Com a MPB estagnada em vendas e em qualidade artística no ano de 1980, a mesma dúvida persistia entre as cabeças pensantes da imprensa cultural e uma certa juventude descolada, mas perdida em devaneios: quando seria que o Brasil despertaria para o entretenimento jovem e o consumo em massa de seus produtos?
A resposta veio dois anos depois como um novo tipo de rock que não era novidade no exterior, que soou como um despertar de um país adormecido e ainda amarrado a uma ditadura militar putrefata.
E então uma banda anárquica chamada Blitz criou uma cultura pop dedicada ao mundo jovem e inaugurou uma nova era no entretenimento do Brasil movida a guitarras com tempero bem característico e local.
Há 40 anos a Blitz soube captar, com um jeitão carioca, os anseios de uma juventude que começava a reivindicar e mostrar que poderia ser um importante nicho de consumo de arte e moda.
E o megahit 'Você Não soube Me Amar', com seu tema juvenil e linguagem de recreio de escola ginasial estourou em todo o Brasil trazendo a molecada para o palco principal com um séquito de bandas ávidas por repartir o bolo.
O principal "culpado" pela explosão do rock nacional com cara de rock nacional é Evandro Mesquita, figura carismática e sedutora que liderava a Blitz.
A banda era um combo lotado de músicos e que teve a coragem de puxar duas meninas que faziam vocais adicionais, Fernanda Abreu e Marcinha Bulcão, para frente do palco e completar aquela zona de caráter teatral embalada por pop rock quase inofensivo, mas extremamente inovador e certeiro. E mesquita se descobriu um tremendo líder de palco.
"Sabíamos que estávamos fazendo uma coisa diferente, e até inovadora, com pegada pop e com potencial de sucesso, mas jamais prevíamos a dimensão que a coisa tomou", diz o cantor em entrevista ao Combate Rock.
Ator de prestígio no Rio de Janeiro nos anos 70 e começo dos anos 80, Mesquita também era conhecido como um agitador eficiente e bem relacionado, o que facilitou a disseminação de sua nova empreitada cultural, a banda Blitz. "Não era para ser rock, era para ser tudo, um som que misturava Mutantes, música brasileira, Beatles, Rolling Stones e o que desse para colocar na receita."
A pegada teatral foi quase uma exigência de Mesquita, que havia passado por várias companhias. Não que houvesse um conceito definido, mas o show da Blitz tinha de ser completo, envolvendo outras dinâmicas e outras artes.
Se não dava para prever, evidentemente, o impacto que a ova atração musical teria, os integrantes tinham certeza de que estavam fazendo algo diferente do que se fazia na época. Desde o começo a ideia era colocar o jovem como protagonista daquela cena ensolarada e bem-humorada.
O nascente movimento punk brasileiro, notadamente em São Paulo, já conseguia atrair uma juventude mais engajada e ativista nos difíceis tempos finais da ditadura, mas o grosso da garotada aspirava por um som próprio, sem agressividade e que contestasse o mundo real da época de uma forma mais lúdica. Antes de protestar, a maioria dos jovens queria ter representatividade, ser vista e considerada.
A música punk e o igualmente incipiente heavy metal eram agressivos e não eram considerados "sons nossos". Não encontravam ressonância no que a galera queria. Eram músicas de nicho e importadas. Coube à Blitz abrir os portões do claustro e libertar a juventude para abraçar uma música que a representava e falava diretamente com ela.
"Não foi algo deliberadamente pensado com esse propósito, mas tivemos o mérito de saber o que a moçada pensava e, de certa forma, o que gostaria de ouvir", diz Mesquita. "De um jeito meio carioca, mas com muito alto astral, traduzimos o que muita gente pensava e queria ouvir."
Os detratores não perderam tempo em criticar o "conteúdo bobinho e raso" de todas as canções de "As Aventuras da Blitz", o primeiro álbum com nome e cara de trilha sonora de seriado de TV. "Artificial e vazio como uma conversa de recreio", chegou a zombar um deles em um jornal da vida.
Pois a Blitz acertou em cheio ao cantar as alegrias da vida e colocar o cotidiano do jovem - ainda que o carioca meio de classe média, como os retratados no filme "Menino do Rio", da mesma época.
Era ma juventude que não queria mais cantar "O Bêbado e o Equilibrista", "Apesar de Você" e "Como Nossos Pais". Queriam cantar a balada do dia anterior, do namorico no cinema, mas sem a ingenuidade de 30 anos antes. Queriam falar do surfe, das ondas, do skate, da briga de gangues de colégios. E queriam ouvir aquele som gostoso em pleno verão de sol castigador.
Da forma deles, sem conflitos e confrontos, esses jovens queriam sair da invisibilidade e resistir debochando do mundo cinza que dominava a realidade,
Queriam buscar a sua liberdade e lutar por ela sem ter de fazer passeata e enfrentar balas de borracha e cassetetes. Queriam transgredir tomando cerveja, "bombeirinho", fumar alguma maconha e encarar os "amassos" mais picantes no cinema - podia ser até em ma sessão de "Menino do Rio", cuja trilha sonora rivalizava com o disco da Blitz.
Foi com tudo isso que a Blitz inaugurou uma era luminosa da cultura jovem nacional e trouxe a molecada para o centro das atenções. Ainda que no começo fosse algo bem classe média, logo se espalhou pelo Brasil para todas as camadas populares. Era uma cultura pop genuinamente popular movida a rock.
"É um orgulho ter participado disso tudo e ter dado o pontapé inicial para uma avalanche cultural", celebra o cantor da Blitz empolgado com o momento atual. "Estamos em plena atividade, com agenda lotada de shows e o planejamento de lançar quatro álbuns nos próximos meses com músicas inéditas e releituras de músicas que consideramos importantes em nossa história."
Sobre a relação entre os tempos sombrios dos últimos quatro anos e os de 40 anos atrás, Mesquita prefere ser cauteloso ao apontar uma diferença importante. "Estamos passando e, espero siando de tempo difíceis e preocupantes, mas hoje temos a liberdade a nosso favor, temos a democracia. Em 1982 er diferente, não tínhamos nem uma coisa nem outra. era bem mais complicado e a luta era foi mais dura. Sobrevivemos e contribuímos, de alguma forma, para os tempos interessantes que se seguiram e desembocaram m 2022."
E pensar que uma banda tão revolucionária e, de certa forma, inovadora, teve como baterista por um tempo Lobão, também revolucionário que mudou de campo ao ficar velho, optando pr um comportamento conservador a ponto de elogiar o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro (PL)...
Um dos orgulhos de Evandro Mesquita é o de que, embora classificada como uma banda pop, a Blitz seguiu e segue uma trilha de inovação de fundo progressista. Passadas as eleições presidenciais, o cantor vê com otimismo o futuro que se descortina embalado com músicas alegres, positivas e ensolaradas.
A formação atual da Blitz é Evandro Mesquita (vocal, guitarra e violão), Billy Forghieri (teclados), Juba (bateria), Rogério Meanda (guitarra), Alana Alberg (baixo), Andréa Coutinho (backing vocal) e Nicole Cyrne (backing vocal).
Nenhum comentário:
Postar um comentário