Do boteco mirrado de Uberlândia (MG) ao grande mural de 5 metros de altura em plena avenida mais importante de Nova York. Da aclamação quase geral de seu trabalho no Brasil às acusações pesadas de "discriminação" e "incentivo à violência". Nada parece ter meio termo para o trio de hardcore/thrash metal Black Pantera.
Os três músicos negros mineiros transformaram a banda e o antirracismo como missão de vida e foram catapultados ao topo por uma mistura de humildade, ferocidade, raiva e engajamento político raras vezes visto no rock nacional e na música brasileira em geral.
"Legado" é a nova música do trio recém-lançada e segue na mesma linha do maravilhoso álbum "Ascensão", que é pesado, intenso, ativista e engajado até a medula óssea. É lá que está a canção "Fogo nos Racistas" que tanto provoca a ira dos conservadores e dos protofascistas - e que ensejou as acusações de estímulo á violência.
"Que bom que a música incomodou. Esse era o objetivo", brada o baixista Chaene da Gama em conversa com Combate Rock. "Curiosamente, o racismo não incomoda, a discriminação e o ódio não incomodam, mas o grito preto contra o racismo não incomoda. É bom se acostumarem."
"Legado" segue a sina de 'Ascensão": é uma canção intensa, pesada e repleta de ativismo, citando os lideres negros Malcolm X e Martin Luther King, ambos americanos e assassinados nos anos 60. É mais uma declaração de intenções feita para incomodar, chamar a atenção pra o racismo e colocar muitos elefantes na sala.
A canção, forte e inquisitiva, vem no mesmo momento em que crescem os ataques por supostamente "incitarem a violência" - ao mesmo tempo em que se tornam estrelas de uma campanha internacional contra o racismo.
A banda está entre as escolhidas para a campanha mundial do YouTube "Black Voices". A visibilidade foi imensa e as menções à banda explodiram - e eles que pensavam que o ponto alto de sua trajetória de oito anos tinha sido a explosiva apresentação no Rock in Rio 2022 ao lado dos pernambucanos e amigos Devotos...
Nas redes sociais, Charles Gama, o fundador do grupo, exaltou o feito. "Diretamente da Carangola, do Parque São Geraldo, para os outdoors em Nova York. Isso é inimaginável, muito obrigado YouTube Black Voices. Olha aonde o bonde aqui chegou, gratidão. Ascensão do nosso Legado", encerrou fazendo alusão ao álbum aclamado e ao novo single.
O nome do trio foi inspirado no partido político revolucionário norte-americano Panteras Negras, que foi criado em 1966 em defesa da comunidade afro-americana e para lutar contra o racismo. É formado pelos irmãos Charles Gama (voz e guitarra) e Chaene da Gama (backing vocal e baixo), além de Rodrigo "Pancho" (bateria).
Para aqueles que tentaram dissuadir os três jovens negros de abandonar o ativismo e o engajamento, bem como o som pesado, o sucesso monstruoso dos quatro últimos anos é uma pancada de barra de ferro na cara.
A qualidade do som e a coragem de fazer ativismo político e social em suas letras raivosas transformaram o trio em alvo preferencial de racistas, ultraconservadores e aspirantes a fascistas, mas foi fator primordial para impulsionar a carreira nacional e internacional. São requisitadíssimos para festivais no Brasil e costumam tocar bastante na Europa. Tocarão no Lollapalooza 2023, em São Paulo.
"Claro que é reconfortante e recompensador ver os resultados positivos recentes, frutos de trabalho intenso", comemora Chaene. "Uma banda preta de rock sendo reconhecida é importante para que não baixemos a guarda na luta contra o fascismo e o antirracismo."
Rodrigo "Pancho", por sua vez, não economiza no sarcasmo e ironia ao comentar, por trás do rosto sempre sorridente, as críticas que o Black Pantera recebe por ser "pesado, violento e contestador".
"Esse discurso supostamente conciliador só serve para minimizar a força da contestação. É como se nós fôssemos os violentos e perpetradores da violência, e não o contrário", afirma o músico. "Somos vítimas, mas querem nos responsabilizar pela violência que sofremos. Não vamos no cansar de desmascarar essa gente."
Chaene evita dar muita importância ao fato de banda estar na vanguarda do engajamento político-social dentro do rock e ao fato de serem um dos poucos negros a se destacar no rock. "Não é confortável ganhar destaque por sermos um trio de músicos negros, o que por si só evidencia como o racismo estrutural é forte e difícil de ser quebrado. Somos uma banda de rock com posicionamento forte e claro. Estamos felizes por todo o reconhecimento."
Com toda a repercussão maciça que vem recebendo, o Black Pantera é hoje a banda de rock mais importante do rock nacional, ainda que permaneça no underground. Divide a vanguarda do engajamento sociopolítico do gênero com Ratos de Porão e Dorsal Atlântica.
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