Supergrupos costumam gerar mais decepções do que grandes esperanças, seja por conta dos resultados aquém do esperado, seja pelo fato de que as expectativas sempre são as maiores possível e, frequentemente inatingíveis. No rock nacional, costumam não passar de reuniões de amigos para a finalidade diversão.
Quando começaram os rumores de que o Sinistra estava se formando, havia muito mais dúvidas do que certezas, mesmo porque o projeto demorou se consolidar por uma série de fatores, entre eles a pandemia de covid-19. "O Sinistra é uma realidade e é o meu projeto para o futuro", disse ao Combate Rock o guitarrista Edu Ardanuy (ex-Dr. Sin) logo que se reuniu como vocalista Nando Fernandes (ex-Hangar).
Foram apenas dois singles ótimos nos últimos dois anos e meio e muita gente desconfiava: será que a qualidade ótima de "Quem é Você?" e "Viver" não seria o suficiente para manter o projeto?
A espera valeu a pena, e o supergrupo Sinistra mostrou não só que era um empreendimento sério como destinado a se tornar um marco no rock pesado brasileiro.
O lançamento do álbum autointitulado em um evento na zona leste de São Paulo foi uma celebração do rock nacional e uma declaração de intenções para cravar definitivamente que é possível fazer rock muito pesado em português, reforçando o aminho trilhado por Golpe de Estado, Baranga e Carro Bomba.
E o espaço Tiarlinda estremeceu na audição das dez músicas que compõem o álbum de estreia. É um disco pesado, denso e sinistro, como gosta de definir Fernandes, um cantor com voz poderosa e longa, daquelas que preenchem todo o ambiente, da mesma forma que o baixo estrondoso de Luís Mariutti (Shaman, ex-Angra).
Com o baterista Rafael Rosa completando a equipe, a banda Sinistra inaugura uma promissora etapa para o rock pesado em português. "Eu venho de uma outra praia, sempre fiz heavy metal em inglês, e tinha alguma dúvida sobre fazer em português", comentou Mariutti. "Quando cheguei e vi as músicas, não havia mais dúvidas."
Edu Ardanuy fez uma árdua pesquisa de timbres e possibilidades musicais para compor as canções do primeiro disco. Experiente e idolatrado como um dos nomes gigantes da guitarra, conciliou as apresentações solo com os trabalhos do novo projeto.
Se no Dr. Sin o som era maus bluesy e hard, com ecos setentistas, agora o som é mais moderno e pesado, remetendo diretamente a Black Sabbath. É um som sem concessões, com letras tão pesadas quanto a sonoridade quase doom metal.
"Eu sei que é um tipo de música que vai agradar em cheio gente um pouco mais velha, é anos 80 em muitas passagens", diz Ardanuy. Entretanto, da mesma forma que hoje muitos jovens estão descobrindo as bandas mais antigas, creio se possível atrair a juventude para um som diferente e bem feito. Será um grande desafio trazer a molecada para nos ouvir, e sei que vamos conseguir. O Golpe de Estado tem sido bem-sucedido neste aspecto."
Desde os primeiros acordes de "Mente Vazia" o que se respira é Black Sabbath da fase Ronnie James Dio. O som e calcado naquela fase, mas vai além, com letras trabalhadas ao estilo Ozzy Osbourne - "Mente Vazia/Casa do Diabo", diz a letra que serve de bela introdução ao solo demoníaco de Edu Ardanuy.
"Viver" desanuvia um pouco o ambiente, como se o Golpe de Estado estivesse anabolizado e ganhasse uma injeção a mais de adrenalina - como se isso fosse possível nesta venerável instituição roqueira...
"O Amanhã" é uma canção que lembra s melhores momentos do Rainbow, também com Dio nos vocais, em uma interpretação desesperada, mas de extremo bom gosto. Os riffs pegajosos de guitarra extrapolam o virtuosismo e emulam o que de melhor já se fez em musica pesada no Brasil.
"Santa Inquisição" retoma o esquema Black Sabbath puro com uma letra aterradora sobre os pecados e excessos da Igreja Católica entre o séculos XV e XVII na Espanha e em Portugal.
Quem mais teria coragem de abordar tal assunto em uma época que as pessoas mal destinam um minuto para ouvir uma canção inteira? Tudo bem que o Harppia narrou os tempos difíceis paras bruxas em "Salem" lá nos anos 80, mas era um outro mundo... É uma pena que seja assim diante de riffs de guitarra tão poderosos.
Mais acelerada e com muita fúria, "Quem É Você?" também abusa dos riffs poderosos, mas em um ambiente doom, bem ao estilo dos suecos do Candlemass, O clima e assustador de filme de terror - uma bela trilha sonora para um filme de Zé do Caixão. É a canção mais "sinistra" e a que simboliza o álbum. O riff principal tem parentesco direto com os das canções "I" e "After All", do disco "Dehumanizer", do Black Sabbath.
Luís Mariutti chegou ao time no começo, mas quando quase todas as canções estavam praticamente finalizadas, mas nem parece. Seu baixo atua com tamanha precisão e propriedade que se mostra á vontade em todo o álbum, mas principalmente em "Quem É Você?", ampliando o clima tenebroso da faixa.
"Umbral" é outra faixa tétrica, com o baixo servindo de motor poderoso para riffs ainda mais destruidores de guitarra, principalmente naquele que serve de abertura. Nando Fernandes parecer além dos limites e comete o seu melhor trabalho vocal no ambiente, mostrando versatilidade e domínio do estilo.
Não é um disco fácil de ser ouvir no caso de quem não tem muita familiaridade com os timbres de guitarra sombrios de guitarra e com os temas que abordam diversos tipos de sofrimento, dor e supremo terror.
Mentes doentias? Para nossa sorte, sim, tanto que chave vira nas duas canções seguintes. "Livre Para Seguir" desanuvia o ambiente e embarca em um hard'n'heavy contagiante fazendo uma analogia entre a liberdade para viver do jeito que se quer e a possibilidade de guiar um carro potente em uma autoestrada. é rápida, envolvente e dinâmica.
A coisa segue legal em "Rock and Roll na Veia", rápida, acelerada e e "na veia", como uma boa canção do Made in Brazil. O clima positivo de recomeço e de levantar das cinzas é igualmente contagiante.
"Nada É Mais Igual" já nasce clássica, podendo figurar em qualquer álbum do Golpe de Estado. É hard rock de boa estirpe, com uma crítica politico-social intensa sobre a intolerância que domina a nossa sociedade atual. a letra é certeira, pois nada é mais igual, e jamais será, por mais que o solo de Ardanuy nos lembre do melhor que o rock pesado já produziu.
O disco termina com "Insônia", que, de certa forma, termina como um anticlímax para uma ora tão poderosa e pesada. A densidade doom retorna m uma balada que pesa uma tonelada, recriando um clima de filme de terror. Não chega a destoar, mas é uma música que não difere muito do começo de "Sinistra".
Para quem reclama que heavy metal em português, com todo o peso do mundo, se resumia ao Carro Bomba, a chegada definitiva do Sinistra é o melhor dos mundos.
No evento de lançamento, em 27 de novembro, o quarteto tocou, ao vivo, três músicas que comporão o show previsto para 29 de janeiro no Carioca Club, em São Paulo, naquela que está sendo considerada a verdadeira estreia nos palcos. Ao vivo a Sinistra melhorou o que já era excelente no estúdio.
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