terça-feira, 3 de outubro de 2023

Camisa de Vênus ainda insiste na misoginia e no preconceito depois de 40 anos

 Teimosia, muitas vezes, custa caro, em todos os sentidos. e custou caro para a banda Camisa de Vênus, que há  mais 40 anos desfila seu rock regando a punk e a afronta aos cânones de uma sociedade hipócrita e que cultiva o preconceito e a desigualdade. 

Ao cantar a música "Sílvia", inadequada desde sempre, embora insultuosa e afrontosa, como convém ao bom rock and roll, teve seu cachê bloqueado pelos produtores do shows que fizeram no último final e semana em Ilhabela (SP), litoral norte paulista.

A canção é misógina, preconceituosa e induz a interpretações que podem ser consideradas apologia à violência contra a mulher. E é altamente preconceituosa ao chamar a Sílvia, a "inspiração" da canção, de piranha.

Lá em 1984, quando a canção era tocada nas emissoras de rádio com os famosos bips nos palavrões e expressões chulas, ainda era divertido para o adolescentes de 15 anos do ginásio e colegial. 

 Era misógina, assim como algumas canções outra da banda e do Ultraje a Rigor, por exemplo. Mas fazia algum sentido: era o final da ditadura militar, ainda havia medo político no ar e o rock nacional dos anos 80 parecia bastante inofensivo com a ilha sonífera dos Titãs, os óculos dos Paralamas do Sucesso e o rock infantil da Blitz.

O Camisa de Vênus apareceu para quebrar tudo. Era diferente, mais pesado, mais punk e sem papas na língua. e seus integrantes eram mais velhos, mais cultos e mais furioso. Era a banda que afrontava, que ousava e que tinha uma atitude roqueira de contestação. 

Dentro desse contexto, o vocalista Marcelo Nova ousava tocar em temas sensíveis, como a visão machista de uma sociedade patriarcal, desequilibrada e racista, reproduzindo comportamentos ate então considerados normais e nada demais.

Também atacava os religiosos que adoravam desancar o rock em "O Adventista", aludia à então escalda da violência em "Bete Morreu" e "Eu Não Matei Joana D'Arc", além de exaltar o modo de vida rock and roll em vários outros temas. 

Para a garotada mais roqueira, tanto meninos como meninas, Camisa de Vênus representava o estilo de vida tão celebrado em décadas anteriores, e caía como uma luva para quem queria ser punk mas não tinha o estímulo necessário para abraçar os Ratos de Porão, Inocentes e Garotos Pores. Representava a afronta roqueira que bandas mais soft, como Legião Urbana e Barão Vermelho, evitavam abraçar.

Depois de 40 anos, em um mundo que virou de ponta cabeça por inúmeros motivos, "Sílvia" não faz mais sentido. É ofensiva, misógina, preconceituosa e desrespeitosa, esbarrando no baixo nível, entrando na mesma categoria de canções como "Marylou", do Ultraje a Rigor, e "Selim", dos Raimundos. São canções que não fazem falta aos repertórios das respectivas bandas.

No entanto, a teimosia de Marcelo Nova em mantê-la no repertório reforça a tese de que ele a banda precisam chamar a atenção depois de mais de 40 anos. Seria uma espécie de "antídoto" para driblar a decadência e queda de venda de ingressos na comparação com outras eras.

Há quem argumente que o "público quer e pede a execução" de tal música anacrônica e sem muito sentido em 2023. 

O mesmo ocorre com os Rolling Stones, que há muito tempo baniram "Bitch" e "Some Girls" dos shows, assim como a icônica "Brown Sugar". As três têm toques de misoginia e preconceito e ainda são pedidas pelos fãs, principalmente a última, mas tais reivindicações sãp ignoradas - ainda bem!

O comportamento teimoso de Nova em relação a "Sílvia" coincide com o negacionismo que ele demonstrou durante a pandemia de covid-19, quando ele investiu contra as medidas de isolamento social - parece que 700 mil mortos por conta do vírus não foram suficientes para comovê-lo, e logo ele, um septuagenário que figurava nos grupos de risco quando da parte mais grave da pandemia...

Há um público que vibra quando roqueiros negacionistas ou apoiadores de excrescências fascistas como Jair Bolsonaro se dão mal com perda de dinheiro ou são processados. Isso não faz bem para o rock e nem para a cena cultural. Entretanto, não dá para não reconhecer que são exemplos pedagógicos quando acontecem.

Que bom que a sociedade está mais atenta relação a atitudes racistas, machistas e preconceituosas, ainda que a reação só ocorra diante de algum clamor público - melhor do que nada. 

Insistir na "afronta" ao bom senso e ás normas civilizadas de convivência não é uma atitude rock and roll, é apenas burrice e desrespeito, uma infantilidade que não cai bem a um artista septuagenário com fama de culto e inteligente.

Em entrevista ao G! e à Rede Vanguarda, Marcelo Nova se defendeu. O cantor se disse surpreso e ressaltou que não houve qualquer reação negativa do público. "Silvia é uma canção que o Camisa de Vênus toca e eu canto há 37 anos. Não é uma canção que eu fiz semana passada. 37 anos. É uma canção que é um dos maiores hits da nossa história, da história da banda. Música que é pedida toda a plateia em todos show que nós fazemos. 

Ele foi além para negar o conteúdo sexista da letra de "Silvia": "Todo mundo canta. Todo mundo. Homens, mulheres, meninos, velhos, enfim. Nessa sexta-feira não foi diferente. Eu inclusive, nessa sexta-feira, e o vídeo vai mostrar isso melhor do que qualquer coisa que eu possa dizer, eu brinquei com as meninas e disse ‘meninas, vamos cantar Silvia porque vocês têm senso de humor’. Não tem nada a ver com nada de agressão. É uma brincadeira. ‘Silvia’ é uma brincadeira.”

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