quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Há 40 anos começava o fim do mundo no Sesc Pompeia, em São Paulo



No tempo em que ser punk era um estilo de vida na Inglaterra e nos Estados Unidos, no Brasil era uma um ato de fé, uma verdadeira missão e , mais do que nunca, uma postura de pura resistência.

Em tempos de ditadura militar agonizante, mas ainda brutal, protestar não era o suficiente: era preciso enfrentar e confrontar, enquanto isso, no mundo ,a guerra fria entre norte-americanos e soviéticos assombrava diante de um eventual conflito nuclear.

Há 40 anos, ser punk em São Paulo era conviver com a vigilância do "sistema", de enfrentar a truculência do Estado e a violência das gangues fascistas que se diziam punks, mas nada mais eram do que analfabetos políticos adeptos do totalitarismo e contra qualquer tipo de diversidade e demoracia.  

Esse era o espírito que predominou nos dois dias de violência sonora em novembro de 1982, no Sesc Pompéia abarrotado de músicos e fãs com "sangue nos olhos". Era o festival "Começo do Fim do Mundo", evento memorável que entrou para a história do rock brasileiro.

Antes relegados a guetos e nichos escondidos, os punks fizeram a sociedade brasileira finalmente que eles existiam no Brasil – e em bom número, grande parte deles moradores da periferia paulistana e da Grande São Paulo - tudo registrado pelo Selo Sesc, que lançou o DVD "O Fim do Mundo, Enfim", documento comemorativo dos 30 anos do primeiro festival punk do Brasil.

"O Começo do Fim do Mundo", festival punk emblemático e um dos marcos históricos da música brasileira, foi realizado nos dias 27 e 28 de novembro de 1982 no Sesc Pompeia, na zona oeste de São Paulo. A organização coube, entre outros ao escritor e dramaturgo Antonio Bivar.

 O evento deu uma visibilidade inimaginável para o movimento paulistano. "Foi um dos mais importantes eventos punks do mundo", lembra Clemente Nascimento, líder e vocalista dos Inocentes e um dos músicos que tocaram há 40 anos. O DVD é um documento necessário sobre uma das cenas mais importantes que o rock nacional viveu. 

Em 2012, muitos dos participantes do evento original se reuniram para comemorar os 30 anos - e depois se reencontraram no mesmo cenário. Em declarações ao Combate Rock, Clemente disse que o festival de 1982, além de mostrar ao país que existia um movimento punk considerável, foi importante porque celebrou a união entre as várias "tribos" espalhadas pela capital e pela periferia.

Era notória a rivalidade, por exemplo, entre os punks do ABC, que se consideravam ideológicos e politizados, e os de São Paulo, que eram tidos como anarquistas ou até mesmo alienados. 

"A música e as mensagens era o mais importante, e houve respeito a todos os artistas e o clima foi ótimo e intenso", disse Clemente Mesmo assim houve quem temesse por confusão e briga generalizada.

"Havia tensão no ar, estavam lado a lado na plateia caras que viviam se estranhando nas 'quebradas' meses antes. No primeiro dia tudo correu aparentemente bem, mas no segundo o pessoal do ABC e o da zona norte começou a olhar torto e fazer cara feia. Aí, do nada, apareceu a polícia para conter a 'zoeira' de uma galera que estava arrepiando. Era o que precisávamos, um inimigo para selar a união", lembra o empresário Carlos Martins, o "Rato", que tinha 22 anos na época. Então office boy, andava com uma turma do Tucuruvi (zona norte).

Havia gente do ABC no Sesc Pompeia, e não houve confusão grave entre as "tribos', mas a polícia paulista, com "sangue nos olhos", não economizou nas pancadas e quase inviabilizou a continuidade dos shows.

Há quem diga que a resistência punk no Sesc Pompeia foi fundamental para evitar que o movimento se dispersasse. "Resistimos, e isso serviu de inspiração para o cenário metal que começava e para uma nova geração de trabalhadores metalúrgicos que se insurgia contra o regime militar", diz Rato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário