quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Um ano mágico para o blues: Joanne Shaw Taylor, Jackie Venson, Caroline Cotto...

 


 – Joanne Shaw Taylor é mais uma boa artista britânica a mergulhar na cultura americana de raiz e colher bons resultados, seguindo os exemplos bem-sucedidos de Eric Clapton, Van Morrison e U2, entre outros. Isso é resultado direto do trabalho com o maior nome do blues da atualidade, o guitarrista onipresente Joe Bonamassa, que resolveu se aventurar como produtor.

A guitarrista inglesa coloca na praça seu terceiro álbum desde 2021 – um deles ao vivo – e esbanja bom gosto na escolha do repertório e dos timbres de guitarra mais limpos.

Para os puristas e fãs mais radicais, a notícia não é boa. O som está mais pop e caindo para a country music em “Nobody’s Fool”, o recém-lançado disco.

“Won’t Be Fooled Again” é o maior exemplo desse direcionamento, e cm direito a uma participação muito especial de Bonamassa, de novo participando da produção. É uma canção pop pura, bem feita e bem executada, com um show de Bonamassa nos dois solos.

É curioso esse direcionamento sabendo que Bonamassa produziu o disco anterior da musicista inglesa, cm dos dois caindo de cabeça no blues americano de raiz, em um discaço. O direcionamento pop e country era um antigo anseio de Joanne, que nunca negou a admiração por uam série de artistas americanos.

“Just No Getting Over You” (Dream Cruise) é o retrato dessa admiração, em que passeia pelo cancioneiro pop com arranjos de extrema qualidade que jogam a música para cima e para frente em um country soul de primeira qualidade.

“Nobody’s Fool”, a canção, tem delicadeza e sofisticação na medida certa, seja na guitarra acústica que serve de base seja na guitarra manhosa e cheia de efeitos que ressalta a melodia.

No baladão country conduzido por piano e violoncelo (blo trabalho de Tina Guo) “Fade Away” Joanne se aproxima do gospel em clima intimista, enquanto que “Then There’s You” volta a ressaltar a delicadeza da interpretação em um ambiente mais controlado.

“Runaway” flerta com o folk com suas guitarras acústicas e um baixo distorcido que dá um outro aspecto a uma canção bonita e meio displicente, que destoa de certa forma das outras canções.

Outro convidado de peso abrilhanta o álbum – Dave Stewart, ex-Eurythmics, transforma em um pop classudo “Missionary Man”, que cairia muito bem na vo de Aretha Franklin. Sem os excessos na produção, Stewart domina tudo e imprime m aspecto de soul music em alguns arranjos.

Inusitada é a participação de Carmen Vandenberg, guitarrista da banda Bones e ex-colaboradora de Jeff Beck. Ela dá um colorido diferente para a acelerada “Figure It Out”, uma gema pop de inspiração oitentista. É uma canção simples e eficiente, a melhor desde curioso álbum, que tem todos os ingredientes da cultura roqueira britânica.

Por fim, temos a canção que talvez seja a marca registrada do álbum. “New Love” é um achado pop que remete ao que de melhor os grupos femininos dos anos 60 produziram, com coros e segundas vozes cativantes, e uma linha mellódica grudenta e alto astral.

Se alguém queria blues, é melhor ir buscar disco anterior, “The Blues Album”. Assim como outras guitarristas e cantoras de blues rock, como a australiana Orianthi, opção por mudanças não atendeu a necessidades artísticas de mercado, mas pura e simples vontade de explorar novos mundos. Embute riscos, mas as recompensas são gratificantes. Mais uma vez Taylor fez um grande trabalho.

 Jackie Venson é uma guitarrista texana que é muito talentosa e versátil. Ignora padrões e conceitos e grava o que quer da forma que quer, ao estilo da baixista esplendorosa Esperanza Spalding.

“Love Transcends” é um disco de blues, mas é tão versátil e tão surpreendente que pode perfeitamente ser considerado uma obra experimental com tantos recursos utilizados.

‘Rollin’ On”, por exemplo, é uma beleza de blues movido a guitarra e piano, escorrendo feeling por todos os poros. “See What You Want” é um blues pesado e eficiente, daqueles que tiram sorrisos dos taciturnos.

Com o instrumento semiplugado, ela dá um show de interpretação nas ótimas “On Step Forward” e “Til This Pain Goes Away”, com dedilhados precisos e fraseados invejáveis, feitos com tanta facilidade que chega a irritar.

“Always Free”, seu maior hit, ganha uma versão mais contida e sossegada, o que realça a sua condição de extraordinária intérprete. negra como Jimi Hendrix, é frequentemente comparada a ele, o que a lisonjeia, mas nem tanto por cnta do excesso de obviedade na comparação.

Seja como for, ela não pode negar a influência, assim como a de outro gênio, Eric Gales, principalmente na grooveada canção “Cover My Eyes”, que contém um solo extraordinário de guitarra com um timbre diferente e instigante.

E tem também funk, daqueles de fazer Sly Stone se orgulhar. “Fall of the USA” tem um balanço irresistível, com fraseados cativantes e riffs ganchudos que ganham a adição de uma linha de baixo de responsabilidade.

O funk permanece na faixa-título, mas com um groove mais voltado para o rock, com uma guitarra mais passada e ousada, que permeia a canção como uma cama aveludada para a voz estonteante de Jackie Venson.

O disco está menos pesado do que os anteriores, mas é o mais intenso e diversificado. É a melhor versão da guitarrista texana, em todo o seu esplendor.

- O som de Nova Orleans está no sangue de Caroline Cotto, experiente guitarrista que acaba de lançar "Bayou Sun", álbum com jeito retrô mas que cumpre muito bem a sua função.

O som variado é a cara da cidade em questão: arranjos exuberantes, composições bem construídas e naipes de metais afiados, que expandem o som de forma impactante.

"Mystery Ride", um hard blues movido a metais, é soberba, com uma interpretação muito boa da musicista, que não abusa da voz pequena e manda ver dentro de suas possibilidades. 

"Come Closer" é um baladão gospel com inclinação ao rhythm and blues, cativante em todos os seus trechos, em especial pela condução de piano e pelo baixo sombrio. 

Há boas ideias também na animada faixa-título e na intensa "Stay", um blues que impressiona pela guitarra climática e pelos arranjos simples, mas certeiros. É uma típica balada blues encharcada dde sentimento e da região da Louisiana.

"Heaven in My Hands" e "Awake to Love" completam a boa coleção de canções abordando o jazz de uma forma mais abrangente, ainda abusando do naipe de metais e com uma guitarra mais insinuante, com solos inspirados e um bom trabalho vocal. "Bayou Sun"é um disco surpreendente deste ano.

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