelhanças, pois o Van Halen sempre foi uma referência para mim. Lembro quando o Wolfgang tocou baixo para eles durante a turnê de 2015, achei legal demais dele tocar com o pai e o tio. Mas nunca soube que ele era multi-instrumentista. Compus o álbum em 2020, no ano em que o Eddie Van Halen faleceu. Quando o Wolfgang lançou seu primeiro disco e promoveu que ele tocou tudo no disco, fiquei muito feliz em ver alguém de alto calibre reabrindo as portas para algo que eu estava fazendo. Digo reabrindo porque o Dave Grohl já havia feito isso no primeiro álbum do Foo Fighters. É algo que traz atenção e público para esse nicho. Eu também quero ver mais multi-instrumentistas fazerem seus próprios álbuns também!
"Never Pure" remete a Foo Fighters, seja pela estrutura da música, seja pela energia transmitida. Dave Grohl, que também é multi-instrumentista, serve, de alguma forma, de referência para você?
Dave Grohl foi a minha primeira referência de multi-instrumentista. Amo o trabalho dele, desde o Nirvana até os seus álbuns com o Tenacious D. Em 2018 o Dave lançou uma música de 20 minutos chamada "Play" em que tocou todos os instrumentos. Ele lançou um clipe muito bem montado tocando tudo, e é um vídeo que assisto até hoje. Eu fico sem palavras descrevendo o talento dele. Uma das minhas metas com a Dead Marble é abrir um show do Foo Fighters. Quem sabe um dia teremos um line-up de Foo Fighters, Mammoth WVH e Dead Marble?
O seu trabalho varia do hard rock ao quase metalcore ("Quicksand"), passando por uma canção interessante que é "Through My Camera Lens", que tem viés pop e guitarras acústicas bem arranjadas. Essa diversidade de temas e sub gêneros foi planejada?
No início não foi planejada, mas acabei abraçando a ideia quando percebi que cada música era diferente. Tenho referências de múltiplos gêneros, e consegui honrá-las de diferentes formas. “Quicksand” nasceu da hipótese de “e se” o Animals as Leaders houvesse composto “Slow Dancing in a Burning Room”, do John Mayer? Ela apela mais para o metal progressivo moderno, como Animal As Leaders, Polyphia e Unprocessed. “Rinse & Repeat” tem uma pegada mais Bring Me The Horizon e Linkin Park. “Heroin(e)” é um Golias de referências ao Dream Theater com toques orquestrais do Hans Zimmer… Gosto de misturar todas as minhas referências!
Como o mercado hoje é muito diferente de anos e décadas atrás, você ainda opta pelo formato álbum, mesmo sendo de uma nova geração. Esse formato é satisfatório nos dias de hoje para a divulgação?
Não importa o ano, álbuns sempre contarão histórias. No caso do álbum "Dead Marble", ele conta a minha história durante a pandemia. Coisas que vi e vivi durante 2020. Existe um elemento em comum entre todas as músicas que as vinculam. Ele não causaria o mesmo impacto se fosse dividido entre 10 singles. Existe um charme em poder juntar um período da sua vida em um trabalho. Até o processo de imaginar a capa, ordem das músicas, estética sonora… Não se pode fazer isso com apenas singles. Por exemplo - quando alguém menciona "Sad But True" do Metallica, na hora vem a capa preta na minha cabeça. 1991 com o Bob Rock infernizando a vida do Metallica pra deixar um álbum mais coeso e bem gravado. Já "I Disappear", que foi lançada como single em 2000, não traz uma história. Foi gravada para um filme e é isso. Vinculo mais ao filme do que ao Metallica! Mas claro, se falamos de divulgação, a atenção do público de hoje em dia é muito mais curta do que antigamente, por isso bandas lançam mais de 2 singles por álbum. Às vezes os ouvintes sentem preguiça de sentar e escutar 50 minutos de música de uma vez só. Eu, como artista e ouvinte, prefiro o formato de álbum. Mas talvez um dia pense diferente e adere ao modelo de singles que artistas como Falling in Reverse e Bring Me The Horizon.
Pelo menos metade do disco, na minha opinião, requer uma atenção redobrada para que se perceba a riqueza de detalhes e as letras, que são bem acima da média. Como as pessoas hoje têm menos comprometimento com a arte e com a música, em particular, como você acredita que seu trabalho está sendo consumido? Com um trabalho mais denso, é possível quebrar a bolha da "audiência ansiosa"?
Todas as letras do álbum são muito pessoais para mim. Como mencionei anteriormente, elas contam sobre o que vi e vivi durante a pandemia. Desde a onda de negatividade que víamos na TV todos os dias, como todo dia parecia igual, o jeito que as pessoas e seus relacionamentos mudaram… Tópicos que muitos conseguem associar à 2020. Como eu componho um trabalho mais denso, nem todos vão parar para ler/prestar atenção na letra. Eu gosto mais de prestar atenção na musicalidade de outras bandas do que na letra. Eu paro para ler a letra depois de ter ouvido a música. Mas cada ouvinte é diferente e consome música de maneira diferente. Vai de cada um! Eu não sou a pessoa para dizer como cada um tem que escutar as minhas músicas. Música é uma jornada que tem milhões de caminhos, e nem sempre te trazem pro mesmo destino.
Você pensa, em algum momento, convidar algum vocalista para ao menos dividir os vocais ao vivo e no estúdio?
Nesse disco eu chamei meu amigo Cameron Lafond para cantar em algumas músicas em estúdio… A voz dele é incrível. Ele já havia colaborado comigo em outras músicas minhas lançadas no nome de "Gabriel Franzese". Cameron cantou em "Rinse & Repeat", "Never Pure", "Quicksand", "Through my Camera Lens", "Lighthouse" e "Heroin(e)". Já para performances ao vivo eu assumo todos os vocais como frontman. Também quero que a experiência de nos ver ao vivo seja diferente do disco. Como já dizia o Kirk Hammett: "Quer que eu toque que nem no disco? Vá ouvir o disco!" (risos).
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